UOL Viagem

29/07/2008 - 18h57

NYT no Vietnã: o delta do Mekong visto por sobre o guidão

PORTER FOX
New York Times Syndicate

Justin Mott/NYT

Meninos se jogam em rio no delta do Mekong

Meninos se jogam em rio no delta do Mekong

A ponte rangente apareceu de novo à esquerda da estrada de terra. Montada com barras enferrujadas e tábuas lascadas, a estrutura de madeira cruzava um canal de água lenta e escura, um dos milhares que cortam o Delta do Mekong, no sul do Vietnã. Em um lado da ponte, uma placa mostrava fotos pavorosas de vítimas de crocodilos para desencorajar os transeuntes a darem um mergulho. Do outro lado, uma fila de bicicletas motorizadas aguardava a vez para atravessar a ponte bamba.

O tabuleiro da ponte mal era largo o suficiente para minha bicicleta e, enquanto pedalava passando pelo tráfego no sentido contrário, eu percebi que era a terceira vez que cruzava esta ponte em três horas. Não tinha como negar: eu estava andando em círculos, completamente perdido no delta do Mekong.

O que era, de certa forma, a intenção da viagem. Após evitar os vendedores ambulantes de DVDs e os turistas franceses por uma semana nos centros de mochileiros de Hoi An e Ho Chi Minh, explorar os obscuros lugares afastados do Vietnã de bicicleta parecia o descanso perfeito. Viajar de bicicleta permite o tipo de comunhão visual que você não consegue de ônibus ou trem. Além disso, a maioria das estradas do delta passa sobre diques estreitos que foram construídos pelos senhores da casa de Ngyuen no século 16, de forma que a única forma de circular é por bicicleta ou barco.

O plano era fazer uma rota em ziguezague pelo delta, começando no leste, em Ho Chi Minh, e pedalando para sudoeste por 320 quilômetros até o golfo da Tailândia. A viagem levaria quatro dias, em bicicletas híbridas Trek trazidas de Nova York. Cada bicicleta foi acrescida de mochilas contendo uma troca de roupas, um saco de dormir leve, capa de chuva e, talvez mais importante, uma bússola militar dos anos 60, comprada poucos dias antes nas ruas de Ho Chi Minh, a antiga Saigon.

Era uma segunda-feira abafada no final de dezembro, quando um táxi deixou eu e minha namorada, A'yen Tran, em uma estrada sem nome a uma hora ao sul de Ho Chi Minh, perto da aldeia de Thu Thua. Um cheiro de serragem vinha de uma oficina de barcos próxima. Um longo barco a vela descia o canal, transportando arroz e cana-de-açúcar. Enquanto montávamos em nossa bicicletas e dávamos início à viagem, quase tudo parecia verde, até mesmo o ar, tão denso de umidade que obscurecia o sol.

O plano para o dia era percorrer 100 quilômetros na direção sudoeste, até o entreposto comercial de Cai Be. Mas nenhuma das estradas que partiam de Thu Thua eram sinalizadas, então acabamos fazendo um looping de Escher de volta até a aldeia. Três voltas depois, nós decidimos parar em um café à beira da estrada, onde a proprietária, uma gentil mulher de meia-idade em um terninho verde florido, nos desenhou um mapa com direções escritas em vietnamita.

Logo, nós estávamos pedalando ao longo de um dique que passava entre casas, lojas de conveniência e cafés de bambu sobre palafitas. Estudantes em bicicletas motorizadas desajeitadas olhavam a leve estrutura de alumínio das nossas bicicletas e capacetes reluzentes. Para todo lugar que olhávamos, plantadores de arroz labutavam atrás de búfalos nos campos verdejantes.

Quatro horas e 65 quilômetros depois, o crepúsculo se aproximava e o tom verde se transformou em um entorpecente laranja. Nossos estômagos estavam roncando, então paramos 35 quilômetros antes de Cai Be, em um café de estrada mal conservado, construído ao lado de uma casa. Um balcão de vidro exibia vegetais picados, ervas e 17 variedades de refrigerantes com sabor de fruta.

O dono nos trouxe dois sanduíches de tofu banh mi chay com pimenta vermelha, coentro e cenouras em conserva. Quando terminamos, já estava escuro lá fora. O proprietário, um jovem pai de quatro filhos, nos convidou a acampar no café. Como não havia um hotel em um raio de quilômetros, nós aceitamos e logo adormecemos ao som dos desenhos animados que passavam em uma TV.

Pela manhã, o pai nos botou na estrada com um drinque de café preto vietnamita com leite condensado. Saturados de cafeína, nós planejamos compensar o tempo perdido e ir além de Cai Be, até a cidade de Can Tho. Nós passamos por um estaleiro montando um embarcação de aço de 18 metros, um moinho de arroz carregando sacas em uma barcaça e uma enorme escultura stalinista de três trabalhadores erguendo seus punhos no ar.

