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"Caminho do Sol" desbrava interior paulista em percurso de aventura e contemplação

EDUARDO VESSONI

Colaboração para o UOL, do Caminho do Sol

12/10/2011 07h00

Dizem que certos caminhos da vida nos ensinam que o "ser" é mais valioso do que o "ter". Talvez por isso o jovem Tiago, pescador nascido na Galiléia, tenha largado tudo para seguir os passos de Jesus, segundo a tradição católica, dando início a uma rota que atrai milhares de pessoas desde a Idade Média: o Caminho de Santiago. A rota religiosa, de 800 km, cruza o norte da Espanha, até a cidade de Santiago de Compostela. No interior de São Paulo, os peregrinos também têm um trajeto para desbravar. Não tão longo, mas que exige preparação física e espiritual de quem decide cruzá-lo. 

Os 240 km que compõem o "Caminho do Sol" começam a ser percorridos na histórica Santana do Parnaíba e vão até Águas de São Pedro. Trilhado a pé ou de bicicleta, o passeio atravessa centros urbanos, fazendas históricas e plantações a perder de vista. A programação foi criada pelo empresário José Palma, há quase uma década.

Os preparativos começam em um casarão do século 17, localizado no centro de Santana do Parnaíba, onde José Palma revisa o peso das mochilas e dá as últimas recomendações sobre a peregrinação. Entre uma explicação e outra, o caminhante é recebido por Emanuel, um historiador que contextualiza historicamente os aventureiros -o que sustentaria uma conversa noite afora, não fossem os primeiros quilômetros que serão andados na manhã seguinte, bem cedo.

Dali para frente, história e cultura caipira serão elementos presentes em todo o trajeto. O roteiro passa por cidades do Alto e Médio Tietê, que foram rota de bandeirantes durante o período de colonização e fundação de vilas no interior de São Paulo, como Pirapora, Cabreúva, Itu e Salto. 

Esse caminho não se trilha apenas com os pés, mas com a mente também. Nos longos 11 dias seguintes, o caminhante exercita o corpo em caminhadas sobre terrenos com altitudes que variam de 473 a 845 metros. Porém, o maior esforço com o qual o peregrino tem que lidar talvez seja administrar as inquietudes e questionamentos que o caminho desperta nos participantes. 

A próxima parada é em Cabreúva, a exatos 24 km. Os centros urbanos vão ficando para trás. Longos trechos de terra, em meio a fazendas, vão substituindo rodovias e o peregrino se dá conta da carga emocional que deverá encarar nos próximos quilômetros. A introspecção vai aumentando e, definitivamente, descobre-se que esse não é apenas um roteiro turístico pelo interior de São Paulo. Mais do que uma caminhada, é um encontro consigo mesmo.

Hospedeiros

O "Caminho do Sol" oferece um roteiro fechado, com saídas semanais (às quartas-feiras) e apoio técnico aos peregrinos. Basta seguir as indicações das setas amarelas, encontradas ao longo da viagem. Durante os 11 dias, o peregrino encontrará pontos de apoio em pousadas, pequenos hotéis e casas residenciais. Esses hospedeiros recebem os caminhantes com a mesma expectativa de uma família que aguarda um parente que não vê há anos. Após tantas horas de caminhada, essa hospitalidade é o melhor remédio para o corpo e para a mente, ainda que a instalação seja uma simples casa afastada do centro da cidade. 

  • Eduardo Vessoni/UOL

    Cultura caipira e paisagens rurais são elementos presentes nos 240 km do Caminho do Sol

Corpo e alma estão alimentados. Com cajado na mão e cantil reabastecido, é hora de começar a trilhar mais um trecho do roteiro.

A caminhada já se tornou um acontecimento social para muitas famílias que moram no trajeto. E como "quarqué caminho sai na venda", é só continuar seguindo as indicações amarelas para encontrar uma dessas famílias. Pelo menos é o que informa a placa a alguns metros antes de se chegar ao Armazém do Limoeiro.

Localizado na fazenda Concórdia, em Itu, esse comércio de 1901 recebe calorosamente os peregrinos para um "dedinho de prosa", acompanhado de uma cachaça elaborada no local.

Anjos do caminho

Este é o espírito do caminho: breves conversas, momentos de solidão e reflexão, curiosas histórias caipiras de veracidade questionável (e essa é a melhor parte desses contos) e longas jornadas.

Quando bate o cansaço e a vontade de largar tudo para voltar para casa antes do término do percurso, o que chega a acontecer em alguns casos extremos, uma ópera ecoa pela trilha e surpreende o peregrino cansado. Escondidos, dois voluntários recebem os aventureiros com uma farta mesa de café da manhã. Impossível não se emocionar ou deixar de rever todos os seus valores.

  • Eduardo Vessoni/UOL

    O percurso do Caminho do Sol inclui uma breve travessia de barco pelo rio Piracicaba

Os Anjos do Caminho, também conhecidos como Nuvens, formam um grupo de voluntários que ameniza a caminhada e ajuda os peregrinos a reporem as energias para encarar as dezenas de quilômetros que ainda faltam ser percorridos. Tantos passos solitários dados entre canaviais e fazendas históricas (há, também, uma travessia de barco pelo rio Piracicaba) são suficientes para levar o caminhante à introspecção e à exaltação das emoções.

SERVIÇO

O trajeto completo de 240 km pode ser feito a pé, em 11 dias, ou de bicicleta, em três dias. No entanto, os interessados devem, primeiro, participar de uma palestra de orientação, que acontece três vezes por mês e custa R$ 15. Para participar da caminhada, o peregrino deve pagar, também, uma taxa de inscrição de R$ 93 (além de 5 kg de mantimento para doação) e arcar com os gastos diários de hospedagem e alimentação, que ficam em torno de R$ 75, incluindo diárias e todas as refeições.
 
Tel: (11) 2215-1661