UOL Viagem

04/09/2009 - 07h52

Siga a trilha de Picasso, de Antibes a Avignon

ANDREW FERREN
New York Times Syndicate *
O Sul da França sempre será a terra de Picasso, mas essa época é um momento especialmente bom para seguir a trilha de Picasso na Riviera e Provença. Duas grandes exposições exploraram temas-chave em sua longa e variada carreira, e o escritório de turismo francês está sugerindo uma excursão Picasso autoguiada com dez paradas, saída de Antibes, o local do encantador Museu Picasso, até Avignon, que Picasso visitou pela primeira vez em 1912 com seu amigo pintor, Georges Braque.

Até junho, as obras líricas de Picasso permanentemente em exposição no museu em Antibes dividiram espaço com outras importadas para "Picasso, 1945-1949: a Era da Renovação". Mais de 150 pinturas, esculturas, desenhos e peças de cerâmica estiveram em exibição. A exposição celebrava a recente reforma do museu e colocava sob nova luz as obras do período de Antibes de Picasso, que é caracterizado por um senso quase palpável de alegria devido à presença de um novo amor em sua vida -Françoise Gilot, que era 40 anos mais nova do que ele- assim como pelo fim da Segunda Guerra Mundial.

No verão de 1946, Picasso e Gilot estavam em uma propriedade próxima. O Château Grimaldi era o museu de antiguidades provincial ao qual o curador empreendedor, Romuald Dor de la Souchère, tinha esperanças de adicionar uma coleção de pinturas modernas. Durante um encontro casual na praia certo dia, ele propôs a Picasso a doação de uma pintura, e apesar de Picasso inicialmente ter feito objeção, no final esta conversa levou a Antibes obter um museu cheio de Picassos.
  • Ed Alcock/NYT

    Visitantes do Museu Picasso, em Antibes. Entre o verão e o outono de 1946, Picasso usou um dos quartos da propriedade como estúdio


Dor de la Souchère recontou posteriormente a cena em um texto breve e ligeiramente apócrifo chamado "Acaso". Picasso, após prometer sem entusiasmo procurar algum desenho de Antibes para dar ao museu, se queixou de que nunca lhe tinham dado grandes paredes nas quais pintar. "Paredes? Você quer paredes? Eu posso lhe dar algumas paredes", respondeu Dor de la Souchère, oferecendo ao artista uma sala no château para usar como estúdio. Picasso aceitou e, em uma impressionante explosão de atividade, começou a pintar afrescos e então rapidamente passou a pintar praticamente tudo mais o que estava ao alcance. Certo dia, parecia que um dos muitos retratos militares do século 19 do museu estava faltando, até que foi descoberto que Picasso tinha pintado sobre ele uma obra conhecida como "O Comedor de Ouriço-do-Mar".

Os materiais à mão para arte de Picasso naqueles primórdios da reconstrução do pós-guerra incluíam painéis de fibra de cimento e Ripolin -basicamente placa de gesso e tinta de parede- assim como compensados de madeira, e Picasso os usava para criar cenas pastorais como "La Joie de Vivre", na qual uma mulher nua curvilínea, claramente tendo Gilot como modelo, dança alegremente em uma paisagem mediterrânea idílica, em meio a faunos tocando flautas e cabras dançando. A pintura, um ícone não oficial do período Antibes, está entre os tesouros mais amados da coleção do museu, que também inclui retratos de pescadores com camisas listradas e nus sonhadoramente reclinados.

Tanto o artista quanto o curador do museu reconheceram que caso tivessem buscado a criação de um museu Picasso, ele nunca teria acontecido. No final, a simples quantidade e escala das obras determinaram que algum tipo de legado permaneceria no château. A exposição atual reuniu as obras grandes, que Picasso não pôde levar consigo quando o frio o expulsou do château em novembro, com as menores que ele levou embora (e que voltaram pela primeira vez). Entre elas estavam muitos desenhos nunca antes expostos que fornecem uma janela para o processo artístico de Picasso, que Bernardo Laniado-Romero, o ex-diretor do Museu Picasso em Malaga, Espanha, descreve como "o laboratório" de suas idéias. "Se você quiser entender o significado de suas pinturas, é preciso olhar para os desenhos que ele criava ao mesmo tempo", disse Laniado-Romero em uma entrevista.

