UOL Viagem

27/06/2008 - 20h28

Em Aso-san, a tranqüilidade japonesa segue ao lado dos vulcões

MARCEL VINCENTI
Colaboração para o UOL, de Aso-san, Japão

Marcel Vincenti/UOL

Estátua de Buda em Aso-san, terra de vulcões

Estátua de Buda em Aso-san, terra de vulcões

Buda está em todas as partes. E não se trata do sermão da onipresença. Ele está mesmo. Os habitantes de Aso-san, no sul do Japão, o veneram. Quase sempre sobre a flor de lótus, suas estátuas adornam cada canto desse lugar. Um interessante contraste. Buda medita dentro de uma das maiores caldeiras vulcânicas do mundo. E é engraçado vê-lo tão tranqüilo.

Nunca cheguei tão perto de um vulcão ativo. Sinto-me inquieto. O Brasil, país abençoado por Deus, como alguns propagam, carece desses perigos. E em Aso-san tenho a sensação de estar em uma panela. Quatro erupções, ocorridas há mais de 90 mil anos, forjaram a topografia de colapso da área. Um tamanho buraco, 125 quilômetros de circunferência, onde hoje vivem cerca de 50 mil pessoas.

É impossível olhar essa paisagem e não se assustar. Desde o centro da caldeira, cinco vulcões se erguem aos céus: são os montes Naka-dake, Taka-dake, Neko-dake, Kishima-dake e Eboshi-dake. Ou, como também chamados aqui, Aso-Gogaku, as cinco montanhas de Aso.

Marcel Vincenti/UOL
 
O Naka-dake, o único ativo deles, cumpre bem o papel de principal atração da região. Sua estrutura árida expele fumaça diariamente. Bombas vulcânicas -lava que, ao tomar contato com o ar, ganha a forma de perigosas rochas- às vezes entram no cardápio. As famílias que se instalaram na área convivem com essa ameaçadora chaminé desde suas janelas.

Pergunto a Fumie Shiotami, uma delicada anciã que vive por perto, se ela não tem medo de morar aqui. "Não me preocupo. Estou em Aso há 44 anos e nunca me aconteceu nada. E as vilas estão a uma distância segura do Naka-dake", diz ela.

Fumie é uma velhinha zen demais e resolvo consultar um especialista. E Tsuneomi Kagiyama, coordenador do Laboratório de Estudos Vulcânicos de Aso, confirma: "A maioria das casas está longe da cratera do Naka-dake, um vulcão que tem produzido apenas erupções de pequeno porte. Os cidadãos devem se preocupar somente se alguma grande erupção ocorrer. E temos como prever isso e avisá-los".

E quanto às quatro explosões que abriram esse buraco à nossa volta? "Estimamos que uma explosão como a que originou a caldeira de Aso-san só irá ocorrer daqui a dezenas de milhares de anos. E, se isso realmente acontecer, todos os cidadãos de Kyushu (a ilha no sul do Japão que abriga Aso-san) irão morrer. Mas não seria realista evacuar todos os moradores que vivem na caldeira."

O Japão é assim. Um arquipélago com potencial para a autodestruição. Aqui, cidades são construídas embaixo de vulcões, e terremotos despertam o enfado da rotina. Tufões são tempestades de verão. E os japoneses, com sua aura tranqüila, sempre a plantar flores nesse maravilhoso território.

Os vulcões do alto

É possível escalar alguns vulcões de Aso-san. Posso imaginar os belos cenários vistos lá de cima. O local, no final das contas, é uma obra de arte criada pela fúria da natureza. Seu solo vulcânico é fértil. Flores de todas as tonalidades crescem em terreno que mistura planícies com relevos sinuosos. E a me lembrar que -finalmente!- cheguei à Ásia, plantações de arroz recortam todo o raso da caldeira.

Os vilarejos que rodeiam os vulcões são tipicamente japoneses. Templos xintoístas (a filosófica religião animista nascida no Japão) e jardins com delicados bonsais criam perfeita atmosfera oriental. E o solo abastece, com deliciosa água quente, as inúmeras onsen (as casas de banho nipônicas) encontradas por aqui.

