UOL Viagem

19/03/2009 - 18h43

Uma cama sob vidro na terra da aurora boreal

JAMES SCHEMBARI
New York Times Syndicate

Divulgação/Hotel Kakslauttanen

Vista aérea dos iglus do Hotel Kakslauttanen, na Finlândia

Vista aérea dos iglus do Hotel Kakslauttanen, na Finlândia

Eu subi com dificuldade a colina, com a cabeça inclinada contra o vento congelante e meu kit de pernoite sob meu braço, tentando cruzar a neve em meio à escuridão ártica. O Hotel Kakslauttanen, na minúscula cidade finlandesa de Saariselka, desligou as luzes do caminho para evitar um clarão ofuscante e me dar uma vista mais clara do céu. Teria sido muita consideração deles se já estivesse preparado para ver as luzes do norte, mas eu estava atrasado para chegar às minhas acomodações e mal podia ver onde estava pisando.

Mas que acomodações elas eram. Eu estava prestes a passar minha primeira noite em um iglu de vidro, um único cômodo (mais um banheiro minúsculo) fechado de vidro, parecido com uma jóia, que permite que você se maravilhe de sua cama com a aurora boreal. Os 20 iglus foram construídos por Jussi Eiramo, o proprietário do hotel, apenas para esse propósito e atrair pessoas de todas as partes do mundo. Este é o país das luzes do norte, e Eiramo disse que teve a idéia do iglu após ver pessoas do lado de fora no frio, à noite, olhando para o céu esperando ver as luzes. "É melhor ver as luzes da cama, em um lugar quente", ele pensou e então deu início à construção, em 1999.
  • James Schembari/THE NEW YORK TIMES

    De um dos iglus feitos de vidro do Hotel Kakslauttanen, na Finlândia, é possível ver as luzes do norte assim que elas aparecem no céu


Passar a noite em um iglu é mágico. Ficar deitado na cama, olhando para o céu, é como acampar sob as estrelas, mas com aquecimento. Os iglus são adoráveis e incrivelmente românticos (infelizmente, quem me acompanhava na viagem não era minha esposa, mas meu amigo Chuck).

O casal britânico dois iglus abaixo também não conseguia encontrar seu iglu no escuro, e teve que telefonar de celular para a recepção pedindo ajuda. Também não ajuda o fato de que aqui, acima do Círculo Polar Ártico, nós tínhamos apenas quatro horas de luz solar como a do entardecer por dia. A gerência ajuda incluindo uma minúscula lanterna em um estojo de couro que guarda a chave da porta. O estojo útil também conta com um abridor de garrafas para quando você conseguir encontrar seu quarto. Muito atencioso.

A aldeia de iglus de vidro está construída em três fileiras em uma colina a uma caminhada de cerca de dez gelados minutos das principais cabines de hóspedes. Minha cabine tinha uma cama tamanho king em um quarto e beliches no outro, assim como uma pequena cozinha, um chuveiro e uma sauna pessoal (um amigo finlandês disse que a tradição é sair e fazer um anjo de neve após a sauna. Eu tentei. Ele é maluco). Uma noite no iglu me custou cerca de US$ 370, não muito mais do que uma cabine, mas os iglus não têm chuveiro, o que significa que não dá para passar todas as suas noites no iglu. Era fora da temporada quando eu visitei e o hotel estava bem vazio, de forma que Eiramo nos deu acesso a uma cabine para tomar banho e nos vestirmos.

E como soube graças ao casal britânico enquanto passava pelo iglu deles quando se preparavam para deitar, assim como pessoas que vivem em casas de vidro não devem atirar pedras, pessoas que passam a noite em iglus de vidro não devem se despir com as luzes acesas. As cortinas que envolvem o interior e terminam a poucos centímetros acima das camas, dão apenas uma impressão de privacidade.

  • Divulgação/Hotel Kakslauttanen

    Visão interna de um dos iglus disponíveis para hospedagem no Hotel Kakslauttanen



Na noite em que os britânicos e eu compartilhamos a colina dos iglus, as condições eram perfeitas para ver as luzes do norte. Eu sempre quis ter a experiência de ver as luzes, mas esta era minha primeira tentativa. Infelizmente, vê-las envolve experimentar o tempo frio. Enquanto eu estava na Lapônia, estava cerca de -9ºC durante o dia. Eu me casei com uma mulher de Miami que se arrepia em qualquer lugar ao norte de Saint Augustine, Flórida, e caçar as luzes nunca esteve em nossa agenda. Então ela deixou claro que se eu quisesse vê-las, ou elas teriam que descer mais para o sul ou eu teria que ir sozinho. Então convidei Chuck, meu amigo mais antigo e padrinho de um dos meus filhos.

Mesmo com condições perfeitas de visão, as luzes são bastante esquivas. O outro problema é permanecer acordado. Você não pode manter as luzes do iglu acesas porque não conseguiria enxergar além do teto. Isso significa que não dá para ler. Tudo o que você tem para fazer é ficar deitado na cama, olhando para o céu e fazendo força para permanecer acordado. Isso é difícil após um dia esquiando ou andando de trenó puxado por cachorros, ambos oferecidos pelo hotel. Em uma noite, Chuck agüentou até a meia-noite e eu adormeci uma hora depois.

Na noite seguinte, enquanto Chuck e eu íamos para nosso iglu, nós cruzamos com dois funcionários do hotel que foram enviados para resgatar o casal britânico perdido. Um deles apontou para a única nuvem no céu. "Vê aquilo", ela disse. "É o início das luzes do norte. Elas freqüentemente começam como uma nuvenzinha."

Então Chuck e eu subimos correndo para o iglu para ficarmos a postos, mas assim que chegamos lá, longe das luzes do hotel, nós conseguimos ver toda a glória do céu. As estrelas eram o espetáculo. O céu estava repleto delas. Inicialmente nós nem mesmo entramos no iglu. Nós simplesmente ficamos do lado de fora, nossas bochechas insensíveis por causa do frio, olhando para o céu. Aquela certamente parecia a Ursa Maior bem acima de nossas cabeças. Era como o teto do Grand Central Terminal, mas parecia ainda mais próximo. Foi o show de luzes mais impressionante que já vi, e isso antes de começarem as estrelas cadentes.

Nós imaginamos que aquela seria nossa noite para as luzes. Com a ajuda de alguns videogames idiotas no meu iPod, eu consegui permanecer acordado até as 2h30, mas as únicas luzes do norte que vi foram as lanternas traseiras ocasionais dos carros seguindo na direção de uma estrada próxima do Mar Ártico.
  • Divulgação/Hotel Kakslauttanen

    Imagem da aurora boreal, vista da região do Hotel Kakslauttanen


No café da manhã, a funcionária com a qual cruzamos na colina perguntou: "Vocês conseguiram ver as luzes?"

"Não", eu disse.

"Você tá brincando", ela disse. "Quando cheguei em casa às 11 da noite, elas pareciam estar bem em cima dela. Mas foi apenas por um minuto. Vocês não viram?"

Eu acho que às 23h eu estava olhando para o norte para a Ursa Maior, não para o sul na direção da casa dela. Eu me distraí com o show da natureza de um canal diferente. Antes de Chuck e eu partirmos, Sonja Eiramo, a filha do proprietário que ajuda a dirigir o hotel, disse lamentar não termos visto as luzes.

"Sabe como é, elas são bastante imprevisíveis", ela disse. "Elas estavam bastante ativas no final de agosto."

Eu gostaria de retornar e tentar de novo. Em agosto pode chegar a -10ºC na Lapônia. Talvez seja quente o suficiente para que possa trazer minha esposa.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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