Vários desenhos em exposição traçavam a evolução de Picasso do tema da "femme-fleur" -imagens de uma mulher (de novo, Françoise Gilot) transformada em flor- que parece quase representações infantis de fertilidade. De fato, no outono de 1946, ela já estava grávida do primeiro de seus dois filhos, mas como ela recontou em seu livro de memórias de 1964, "A Minha Vida com Picasso", o dia-a-dia deles não era só flores e joie de vivre. Ela o deixou em 1953 -a única entre os amores dele a fazê-lo.

Não distante do museu, Picasso frequentemente produzia esboços na praia em la Garoupe, uma enseada em Cap d'Antibes. Hoje, além dos habituais banhos de sol e mergulhos, a praia oferece aos viajantes um adorável passeio que acompanha o mar. Na velha cidade de Antibes, há muitos cafés, restaurantes e crêperies encantadores para provar, e uma movimentada feira matinal de hortifrutis e flores que se transforma à tarde em uma feira de artesanato.
  • Ed Alcock/NYT

    A praia em Antibes, com o Museu Picasso ao fundo


A poucos quilômetros a noroeste de Antibes fica Vallauris, para onde Picasso e Gilot se mudaram em 1948 e onde criaram seus dois filhos pequenos, Claude e Paloma, até 1953. Foi ali que Picasso passou a explorar a cerâmica. Georges e Suzanne Ramié, proprietários da fábrica Madoura, uma produtora de pratos, jarros e outras peças de cerâmica tradicionais da região, foram tão espertos quanto Dor de la Souchère foi com o Château Grimaldi. Ao oferecerem a Picasso um local para trabalhar, eles acabaram criando um bom negócio para si mesmos.

Ele queria criar grandes esculturas independentes em argila, mas quando muitas delas não sobreviveram ao cozimento no forno, ele passou a decorar e às vezes modificar os vasos e formas tradicionais que a fábrica produzia há anos. Estes trabalhos alegres -jarros de vinho moldados em mulheres curvilíneas e pratos ovais pintados para parecerem arenas de touros- encantaram Picasso, e ele autorizou os Ramiés a reproduzirem alguns deles em edições limitadas (qualquer um interessado em iniciar uma coleção agora pode checar os trabalhos atualmente em exposição no Céramiques du Château, uma galeria em frente à entrada do Museu Picasso, em Antibes).

Vallarius tem seu próprio Museu Picasso, no château na praça principal, onde a escultura em bronze "Homem com Carneiros" se encontra desde que Picasso a doou à cidade em 1949. O museu exibe alguns de seus trabalhos em cerâmica, e de 27 de junho a 12 de outubro também explorará os elos de Picasso com o poeta e autor modernista Blaise Cendrars. Seu maior atrativo, entretanto, é o memorial Guerra e Paz, que Picasso pintou de 1952 a 1957 para decorar a pequena capela romanesca do prédio. Considerada sua última obra de arte abertamente política, ela sobrepõe imagens ameaçadoras de guerra com cenas idílicas de pastores e vida rural.

De 1959 a 1961, Picasso e sua nova companheira, Jacqueline Roque -com a qual se casou em 1961- viveram perto de Aix-en-Provence, a prazerosa cidade barroca que talvez seja mais conhecida como o lar de Paul Cézanne. Em "Picasso-Cézanne", a segunda das grandes exposições neste verão francês, de 25 de maio até 27 de setembro, o Museu Granet em Aix examina a influência do Cézanne sobre Picasso. É uma das primeiras grandes exposições a olhar para o relacionamento entre estes dois gigantes da arte dos séculos 19 e 20. Ela conta com cerca de 50 obras de cada artista -pinturas, desenhos, esculturas e gravuras- incluindo uma seleção de pinturas de Cézanne que faziam parte da coleção pessoal de Picasso.
  • Claude Germain/Chateau de Vauvenargues

    Estúdio de Picasso no Chateau de Vauvenargues, perto de Aix-en-Provence

Em 1958, Picasso comprou o Château de Vauvenargues perto de Aix, aos pés do Monte Sainte-Victoire, a montanha à qual Cézanne retornava repetidas vezes em suas pinturas, e foi aqui que ele, Jacqueline e a filha dela de um casamento anterior se estabeleceram por vários anos. Interessantemente, apesar de ele estar literalmente no quintal de Cézanne, foi a obra de outro mestre francês, "Le Déjeuner sur l'Herbe" de Manet, que inspirou grande parte da obra de Picasso em Vauvenargues.

