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Brasileiro que já foi 30 vezes a Chernobyl revela as curiosidades do local

Fernanda Ezabella

Colaboração para o UOL, em Prípiat (Ucrânia)

09/06/2019 14h17

O brasileiro Arício Filho já perdeu a conta de quantas vezes foi a Chernobyl para passear e explorar a Zona de Exclusão, a área de 30 km de raio da usina que explodiu em 1986, no maior acidente nuclear da história.

"Você sempre encontra algo inesperado. Tem muitas esculturas e murais escondidos", contou ao UOL Viagem o paulistano de 39 anos, dono de um albergue e uma pequena agência de turismo em Kiev, capital da Ucrânia. "Já fui quase 30 vezes, passei algumas noites por lá também. É sempre interessante".

Com o sucesso da minissérie "Chernobyl", agências que levam turistas para passeios guiados notaram um aumento de 40% na procura, mas Arício comenta que os locais ainda têm muito preconceito em visitar a região.

"O acidente é ainda um buraco negro para muita gente aqui. Ninguém sabe o que aconteceu com as famílias envolvidas, por exemplo", disse. Ele explica que mesmo as funcionárias ucranianas do seu albergue nunca haviam tido interesse em ir, até ele insistir muito. "Elas perderam o medo, gostaram. Agora até seus familiares querem ir".

Murais soviéticos

Murais e vitrais soviéticos, bares e mercados abandonados, um parque de diversões enferrujado e praças que viraram florestas são algumas das surpresas de quem se aventura pela Zona de Exclusão, a 150 km de Kiev, sem contar os animais que voltaram a habitar a área.

Só é possível ir com agências e guias credenciados pelo governo, em passeios que variam de 88 euros (um dia) a 430 euros (três dias, inclui alimentação e estadia simples em alojamentos).

Ainda assim, o brasileiro alerta para falcatruas que alguns guias aprontam, ao colocar objetos em lugares estratégicos fingindo serem originais, como bonecas sujas ou máscaras de gás. "Prípiat foi esvaziada, mas as pessoas tiveram direito de voltar para pegar seus pertences. Não existe a lenda do copo de café na mesa porque alguém teve que sair às pressas", diz.

Ele também avisa sobre a precariedade perigosa de muitos prédios, como uma escola que visitou em seu primeiro passeio, em 2008. Estava praticamente completa, com carteiras enfileiradas, alguns livros e cartazes colados nas paredes. Quando voltou em 2010, o edifício de três andares havia desabado.

GPS e dosímetro

Apesar de ser uma das regiões mais radioativas do mundo, as agências afirmam que só circulam em lugares seguros, com baixa radiação, que é medida a todo momento por dosímetros.

Desde o começo do ano, os guias também precisam usar um GPS no corpo para entregar às autoridades ao sair da zona e provar que não foram até locais proibidos, como o hospital de Prípiat e um cemitério de veículos, onde descansam helicópteros e tanques usados na limpeza. "Para ir nesses lugares, só pagando muito dinheiro para alguém. São extremamente radioativos."

Arício conta que Prípiat, quando construída em 1970, tinha muito mais infraestrutura que Kiev. Moradores da capital costumavam sair de barco para visitar Prípiat nos finais de semana, antes de a cidade ser esvaziada por conta do desastre nuclear.

Ao chegar ao píer do canal de Prípiat, hoje parte da Zona de Exclusão, os visitantes da época passavam em frente a um bar-café na beira do rio. Agora às moscas, o lugar é uma das paradas favoritas do brasileiro nos tours de um dia.

"Dá para visitar a parte externa. Tem um vitral supercolorido que ainda está lá. E tem também máquinas antigas de comprar água. Você colocava o copo e a moeda para cair a água", conta o brasileiro, casado com uma polonesa, que o ajuda a cuidar do albergue Kiev Central Station e da agência Soviet Wonders.

A fauna de Chernobyl

"Quando vou, tento sair um pouco do roteiro. Gosto de entender como era a vida na cidade. Perceber a disposição dos prédios, hospitais e escolas, imaginar como as pessoas viviam ali", diz Arício, que recomenda passar uma noite para explorar vilas mais afastadas e fugir dos ônibus de turistas.

Para visitar a Zona de Exclusão, é preciso agendar com pelo menos cinco dias de antecedência. A entrada começa a ser liberada às 10h30 e, no verão, há longas esperas devido ao trabalho de checar os passaportes dos turistas. Quem passa a noite, evita repetir a burocracia. "Tem regras, depois das 21h30, ninguém anda na rua".

Ainda que a minissérie da HBO mostre em detalhes como os liquidadores tentaram exterminar todos os animais, hoje a Zona de Exclusão é habitat de muitos cavalos selvagens, alces, raposas, cachorros e gatos. "Teve gente que diz ter visto urso, eu nunca", comenta.

"Os cachorros são muito amigáveis e selvagens. Todo mundo quer levar um para casa, embora ninguém possa brincar com eles. Estão sempre rolando em tudo quanto é poeira radioativa."

Além de Prípiat: Slavutych e Belarus

Com a popularidade de Chernobyl, Arício espera que outros lugares ligados ao desastre de 1986 também ganhem mais atenção, como Slavutych, a 50 km dali. A cidade foi construída após o acidente para receber os desalojados de Prípiat, com fundos levantados de outros países do bloco soviético. Hoje, cerca de 25 mil pessoas moram lá e é possível visitar de trem desde Kiev.

"Slavutych foi feita de maneira arquitetônica muito parecida com Prípiat para que os moradores se sentissem confortáveis para se mudar para lá. Tem até uma piscina bem similar", explica.

Ele também cita a Zona de Exclusão da vizinha Belarus, aberta para visitação neste ano. Cerca de 22 mil pessoas foram retiradas das 90 vilas da área, infestadas pela fumaça radioativa do reator 4 da usina de Chernobyl.

Arício mora na Ucrânia desde 2008, quando visitou o país numa viagem de bicicleta pela Europa, deixando para trás a carreira de fotojornalista. Seus pais nunca o visitaram e têm o pé atrás com a ideia de passear por Chernobyl.

"Acham que não é saudável e talvez não seja mesmo", diz. "Mas não acho que cause nenhum dano tão sério quanto aos que a gente já se causa normalmente".