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O erotismo esquecido do antigo reino de Sião

Os templos de Bangcoc ainda guardam instruções dos "manuais do amor" - Getty Images
Os templos de Bangcoc ainda guardam instruções dos "manuais do amor" Imagem: Getty Images

Noel Caballero

da EFE, em Bangcoc

02/03/2018 10h34

As paredes dos templos do antigo reino de Sião mostravam a vida cotidiana de seus moradores com várias referências sexuais, um erotismo hoje esquecido na Tailândia moderna e confinado a um pequeno museu privado de Bangcoc.

Pinturas centenárias se misturam com uma infinidade de amuletos fálicos e esculturas onde o coito — heterossexual, homossexual, com animais e inclusive com deuses — é o protagonista na sala "Kamavijitra", palavra que em sânscrito significa "a arte de fazer amor".

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"O sexo não era um tabu na sociedade de Sião, mas com a chegada dos ocidentais a cultura local foi se adaptando aos novos valores sociais procedentes do exterior", afirmou à Agência Efe Uthaiphun Charuwattanakitti, proprietário da coleção.

A galeria, que abriu suas portas há mais de oito anos em um apartamento do centro da capital, começou como um entretenimento do colecionador tailandês, que durante suas viagens se interessou em visitar diferentes museus centrados na temática sexual.

"Quase todos exibem cópias de objetos ou se focam na indústria pornográfica. E, além disso, na saída têm suas lojas de souvenirs. Eu buscava algo diferente para a minha sala", comentou o colecionador, de 64 anos, cuja primeira peça do museu caiu em suas mãos em meados dos anos 80.

Desde então viajou por todos os cantos do país adquirindo arcaicos artefatos sexuais e telas, aos quais acrescentou outros itens de mais recente confecção.

Uma fila de dezenas de pênis de madeira, pedra e metal com inscrições talhadas em linguagem sagrada e adornada com lâminas de ouro adorna uma ampla vitrine da sala principal.

"São amuletos benzidos por monges veteranos que conferiam sorte e potência sexual aos seus portadores", explicou Watjanasin Charuwattanakitti, filho do proprietário e curador da mostra.

Entre os objetos consagrados também se encontra uma espécie de tela com ilustrações de diversas posições sexuais e culminado pelo ato entre uma mulher esbelta e uma espécie de verga com o aspecto de Naga, um semideus da mitologia hinduísta com forma de réptil.

Quatro pequenos quartos ambientados segundo as diferentes camadas sociais da época — nobreza, guerreiros, servos e escravos — ilustram que, apesar das diferenças econômicas, "todos praticavam sexo com assiduidade".

"Na época, se uma escrava conseguia fornecer suficiente prazer ao seu senhor podia elevar seu status e obter uma maior liberdade", relatou o curador.

Até 1935 as leis da Tailândia reconheciam a poligamia, embora esse fosse um direito reservado apenas para o homem.

Um dos retábulos estampa episódios do clássico literário tailandês "Khun Chang, Khun Phaen" (1872) que relata o triângulo amoroso entre dois homens e uma jovem que termina sendo executada por não optar por um de seus amantes, o que — segundo Uthaiphun — evidencia o estigma da "promiscuidade" da mulher.

Nas obras de arte erótica não falta o humor, uma das caraterísticas do erotismo de Sião — de acordo com o proprietário —, com cenas de animais roubando os apaixonados ou a aparição de crianças como se fossem querubins e que ajudam os fatigados adultos no ato carnal.

Apesar de a homossexualidade e o bestialismo já estarem censurados na época, provas pictóricas demonstram que parte da população era praticante.

Segundo dados do museu, cerca de 100 pessoas visitam o lugar a cada mês, na sua maioria mulheres estrangeiras procedentes de Estados Unidos, Austrália e Hong Kong, após pagarem o equivalente a US$ 16 pela entrada.

Entre os planos do museu está a restauração de algumas pinturas atacadas pelo mofo e pela sujeira; e no médio prazo estabelecer uma nova sala na cidade litorânea de Pattaya, conhecida por ser enclave principal da rota do turismo sexual no país.

Apesar de ter caído no esquecimento, a arte erótica de Sião ainda conserva um sopro de esperança.

"Os artistas de antes trabalhavam para a comunidade, por isso não há grandes nomes e um estilo praticamente unificado (...) Na atualidade há uma série de artistas do norte do país que tenta recuperar nas suas obras a temática erótica clássica", destacou o colecionador.