O Naka-dake, porém, é um contraste a toda essa fineza. Sua cratera é ameaçadora: uma bocarra rochosa de 1.500 metros de circunferência, 150 metros de profundidade, no meio da qual borbulha uma yudamari (lagoa fervente). Vejo esse cenário desde o mirante construído nas margens da cratera. O local é famoso entre os japoneses. Estou cercado por eles quando, subitamente, minhas narinas começam a queimar. Meu pulmão parece bloqueado. Os olhos ardem. Uma sirene vermelha se põe a girar ao lado do mirante e somos evacuados do local.

Não à toa, asmáticos são proibidos de subir no Naka-dake. O vento mudou de direção e jogou uma nuvem de gás tóxico sobre nós. Vulcões são imprevisíveis. Há 21 mortes registradas no entorno do Naka-dake. A maioria turistas atingidos por fragmentos após repentinas erupções. Hoje, uma dezena de abrigos se espalha ao redor da cratera, caso rochas incandescentes comecem a cair do céu.


Homem observa cratera do Naka-dake, vulcão ativo de Aso-san, cidade japonesa cercada de vulcões
VEJA MAIS FOTOS DE ASO-SAN PELAS LENTES DE MARCEL VINCENTI


O fascínio pelo Naka-Dake repousa em sua força destruidora. Já os demais vulcões de Aso são notáveis por outras características. Extinto desde tempos imemoriais, o Eboshi-Dake cresce a partir de um pasto decorado por duas lindas lagoas. De seu cume, a 1337 metros de altura, se vê o campo de azaléias que criam um mar róseo aos pés dos cuspidores de fogo.

O Nishima-Dake, entretanto, é o vulcão que me impõe a melhor escalada. O caminho até sua cratera é dividido entre trilhas e uma escada de 834 degraus, construída para "facilitar" a subida. Galgo essa colina e, à medida que atinjo maiores altitudes, o cenário toma dimensões mais grandiosas.

A cratera do Nishima-Dake é hoje uma bacia forrada por exótica flora. Não há ninguém aqui. Grito e minha voz ecoa ao infinito nesse enorme vácuo. Posição privilegiada: deste ponto vejo grande parte da caldeira de Aso-san. Os paredões de 400 metros a delimitar as planícies, as plantações de arroz perfeitamente divididas e o Naka-Dake a expelir fumaça, na minha frente. O pequeno vulcão Kome-zuka, com sua forma de cone, está lá embaixo, envolto em neblina.

As forças da natureza

No mês de março todo esse cenário é palco do Aso-no-Hi Matsuri (Festival do Fogo), uma celebração xintoísta que busca pagar respeito aos imponentes vulcões. Tochas são usadas como instrumento de acrobacia em frente ao Santuário de Aso. Os xintoístas acreditam que cada elemento da natureza possui kami (espírito divino). E os vulcões não são exceção.

Peço maiores explicações para o sacerdote Takahashi Hideharu e ele, vestido com sua roupa verde e branca, me explica (de maneira zen, lógico): "Os vulcões, para os xintoístas, são como mensageiros dos deuses. Quando um deles entra em erupção, é sinal de que algo ruim vai acontecer, ou de que algo vai mal na Terra. Pode ser o presságio de um terremoto ou a morte do Imperador. Por isso realizamos os matsuris (festivais), para mostrar respeito às forças da natureza".

Xintoísmo e budismo se fundem de bela maneira no Japão. Os religiosos dizem que o primeiro se ocupa da vida neste mundo, enquanto o último se foca mais em assuntos pós-morte. Em Aso-san, os vulcões, divindades terrenas, têm Buda a seu lado, a nos lembrar da impermanência das coisas.

Veja mais: Veja fotos de Aso-san

* O mochileiro Marcel Vincenti, 25 anos, partiu dia 9/4/08 para uma volta ao mundo de 12 meses e mostra todo mês em UOL Viagem o que tem visto por aí. Saiba mais

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