UOL Viagem

05/03/2007 - 23h33

Festival au Desert reúne nômades e world music no Saara

SILVANA CATAZINE e JO ZIAN
Colaboração para o UOL, em Mali

Silvana Catazine

Perto de Timbuktu (Mali), mística cidade do Saara, celebra-se desde os tempos antigos um encontro no deserto onde as famílias nômades do povo tuaregue se reúnem para conversar, cantar e dançar sob as estrelas, junto a uma fogueira que representa um dos poucos momentos do ano ao lado de seus parentes.

Com o passar do tempo, este evento quase particular se transformou no "Festival au Desert", uma plataforma de intercâmbio na qual as culturas de Mali e seus convidados podem se encontrar para trocar experiências e idéias.

A edição 2007 do festival aconteceu entre os dias 11 e 13 de janeiro e teve como incentivo a homenagem a Ali Farka Toure, um dos músicos mais influentes de Mali, que faleceu recentemente. Amigos, familiares e colegas reuniram-se para recordar a obra de Ali num evento do qual o próprio artista já participou muitas vezes.

Após uma viagem de duas horas em um 4x4 desde Timbuktu, chegamos às montanhas de Essakane, lugar onde o festival é celebrado há sete anos e onde são montadas as instalações fixas que servem de base para a organização.

Depois de nos refazermos da viagem, o controle de acesso é o que mais chama a atenção: uma enorme porta isolada no meio da areia por onde entram os 4x4 que transportam mercadorias e gente, espremidas como sardinhas, e é protegida por militares que trabalham como seguranças.

Ao entrarmos, os comerciantes nos assediam com ofertas de artesanato, passeios em camelo, comida e música. Surpreende também a grande quantidade de turistas europeus, americanos, australianos e japoneses que perambulam pelas dunas vestidos com turbantes coloridos, tratando de se camuflar entre os nativos.

O espaço é organizado por zonas, onde são instaladas barracas para acampar. Com muita imaginação são improvisados restaurantes, um mercado de artesanatos e o grande palco onde os concertos são celebrados a partir das 16h.

Uma visita aos banheiros públicos é suficiente para acabar com a idéia de voltar a um deles. O banho, durante esses dias, é quase um sonho. Mas o calor não é tão forte e à noite é bem mais fria, embora não tanto quanto juram os nativos.

Os concertos são precedidos de discursos cansativos de personagens da política e do exército. Os primeiros grupos tuaregues começam o festival com uma amostra de sua cultura e de seus tradicionais rituais, baseados em uma música hipnótica. Os bailes são surpreendentemente aeróbicos e delicados ao mesmo tempo. O setor Tamashek (palavra que designa a etnia dos tuaregues) vibra ao ouvir os compassos e aplaude os músicos e dançarinos enquanto as autoridades contemplam o espetáculo de uma improvisada área VIP em frente ao palco, protegida pelo exército.

As apresentações dos grupos estrangeiros são recebidas com curiosidade pelos africanos e com entusiasmo pelos turistas, mais acostumados aos sons ocidentais. Durante alguns instantes, é possível pensar que estamos em nosso próprio país, apreciando um bom concerto de música étnica, não fosse pela paisagem alucinante.

A homenagem a Ali Farka Toure celebra o segundo dia do festival. Horas antes, os músicos preparam o repertório em uma tenda destinada às conferências. O concerto é emotivo, com intervenções dos grandes nomes da música de Mali: Toumani Diabate, Oumou Sangare, Samba Toure, Baba Sala, Afel Bocoum e o filho de Ali Farka, Vieux, que é uma das grandes promessas da atualidade. Os convidados sobem ao palco aos poucos, aumentando a banda até transformá-la em uma 'big band' com um som estremecedor e uma energia capaz de levantar até o mais preguiçoso da areia.

O terceiro dia de shows conta com mais grupos mestiços, que fundem a música de Mali com estilos ocidentais como o jazz. Os resultados são surpreendentes. As grandes atrações do dia de encerramento do Festival au Desert são Afel Bocoum, Tinariwen e Habib Koite, convidado para suprir a ausência de Salif Keita, que perdeu o vôo.

As três apresentações são magníficas, cada uma dentro de seu estilo: Afel com a tradição de Niafunke e blues; Tinariwen levando ao ápice a música tuaregue; e Habib Koite com uma mistura excelente que faz todo mundo dançar ao ritmo do tamani.

As noites terminam com apresentações de DJs nas tendas de dança, onde os mais animados podem gastar as últimas energias até a madrugada.

A aventura termina com a volta a Timbuktu, novamente num infernal 4x4 que acaba com os poucos neurônios que restaram após três dias de uma intensa experiência no deserto.

RECOMENDAÇÕES PARA OS VIAJANTES

1. Leve sua própria barraca: as que são oferecidas não são práticas nem costumam estar em boas condições

2. Compre uma boa quantidade de garrafas de água mineral antes de viajar, pois elas são muito caras no lugar do festival

3. Protetor solar é fundamental e não é vendido em Timbuktu

4. Compre um turbante (poucas invenções são tão práticas)

5. Contrate um segurança para cuidar da barraca e prevenir roubos

6. Vá com sapatos fechados: as árvores deixam cair no chão umas bolas chamadas Kram Kram que furam como agulhas

7. Leve comida, de preferência enlatada

FESTIVAL AU DESERT
A próxima edição será realizada em janeiro de 2008

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Tradução: Suzana Azevedo

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