Uma hora depois, nós reconhecemos o mercado flutuante de Cai Be, composto de uma dúzia de vendedores por atacado de cana-de-açúcar, arroz e hortifrutis em barcos flutuando no rio Tien, um dos braços do Mekong. Os compradores circundam os barcos em sampanas, inspecionando os bens exibidos sobre altas traves de madeira.

Para continuar nossa viagem, precisávamos encontrar alguém disposto a nos levar, com nossas bicicletas, para a outra margem do rio Tien, até a cidade de Vinh Long. Isso nos tomou meia hora, mas finalmente encontramos um adolescente vestindo uma camiseta da Samsung que concordou em nos transportar por 650 mil dongs, cerca de US$ 36, com o dólar cotado a 17.600 dongs. Após passar as últimas 36 horas basicamente pedalando às cegas, nós ficamos contentes em embarcar na sampana de 23 metros dele e observá-lo navegar pelo 12º maior rio do mundo.

O Mekong flui por cerca de 4.200 quilômetros de sua nascente no Tibete antes de se espalhar pelo delta. Os vietnamitas chamam o rio de Cuu Long, ou Nove Dragões, em referência aos nove rios no quais se divide. Foram necessárias duas horas para nosso capitão adolescente cruzar o Mekong e atracar em Vinh Long. Lá, nós pegamos um ônibus (com as bicicletas no teto) até Can Tho, o centro comercial do delta, e entramos pela fachada branca do Victoria Can Tho Resort, pouco depois do pôr-do-sol.

Os hotéis Victoria são uma instituição no Vietnã e Camboja. O hotel de Can Tho foi construído em 1998, mas sua balaustrada de teca, pisos de madeira de lei e ventiladores de teto de bambu evocam um poema de Rudyard Kipling. Os funcionários rapidamente pegaram nossas bicicletas enlameadas no balcão de check-in e ofereceram toalhas quentes para nos limparmos.

Na manhã seguinte, um concierge simpático e ligeiro mapeou o restante da rota pelo delta. Nós passamos os dias seguintes seguindo suas direções manuscritas ao longo do trecho de 160 quilômetros até o oceano.

A região sudoeste do delta é conhecida como a cesta de arroz do Vietnã e, por 10 horas por dia, nós passamos por plantações verdejantes de arroz. Trabalhadores com chapéus cônicos de bambu acenavam ao passarmos e aproximadamente a cada 30 quilômetros havia um cemitério para soldados da guerra.

Na manhã final, a Vietnã moderna ressurgiu quando deixamos a capital provincial de Vi Thanh para os 110 quilômetros finais até Rach Gia, uma cidade portuária decadente no golfo da Tailândia. Nós esperávamos pegar uma balsa até a ilha de areias brancas de Phu Quoc, mas a última balsa partia às 15h.

Enquanto os marcadores vermelhos e brancos de distância para Rach Gia diminuíam, o cenário rapidamente mudou das plantações de arroz para o caos industrial. Milhares de bicicletas motorizadas, caminhões de transporte e ônibus de turismo congestionavam a estrada. Vendedores de óculos escuros chamavam, depois vendedores ambulantes de DVD, vendedores de camisetas e crianças mascateando baterias de 12 volts.

De alguma forma, nós conseguimos chegar à balsa cinco minutos antes da partida e desmoronamos no convés, ainda vestindo nossas roupas de ciclismo. Um casal alemão sentado ao nosso lado puxou conversa. Eles disseram que tinham acabado de voltar de um pacote turístico a Hoi An e Ho Chi Minh e nos perguntaram onde estivemos. Nós respondemos que não tínhamos idéia, mas que era algum lugar no interior do delta do Mekong.

SERVIÇO

A VeloAsia (888-833-4533; www.veloasia.com), com sede em San Francisco, conduz viagens ao Vietnã desde 1992 e oferece passeios de três dias pelo delta por cerca de US$ 700 por pessoa. O preço inclui o aluguel das bicicletas e duas noites no Victoria Can Tho Resort.

A Spice Roads (66-2-712-5305; www.spiceroads.com), com sede em Bancoc, oferece viagens de quatro dias pelo delta, a partir de US$ 490 por pessoa. A viagem de 170 quilômetros inclui uma visita aos mercados flutuantes, pomares e ao Khmer. Ônibus com ar-condicionado seguem com equipamento, bicicletas alugadas e duas noites em um hotel estão inclusas.

Onde ficar (hotéis que apresentam seus preços em dólares)

O Saigon Park Hyatt (praça Lam Son, 2, Distrito 1; 84-8-824-1234; www.saigon.park.hyatt.com) oferece uma elegância da era imperial, com 252 quartos a partir de US$ 320. No coração do elegante bairro Dong Khoi, perto do principal centro comercial de Ho Chi Minh e do calçadão do rio Saigon.

O Victoria Can Tho Resort (Cai Khe Ward; 84-7-1081-0111; www.victoriahotels-asia.com) fica às margens do rio Mekong e é o único hotel de luxo no interior do delta. Diária dos quartos a partir de US$ 118 para um duplo e inclui bufê de café da manhã europeu. Os funcionários podem arranjar visitas aos mercados flutuantes e às ilhas pomares por barco.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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