UOL Viagem

28/06/2009 - 08h00

Águas bravas do rio Nilo em Uganda revelam uma natureza quase intocada

JEFFREY GETTLEMAN*
New York Times Syndicate
Quando cheguei para praticar rafting em águas brancas em Uganda, Josh, o guia de rafting canadense que esperava descalço, trajando shorts largos e que parecia uma versão mais calejada e cabeluda de Brad Pitt, me recebeu com uma pergunta simples: radical ou manso?
  • VANESSA VICK/NYT

    Uganda é um ótimo lugar para experimentar a África; o rafting é apenas uma parte desse universo selvagem


Meu conselho, se algum dia for fazer isto, é escolher sabiamente. Porque logo em seguida, eu estava de cabeça para baixo em um trecho de águas bravas do rio Nilo, um teto de águas brancas sobre mim, com todas aquelas flores e pássaros tranquilos ao longo da margem tendo desaparecido violentamente da minha memória e Josh gritando: "Cara! Cuidado com as pedras!".

E aquela foi apenas a primeira parte. Durante minha viagem de dois dias no inverno, nosso bote de borracha virou inúmeras vezes. Nós caímos de cachoeiras. Nós nos torcemos ao redor de rochas. A experiência foi como estar em um pula-pula em meio a um tsunami. Em alguns lugares, a água parecia desafiar as leis da física, com ondas gigantes verdes, espumosas, quebrando umas nas outras em ângulos impossíveis. A corredeira mais assustadora era chamada com justiça de Lugar Ruim.

O Lugar Ruim. De fato, foi muito ruim

Mas o Nilo, aquela fonte de vida histórica cortando mais de 6.400 quilômetros da África até o Mar Mediterrâneo, era extremamente bonito - tudo o que podíamos ver ao longo das margens eram quilômetros e quilômetros de mata intocada, sem lixo, sem empreendimentos imobiliários, sem cercas, apenas cormorões e macacos, e um crocodilo ocasional, descansando ao sol. A água era quente e limpa, perfeita para mergulhar. Os guias, que eram uma mistura de estrangeiros e ugandenses, eram divertidos, capacitados e seguros.

Uganda é um lugar maravilhoso para experimentar a África - e o rafting é apenas uma parte disso. É possível percorrer até as profundezas do Parque Nacional Impenetrável de Bwindi e ficar cara a cara com um gorila da montanha de 200 quilos ameaçado de extinção. Também é possível escalar os picos das Rwenzoris (também conhecidas como Montanhas da Lua) e ver os elefantes selvagens no Parque Nacional Rainha Elizabeth. É possível praticar bungee jump, jet boat e caiaque. E quando acabar e quiser relaxar, é possível ir à capital, Campala, para curtir a comida indiana nos hotéis butiques e observar enormes marabus voando preguiçosamente em círculos no ar, como aviões B-52s com penas, bem no centro da cidade.

Winston Churchill chamou este pequeno país verde de "a pérola da África" e ele continua sendo uma gema escondida. É verdade, Uganda não oferece todos os requintes turísticos que o vizinho Quênia, como campings com tendas com diárias de US$ 1.500 e férias na praia no Oceano Índico. Mas Uganda também não tem a bagagem. Há menos crime aqui do que no Quênia. Não há lotação de turistas. É mais barato. E, talvez mais importante, há uma vibração diferente - os ugandenses tendem a ser um pouco mais descontraídos, um pouco menos deferentes. É um lugar onde seu motorista olhará você nos olhos em vez de evitar o seu olhar e cobrir você de obsequiosos sim-senhores, não-senhores e risos falsos.

Isso faz sentido. Enquanto o Quênia foi uma colônia britânica que se transformou em playground tropical para aristocratas beberem gim, atirar em leões e trair suas esposas, Uganda foi um protetorado. Isso significa que o país foi poupado das massas de colonos brancos, e hoje conta com menos dessa marca cara do colonialismo do que, digamos, o Quênia ou o Congo, lugares onde, mesmo após o fim do domínio branco, ainda há uma desigualdade embaraçosa entre as raças.

É claro, Uganda teve sua própria história sórdida, e muita gente a associará a Idi Amin, o corpulento ditador do país nos anos 70 que espancava seus inimigos políticos até a morte com uma marreta e mergulhou seu país em anos de derramamento de sangue e terror. Mas esses dias não são nem mesmo uma mancha no espelho retrovisor. Uganda se endireitou e expulsou vários grupos rebeldes, incluindo o notoriamente brutal Exército de Resistência do Senhor.

