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10/03/2006 - 18h32

Quando a viagem já é um turismo de aventura

Pedro Cirne
No Mato Grosso do Sul

Há o turismo de aventura. Você escolhe o lugar e vai, sabendo o que te espera: longas travessias, belas paisagens, certas dificuldades. E há a aventura antes do turismo, que você não escolhe. Foi o meu caso a caminho de Corumbá (MS).

O vôo ia de São Paulo a Campo Grande (MS) com escala em Londrina (PR). De Campo Grande a Corumbá era um segundo vôo, coisa rápida. No total, quatro horas. Nada demais, certo?

O primeiro atraso foi em Londrina. Campo Grande "não tinha teto", esta expressão tão usada quando o assunto é aviação. No caso, significava que chovia na capital do Mato Grosso do Sul e que o melhor era esperarmos um pouco em Londrina.

Pouco tempo depois fomos para Campo Grande, onde trocamos de avião para sermos informados que em Corumbá "não tinha teto", o que, no caso, significa que são Pedro estava a fim de tirar um sarrinho dos passageiros daquele vôo - eu, alguns turistas, os músicos do Exaltasamba e os pescadores do Equipiranha.

Muito tempo depois e ainda esperávamos a decolagem dentro do avião, como civilizados (ainda que famintos) passageiros que éramos. Até surgir o aviso: podem descer, a partida deve demorar. Uma senha para lotarmos o restaurante e comermos com uma mão só - com a outra, segurávamos o celular. Todo mundo avisa alguém de alguma coisa, provavelmente que o atraso ia ser maior do que supúnhamos.

Pelo alto-falante, o aviso: teto em Corumbá, moçada! Tá, não foi tão informal assim, mas nós, entusiasmados, deixamos nossos pratos pela metade e nos mandamos.

Menos de uma hora depois, estávamos em Corumbá, nosso destino final. Na verdade, estávamos sobre Corumbá, aguardando o pouso que não viria: a visão do piloto, que deveria ser de 4 quilômetros, era de minúsculos 800 metros. Retornaríamos.

Pouso não-ocorrido, aeromoça consultando algum livro (seria o manual de o que fazer?) e, para piorar, área de turbulência. A visão do lado de fora não ajuda: apenas o branco ameaçador das nuvens. É nesse momento que se percebe que todo mundo tem humor negro, inclusive você. A cada cinco passageiros, um começa a contar o primeiro capítulo do seriado "Lost". Alguém pergunta: "será que faz tempo que morremos?".

A aeromoça com o tal livro nas mãos também provoca comentários, feitos sempre em voz alta. "Ela não sabe o que fazer agora, tá consultando." "Acho que ela está escrevendo a carta de despedida para a mãe." "Ela está vendo o que ela vai falar no microfone, e começa assim: 'Amigos, façam suas preces'"

Nem todos ficam de bom humor em uma hora dessas. Alguns querem mostram que sabem de tudo, especialmente do que eles não sabem. "Ele vai ter que pousar em algum lugar, não tem tanto combustível extra assim."

Eu preferi ficar ouvindo os que falavam sobre "Lost". Concordo com os passageiros: os caras morreram e não sabem, mas aquele não é exatamente o lugar ideal para ficar pensando sobre isso.

Chegamos a Campo Grande são e salvos - não, este texto não é psicografado.

Não acabou

Já viajava havia mais de oito horas e ainda estava em Campo Grande. Sabia onde ia, mas não como. Afinal, por avião não dava mais. Mas eis que veio a solução: de carona. No ônibus alugado pelo Exaltasamba.

Enquanto a "boleia" não vinha, fico zanzando pelo aeoroporto campo-grandense. Cansei, sentei. E eis que uma bela e simpática moça senta ao meu lado.

- Oi...

- Oi.

- Como você se chama?

- Pedro, e você?

- Nossa, você se chama Pedro! Que nome estranho, não é? Nunca conheci ninguém chamado Pedro antes! Que bacana! Imagina, que coisa!

E o ônibus só chegaria dali a uma hora.

Agora vai

Aí vamos nós: eu, o Exaltasamba, nossas malas e instrumentos. Para seis horas de viagem... Tudo levaria a crer que valeria a pena, então tudo bem. (No final, valeu mesmo.)

Os passageiros do ônibus dividiam-se em três: os que cantavam, os que conversavam e os que tentavam dormir. Eu não podia estar entre os que cantavam - com a minha afinação, certamente seria defenestrado do ônibus em movimento.

Também não estava entre os que conversavam, por mais simpáticos que Pinha e os demais fossem - meu sono não permitia que eu fizesse nada além do que balbuciar sílabas desconexas. Tudo o que eu conseguia fazer era oscilar entre tentar manter meus olhos abertos e tentar dormir, sem sucesso em ambas as empreitadas.

Após três horas de viagem paramos para jantar e esticar as pernas. E eis que lá estava eu, no banheiro de um restaurante de estrada de Miranda, quando dois rapazes entram, cochicham e me perguntam, sorridentes:

- Ei, você não é do Exaltasamba?

- Hã... Não, mas eu estou indo com eles para Corumbá.

- E aí, que horas vocês tocam lá?

Neste momento resolvi incorporar meu lado sambista. Querem que eu seja do Exaltasamba? Pois bem...

- Nosso show era às 23h30, mas como atrasamos, deve começar às 2h.

Chegamos à 1h30 e nosso show começou um pouco mais tarde do que o previsto. Com eles em cima do palco e eu embaixo, é claro.

Dezesseis horas após eu deixar São Paulo, minha aventura de viagem finalmente terminou. E foi aí que a minha viagem de turismo começou.


O jornalista Pedro Cirne viajou a convite da Secretaria de Turismo da Prefeitura de Corumbá.


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