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Edição: Memórias de viagem

Saint-Guilhem-le-Désert, <br>antigo vilarejo de Languedoc

Refúgio

A magia de Languedoc

Um lugar muito simples num canto do sul da França se aninha aos pés dos majestosos Pirineus

Por
Kathleen McGowan

Saint-Guilhem-le-Désert,
antigo vilarejo de Languedoc

Quando as pessoas pensam em viajar ao sul da França, o que vêm à mente são imagens da Riviera, palácios reluzentes de cinco-estrelas em praias límpidas, alta-costura, pessoas bonitas e o Festival de Cinema de Cannes.


Mas não é esse o sul da França que eu conheço e amo. Para mim, o verdadeiro tesouro em termos de viagem é encontrado mais a oeste. É um lugar muito mais simples num canto do país que se aninha aos pés dos majestosos Pirineus, numa região conhecida como Languedoc. O Languedoc é uma cultura, uma região, uma língua, um tipo de culinária e, sobretudo, um jeito de ser.


Não há nada no Languedoc que não seja misterioso: a língua, que é um misto de dialetos franceses e espanhóis; suas pessoas, a maioria das quais se considera "occitanas", mais do que francesas; e a própria localização do Languedoc, já que nem mesmo seus moradores concordam sobre onde começa e onde termina esse lugar insondável.


Trata-se de uma região mística e montanhosa repleta de antigos povoados de pedra aninhados em solo rochoso vermelho, uma paisagem pontilhada de castelos do século 13 que são testemunhas de uma das culturas mais enigmáticas da história: a dos cátaros. Ela é acima de tudo a terra dos cátaros, aquela em que uma cultura cristã incompreendida floresceu na Idade Média, antes de seus integrantes serem tragicamente massacrados em quase um século de sangue e fogo.


A região de Languedoc-Roussillon, como também é conhecida, abriga imponentes castelos, vilarejos repletos de lojas e restaurantes e casas produtoras de vinhos


Descobri os cátaros quando vim para essa parte da França em busca das origens do cristianismo no mundo ocidental, sob a forma de Maria Madalena. Enquanto eu fazia as pesquisas para meu romance "O Segredo do Anel", acabei por compreender que a cultura dos cátaros foi uma que teve muitas crenças "secretas", entre elas a certeza secular na idéia de que Maria Madalena teria ido a essa parte da França, após a crucifixão, para levar adiante os ensinamentos de Jesus.


Existem igrejas dedicadas a ela no Languedoc há mais de 1.500 anos, talvez até mesmo mais tempo. Os moradores da região do rio Aude dividem seu folclore com visitantes e são capazes até mesmo de apontar lugares nos quais Maria Madalena lavava suas roupas. Outro rio local tem o nome de "A Fonte da Madalena" e, desde que qualquer pessoa viva se recorde, sempre foi um lugar de orações a Madalena.


Percorri vilarejos no alto de colinas e povoados em vales, muitos dos quais não passaram por mudanças significativas ao longo dos séculos e ainda são milagrosamente bem preservados. Eles estão repletos do legado de Madalena. Eu me vi dominada pela sombra das ruínas dos castelos cátaros, estruturas extraordinárias erguidas em locais aparentemente inacessíveis, nos cumes de picos traiçoeiros. São façanhas de engenharia inigualáveis, palácios medievais construídos para proteger um povo e seu legado.


MDLF/C. Bibollet
Claustro de St Papoul

Mas qual foi seu legado? Os cátaros foram oficialmente declarados hereges pela Igreja no século 13, na única cruzada oficial jamais declarada contra cristãos. No entanto, esse povo pacífico, cujos membros eram os educadores e curandeiros da região, era formado por cristãos devotos que rezavam o pai-nosso várias vezes por dia. Eram amados por seus vizinhos católicos, tanto que muitos desses morreram defendendo os territórios cátaros contra sua própria Igreja. Então o que os cátaros tinham que os tornava tão perigosos para a Igreja medieval? A resposta a essa pergunta é um dos muitos enigmas que tratei em meu livro, enquanto aprofundava minha obsessão por esse lugar e sua gente. Para resumir, acredito que os cátaros estavam mais próximos de Deus; que suas crenças e práticas eram mais puras por lhes terem sido passadas diretamente de Jesus, através do legado de Maria Madalena.

Caminhar até as ruínas desses castelos, subindo por trilhas antigas, exige força e tenacidade -além de pelo menos uma ou duas horas de tempo-, mas a vista que se tem desde o alto dessas montanhas é de tirar o fôlego. O ambiente no meio das ruínas é também indescritível. Para o visitante que tem inclinações espirituais, é impossível deixar de se comover com a aura de misticismo que está presente no ar puro, impregnado nas pedras antigas.


A comida e os vinhos locais do Languedoc constituem um dos muitos prazeres que a região oferece. Não deixe de saborear o "cassoulet", o prato oficial da região. Feito com feijão branco, pato e linguiças temperadas, é cozido por muitas horas num caldo de vinho branco e especiarias, resultando num prato robusto, saboroso e inesquecível. Sonho com ele quando não estou na França!


Finalmente, o Languedoc é uma das maiores regiões produtoras de vinho do mundo, como se pode ver pelos quilômetros intermináveis de vinhedos pelos quais você passará em suas viagens. Recomendo fortemente os vinhos tintos Corbières e os brancos espumantes, conhecidos como Blanquette, originários de Limoux.


Kathleen McGowan é autora de "O Segredo do Anel" (Ed. Rocco).

Tradução de Clara Allain

Hotéis e restaurantes

Chateau des
Ducs de Joyeuse
Tel. (00/xx/33/4)
6874-2350
www.chateau-des-ducs.com A sensação de estar na terra dos cátaros em um castelo do século 16, no vilarejo de Couiza, convertido em hotel quatro estrelas. Para ter uma experiência medieval real, peça um dos quartos das torres, que são suítes maiores, próprias para uma família. O restaurante do Chateau é um dos melhores da região e oferece uma fantástica carta de vinhos locais. Diárias a partir de 95 euros.
Le Vieux Castillon
Rue Turion Sabatier
Tel. (00/xx/33/4)
6637-6161
www.vieuxcastillon.
com
Charmoso e confortável, esse castelo renascentista oferece uma vista fantástica do vilarejo de Castillon du Gard e do Mont Ventoux. Localizado entre Nîmes e Avignon. A partir de 220 euros.
Le Jardin des Sens
11 Av Saint Lazare
Tel. (00/xx/33/4)
9958-3838
www.jardin-des-sens.com Hotel e restaurante requintado, está no centro de Montpellier, capital de Languedoc. Comandado por Olivier Château e pelos irmãos Jacques e Laurent Pourcel, recebeu três estrelas no guia Michelin. De 160 a 225 euros na baixa temporada (inverno europeu).
Le Domaine d'Auriac
Route de Saint-Hilaire BP554
Tel. (00/xx/33/4)
6825-7222
www.domaine-d-auriac.com Na bela paisagem de Carcassonne, tem campo de golfe, quadra de tênis e piscina. Lugar perfeito para relaxar. A partir de 150 euros na baixa temporada.

Não deixe de ir

Nîmes
www.ot-nimes.fr Herança do Império Romano, essa cidade multicultural tem um charme todo.