Hoje ela é uma das nações mais seguras e estáveis desta região da África. Por exemplo, quando minha colega Vanessa e eu iniciamos nosso passeio de rafting, nós pousamos às 21h no aeroporto de Entebe, o principal do país. Nós tivemos que ir para Jinja, uma cidade de porte médio no rio Nilo e centro do próspero negócio de rafting de Uganda. Nós dirigimos por duas horas e meia pelo interior, em meio a um breu. E imagine? Nós ficamos bem. Nós passamos a noite no Jinja Nile Resort, um hotel sereno empoleirado em penhascos com vista para o Nilo, e na manhã seguinte a diversão teve início.

Poder impressionante

"Atenção, pessoal!" gritou Josh, o guia de rafting, cujos cachos dourados balançavam sob um capacete de construção surrado. "Nada de sapatos, chinelos, colares, nada de nada. Se não quiser perder, não traga. Se virarmos - e nós vamos virar - segure-se no bote. Agora, quem quer encarar o radical?"

Sem pensar, todos em nosso grupo de 60 pessoas, a maioria estudantes e mochileiros na faixa dos 20 anos vindos da Inglaterra e Estados Unidos, gritou "radical!" - o percurso mais agressivo. Se você preferir o manso, para o qual, ao final do passeio, muitos dos praticantes esgotados tinham trocado, você flutua pelo mesmo trecho do rio, apenas com seu guia desviando, ou mesmo tentando, das corredeiras mais intensas. As corredeiras são classificadas por números, de 1 a 6. Quando pedi para Josh explicá-los para mim, ele disse: "Um é basicamente água parada, como uma piscina". Dois e 3 podem ser agitadas, 4 e 5 são mais duras. E 6? "Morte quase certa."

Para assegurar que isso não aconteceria, Josh nos orientou como remar, como nos segurarmos e como voltar ao bote em caso de sermos lançados para fora, o que exige muita força e sempre termina com um risinho sem dignidade.

Nosso primeiro teste foi o Grande Irmão. Eu nunca obtive uma boa resposta sobre quem batizou as corredeiras de Uganda, mas os nomes eram impressionantes, como Cura Ressaca, Vingança, 50-50 e, é claro, meu favorito, o Lugar Ruim. A maioria é classe 3 e 4. O Grande Irmão era basicamente uma cachoeira, na qual nos esforçamos no remo e então a deixamos nos levar. O poder impressionante do Nilo cresceu sob meus pés. O barulho era ensurdecedor. Eu me lembro de antes de chegarmos à cachoeira, de olhar para cima e ver garças brancas cruzando o céu, totalmente indiferentes ao terror que estávamos prestes a vivenciar. "Todo mundo se abaixe!" gritou Josh.

O bote bateu contra uma torrente de água branca, e em milissegundos, nosso pula-pula foi engolfado. O rio na verdade estava fazendo redemoinhos dentro do bote, tentando nos arrancar para fora. Eu me agarrei com toda força à corda de segurança na borda. Meu coração parecia querer saltar fora do peito. Eu estava escorregando. Isso tudo durou cerca de três segundos. E então, puf! Acabou. Estávamos flutuando em água mansa novamente.

Ah, não foi tão ruim, eu pensei. Eu até mesmo troquei um high-five com alguém. Mas então olhei para minha mão esquerda. Ei, espera aí. Onde está meu anel de casamento? Aquele feito pelo meu avô e usado no casamento dele? Aquele que minha esposa me mataria por perder? Se foi. No fundo do Nilo. Levado pelo Grande Irmão. Uma estimada herança de família reduzida a comida de peixe. Deprimido, eu perguntei ao Josh se uma tragédia dessas já tinha acontecido antes. "Acontece o tempo todo", ele disse. "Eu esqueci de mencionar isso no início?" Valeu, cara.

Mais à frente eu consegui superar minha perda e fui capaz, novamente, de desfrutar as águas brancas e o cenário. Grande parte do rio é na verdade plácido, às vezes com quase dois quilômetros de largura e calmo como um lago. Era possível ver cabanas de palha ao longe, com fumaça saindo de seus telhados pontudos. E paredes de folhas verdes de bananeira. E enormes lagartos andando pelas rochas. Quando sentíamos calor, nós simplesmente mergulhávamos no Nilo e boiávamos de costas, estudando o céu em busca daquela nuvem perfeita, com os dedos do pé apontados para o norte, na direção do Egito.

