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Ilhas Goto: esconderijo de cristãos do Japão que virou Patrimônio da Unesco

Mitsuru Kojima, encargado da manutenção do interior da igreja de Gorin, ainda lembra como, durante sua infância, as missas eram rezadas ali - María Roldán/EFE
Mitsuru Kojima, encargado da manutenção do interior da igreja de Gorin, ainda lembra como, durante sua infância, as missas eram rezadas ali Imagem: María Roldán/EFE

María Roldán

EFE

05/11/2018 14h38

Perseguidos, torturados e assassinados, os "kakure kirishitan" ou "cristãos ocultos do Japão" encontraram uma saída para sua fé nas remotas ilhas Goto do Sul, hoje cheias de igrejas transformadas em Patrimônio da Humanidade.

Este arquipélago situado em uma das regiões mais ocidentais do país é constituído por 63 ilhas, somente 11 habitadas, quee representaram um importante refúgio para a comunidade cristã do Japão, brutalmente perseguida entre os séculos 17 e 19 pelos shoguns, chefes militares à frente do governo japonês.

Seus habitantes, dos quais atualmente cerca de 15% são cristãos, chegaram em muitos casos da cidade de Sotome, a 40 quilômetros de Nagasaki, onde muitos crentes praticavam sua fé em segredo, enquanto simulavam se integrar nas comunidades xintoístas e budistas da época.

Um vestígio destas práticas é o santuário de Tsuji, uma construção simples de arquitetura xintoísta nas quais se venerava em segredo uma estátua que representa o missionário Santo Inácio de Loyola (Inassho-sama), hoje guardada em um museu local.

Igreja de Egami nas ilhas Goto. Perseguidos, torturados e assassinados, os cristãos ocultos do Japão encontraram uma saída para sua fé nas remotas ilhas Goto - María Roldán/EFE - María Roldán/EFE
Igreja de Egami, nas ilhas Goto. Perseguidos, torturados e assassinados, os cristãos ocultos do Japão encontraram uma saída para sua fé nas remotas ilhas
Imagem: María Roldán/EFE

Esconderijos

Estes "cristãos ocultos" escolheram bem seus lugares de migração para não serem descobertos, explicou Yohei Kawaguchi, vice-diretor da Divisão de Patrimônio Mundial do Governo de Nagasaki, em uma recente coletiva de imprensa.

"Sabe-se que houve mais de 200 lugares, mas não sabemos quantos exatamente", disse Kawaguchi, explicando que há uma pesquisa em andamento a esse respeito.

A igreja de Egami, situada na ilha de Naru, de 25 quilômetros quadrados, é um dos legados dos descendentes destes devotos cristãos que durante mais de 250 anos praticaram sua fé na clandestinidade para evitar o martírio, e é um dos 12 lugares listados em junho como patrimônio da Unesco.

Construída em madeira e com elementos de bambu, a estrutura se ergue a alguns centímetros do chão, uma particularidade única, pensada para se adequar ao clima local úmido, explicou Yukinori Kuzushima, um dos dois encarregados por sua manutenção.

A igreja foi construída em 1918, décadas depois de retirado o veto ao cristianismo vigente no Japão de 1614 a 1873, que levou à perseguição e assassinato de milhares de fiéis.

Seus patrocinadores foram quatro famílias que se mudaram para lá vindas de outras ilhas, como fez o próprio Kuzushima.

Este cristão católico de 65 anos nasceu na ilha abandonada de Kazurajima, esconderijo durante séculos dos seus antepassados. Sua família se mudou para Naru após um programa do Governo, por causa da falta de infraestruturas como, por exemplo, um sistema de fornecimento de água.

Alguns membros da comunidade viajam para Naru "para honrar os que lá continuam enterrados", explicou o japonês, apesar da igreja do lugar ter desmoronado há anos.

Sumiko Akasako, 65, da Congregação da Anunciação de Nossa Senhora Maria, de Nagasaki, atualmente em uma igreja de Sotome - María Roldán/EFE - María Roldán/EFE
Sumiko Akasako, 65, da Congregação da Anunciação de Nossa Senhora Maria, de Nagasaki, atualmente em uma igreja de Sotome
Imagem: María Roldán/EFE

Atraindo a atenção

Como a maioria dos habitantes das ilhas, Kuzushima é pescador e acredita que a inclusão de Egami como lugar "de cristãos ocultos na região de Nagasaki" impulsiona a economia local.

Os efeitos já começaram a ser percebidos e entre julho e setembro, justamente depois da inclusão: as visitas à igreja de Egami triplicaram, segundo dados divulgados pelo Governo local.

Os visitantes da antiga igreja de Gorin, uma aldeia litorânea de somente quatro habitantes, na ilha de Hisaka, também aumentaram no trimestre 255%, o que dá grande alegria a Mitsuru  Kojima, que se encarrega do local há seis anos.

Aos 65 anos, visita o lugar duas vezes por semana e o limpa com zelo. Construída originalmente em 1881 e transferida para sua localização atual em 1931, Kojima ainda lembra como durante sua infância as missas eram rezadas ali.

Com os anos, os aldeões e as pessoas mais jovens decidiram migrar para as cidades e a falta de fundos para sua restauração os levou a vender a igreja ao Governo em 1985 e construir uma divisória.

Atualmente apenas nove pessoas utilizam o novo templo, visto que a maioria da comunidade cristã da ilha (entre 15% e 20% de seus 314 habitantes) vão a outras duas igrejas.

Apesar do abandono progressivo do lugar, Kojima não planeja deixar o cuidado da igreja nem sua comunidade. "Queríamos a nossa própria igreja e continua sendo assim", argumentou com um sorriso.

Atualmente os cristãos de Japão representam menos de 1% da população e em algumas ocasiões contam com certas particularidades.

Quando no século 17 os missionários no Japão foram expulsos ou mortos, seus seguidores ficaram sem guia e a fronteira entre os ritos desta religião e as locais se esvaneceu, transformando seu credo em um culto diferente, ainda hoje rodeado de mistério.