De Granet, os visitantes podem arranjar -durante a exposição- uma visita ao Château de Vauvenargues, onde Picasso e Jacqueline estão enterrados no jardim. A filha de Jacqueline, Catherine Hutin, está abrindo a casa ao público pela primeira vez como complemento da exposição no museu. A visita inclui os quartos principais do château -incluindo o grande estúdio de Picasso no segundo andar, dominado por uma grande lareira barroca encimada por figuras entalhadas e o brasão do proprietário anterior. Milagrosamente, essa pequena pomposidade consegue casar com uma sala fora isso despojada e pintada de branco. Molduras estão encostadas nos cantos, e latas de tinta óleo e pincéis estão bem arrumados sobre várias mesas, como se o artista pudesse voltar a qualquer momento.

Das janelas há vistas do Monte Sainte-Victorie se erguendo acima das florestas de pinheiros vizinhas -como Cézanne poderia tê-lo pintado. Também no segundo andar se encontra a suíte master, com sua cabeceira pitoresca laranja e dourada feita a partir de uma bandeira catalã. O banheiro é adornado com um mural descrevendo uma cena pastoral com um fauno, que Picasso pintou na primavera de 1959. Segundo Hutin, era ali que as reuniões de família costumavam acontecer, com Picasso na banheira, como um Rei Sol em sua recepção matinal.

Apesar do château ter uma capela do século 19 decorada de forma elaborada no térreo, os funerais de Picasso e Roque foram realizados no mais informal e rústico Guards Hall. Sua grande lareira aberta permanece cheia de plantas e flores e é pontilhada com algumas poucas esculturas do artista, em uma espécie de tributo discreto, mas contínuo.

Os visitantes assistirão a um vídeo com uma montagem de sete minutos dos filmes da família mostrando a vida no château, com as idas e vindas da família e amigos de Picasso. O artista até mesmo representa um pouco para a câmera nesse filme nunca antes mostrado.

De Aix, as outras cidades provençais que constam no itinerário Picasso ficam a curta distância. Vale a pena visitar Arles, com sua arena de touros e atmosfera colorida que lembravam a Picasso sua nativa Espanha, e Avignon. Apesar de sua obra-prima "Les Demoiselles d'Avignon" na verdade ter sido pintada em Paris cinco anos antes de ele visitar a cidade, foi aqui, nessa ex-cidade de papas que o sumo-sacerdote da arte do século 20 deu início ao seu caso de amor duradouro com o Sul da França.

Se você for

O que ver
Museu Picasso, Château Grimaldi, Antibes (33-4-9290-5420; www.antibes-juanlespins.com), ingresso 6 euros, ou cerca de US$ 8,35, com o euro cotado a US$ 1,39.

Museu Nacional Picasso Vallauris e o memorial Guerra e Paz, Place de la Libération, Vallauris (33-4-9364-7183; www.musee-picasso-vallauris.fr); entrada 3,25 euros.

Museu Granet, Place St. Jean de Malte, Aix-en-Provence (33-4-4252-8832; www.museegranet-aixenprovence.fr); entrada para "Picasso-Cézanne" custa 10 euros.

Château de Vauvenargues, Aix-en-Provence; apenas visitas em grupo, necessário agendamento antecipado; reservas pelo Museu Granet; ingresso, 7,70 euros.

Para o guia do escritório de turismo francês para seguir os passos de Picasso no Sul da França, visite www.picassoenprovencecotedazur.com.

Onde ficar

Hotel Belles Rives, 33, boulevard Edouard Baudoin, Juan-les-Pins Cap d'Antibes (33-4-9361-0279; www.bellesrives.com); quartos duplos a partir de 245 euros no verão.

Hotel Cézanne, 40, avenue Victor-Hugo, Aix-en-Provence (33-4-4291-1111; cezanne.hotelaix.com), duplos a partir de 175 euros.

Tradução: George El Khouri Andolfato
* Texto publicado originalmente em junho de 2009

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