Os guias eram cuidadosos em relação aos crocodilos - que mordem sim, de forma que nos poucos pontos conhecidos de crocodilos, não era permitido que entrássemos na água. De vez em quando pescadores passavam por nós remando em canoas de troncos. Alguns não se importavam com roupas. Lily, uma diplomada pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) que estava no meu bote e que tinha perdido recentemente seu emprego no setor financeiro, estava inspirada. Ela repentinamente pulou, arrancou seu biquíni, recolocou seu colete salva-vidas e voltou a remar. "Hã, com licença", perguntou uma das jovens britânicas no bote, com uma expressão genuína de choque em seu rosto. "Por que exatamente você está praticando rafting pelada?" Lily respondeu: "A questão é, por que você não está?".

Eu não tive tempo de resolver isso antes de chegarmos à 50-50, uma das corredeiras mais perigosas, onde dois braços do rio colidem e caem como um lance precário de escada. O Lugar Ruim, um vórtice furioso e trovejante que parecia alimentado por uma turbina de jato abaixo da superfície, vinha a seguir, mas a água estava baixa demais e, portanto, era perigoso demais cruzá-lo. Mas descobrimos que a 50-50 era assustadora o bastante. "Nesta, se vocês caírem", gritou Josh, tentando vencer o barulho, "nem se deem ao trabalho de tentar segurar!".

Nós mergulhamos. A crista de uma onda levantou nosso bote da água e nos virou como um ovo na frigideira. Mas em vez de emergirmos imediatamente de volta, alguns de nós ficaram presos sob o bote, com a corredeira o pressionando sobre nós. Foi apavorante, porque não havia como sair. Eu chutei, soquei, senti como se tivesse bebido um galão de água do rio. Eu comecei a pensar naquela cena no final de "Titanic" em que Leonardo DiCaprio se afoga. E então, pop, o bote levantou, e eu atravessei uma fúria de água branca febrilmente em busca de ar. Foi quando percebi que tudo estava um pouco embaçado, o que me levou à segunda baixa, minha lente de contato direita. Sumiu. Eu passei o restante da viagem espiando por um olho só.
  • VANESSA VICK/NYT

    O hotel Jinja Nile Resort tem vista espetacular do desfiladeiro do rio e acomodações confortáveis


O dia seguinte

Naquela noite nós lambemos nossas feridas e bebemos cerveja gelada em um acampamento em um penhasco sobre o rio. Os guias nos prepararam um jantar - arroz, salada e um frango ensopado com molho de amendoim, tudo servido em grandes panelas amassadas ao estilo caseiro. Eu limpei vários pratos e então dormi como um bebê na minha tenda.

Na manhã seguinte nós trocamos de guia. Geoffrey era nosso novo mestre. Geoffrey era o retrato da tranquilidade ugandense, sentado quieto na traseira do bote com uma viseira do Homem-Aranha. Ele também era um primor físico: ombros largos, cintura fina, forte como um zagueiro de futebol americano, sem nenhuma gordura, com todos os músculos saltando de seus braços quando remava. Eu não acreditei muito quando me disse que tinha 48 anos. Ele passaria facilmente por 28 anos. Talvez até mesmo 18.

Nós viramos várias vezes no segundo dia, mas a maioria de nós agora estava mais à vontade, e para ser honesto, estávamos ficando viciados na adrenalina. A última corredeira do dia foi batizada apropriadamente de Malaloo, que significa maluca em luganda, uma das línguas principais de Uganda, e novamente parecia distorcer a física. Era basicamente uma corredeira trovejante de um lado do rio, com o outro lado de águas mansas, de forma que era possível passar pela corredeira, sair da água branca e então ir para o outro lado do rio e remar de volta para repetir a dose, quantas vezes quiser.

Nós fizemos isso pelo menos umas 10 vezes, com Geoffrey conduzindo o bote sem esforço para um ponto tranquilo nas corredeiras, onde permanecíamos milagrosamente suspensos no meio do Nilo, apanhando da água por um minuto, sem realmente nos movermos. Nós tentamos isso com prancha boogie, também, e eu mergulhei de barriga e apontei corrente acima, encontrando o ponto preciso onde a torrente me manteve imobilizado em uma corrente de águas brancas, como se estivesse surfando uma onda interminável.

Foi a maneira perfeita de encerrar a viagem. Nós entramos no ônibus exaustos, queimados de sol, com ombros doloridos e pés descalços. O motor engasgou para pegar. Eu olhei ao redor para os outros rostos contentes do grupo e senti que tínhamos todos passado por algo juntos. Eu espiei com meu olho bom e tentei esquecer o anel perdido. E assisti ao Nilo ficando para trás, suave, verde e convidativo como sempre.

Como chegar e circular

A maioria dos voos para o Leste da África, incluindo Uganda, envolvem escalas e troca de aviões. Após pousar em Entebe, o principal aeroporto de Uganda que fica nos arredores da capital, Campala, a viagem de duas horas e meia de carro é tranquila até Jinja, a base do rafting às margens do Nilo. A Adrift, empresa de rafting, pode pegar você por US$ 75 adicionais, ou você pode alugar seu próprio carro por um pouco mais. Nós usamos um motorista chamado Mathias Bukenya (256-772-361-281), que cobra US$ 100 pela viagem e conta com uma frota de táxis que podem ser contratados para viajar pelo país.

Quando ir

A época ideal para praticar rafting é em janeiro e fevereiro ou de junho até setembro, a estação seca de Uganda, quando o sol é forte e o céu fica azul. Mas como Jinja fica basicamente sobre o Equador, seu clima é agradável o ano todo, tipicamente 27ºC de dia e 21ºC à noite. A Adrift percorre o rio o ano todo, mas de maio a agosto é o período mais movimentado por causa das férias de verão.
  • VANESSA VICK/NYT

    Depois de um cansativo dia nas águas do Nilo, chega o momento de comer e beber com os colegas de rafting


Hotéis e águas brancas

Em Jinja, nós ficamos hospedados no Jinja Nile Resort ((256) 434-122-190; www.madahotels.com). O hotel tem uma bela piscina e vistas espetaculares do desfiladeiro do rio, repleto de macacos brincando nas árvores. O hotel não está incluído no pacote de rafting da Adrift. Quartos simples, com vista do rio, custam 125 euros, ou US$ 174, com o euro cotado a US$ 1,39; quartos duplos, 155 euros. Os quartos sem vista para o rio custam 110 euros, os simples, e 140 euros, os duplos.

Também é possível ficar no barulhento mas animado camping do Adrift, com camas a US$ 10 por pessoa (os preços da Adrift são em dólares), tendas duplas por US$ 40 no total e chalés de madeira (também para duas pessoas) por US$ 50 a noite.

O rafting em si não custa caro, o motivo para a Adrift (256-772-237-438; www.adrift.ug), que começou a atuar em 1996 e alega ser a primeira empresa de rafting de Uganda, ser um ímã de mochileiros. Os preços são US$ 115 pelo passeio de meio dia; US$ 125 pelo de dia todo; US$ 250 pelo passeio de dois dias; US$ 335 pelo de três dias (ambos incluindo alimentação e hospedagem). Os guias do rio servem comida saborosa e cerveja gelada Nile Special. Durante meu passeio de dois dias, nós comemos muitas frutas frescas, saladas, embutidos e frango ensopado. A cerveja, refrigerante e água engarrafada estavam inclusos. O camping onde passamos a noite era em um penhasco com bela vista acima do rio, com tendas de tamanho diferentes e alguns dormitórios, com chuveiros e toaletes.

Outras atrações

O rafting é apenas o início dos encantos de Uganda. Se quiser mais aventura, a Adrift pode levar você para praticar bungee jumping e jet boating.

Mais longe, é possível ver os enormes gorilas da montanha com cabeças do tamanho de blocos de motor no Parque Nacional Impenetrável de Bwindi, www.bwindiforestnationalpark.com. Ou caminhar em meio a chimpanzés no Parque Nacional Kibale, uma exuberante floresta tropical onde é possível procurar pelo parente vivo mais próximo do homem. Veja em www.safari-uganda.com/uganda/kibale.php. O Parque Nacional Rainha Elizabeth, www.queenelizabethnationalpark.com, é o paraíso dos observadores de pássaros e diz ter mais de 600 espécies. Ele também está repleto de grandes animais (elefantes, leopardos e leões, para citar alguns) e é possível passear de barco no Canal de Kazinga, cruzando uma água cheia de hipopótamos.

E Uganda não está isolada do restante da África. Há vários voos por dia entre Entebe e Nairóbi, a capital do Quênia. Viagens de ida e volta pela Kenya Airways custam a partir de aproximadamente US$ 352 em junho, segundo uma recente pesquisa online. Isso facilita a inclusão de Uganda em uma viagem mais ampla pelo Leste da África, que poderia incluir o parque Mara Masai no Quênia ou uma escalada no Monte Kilimanjaro, na Tanzânia.

(Jeffrey Gettleman é o correspondente no "The Times" no Leste da África.)

Tradução: George El Khouri Andolfato

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