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Como o Airbnb fez com que uruguaio ajudasse pacientes de diálise pelo mundo

Javier Artigas - Arquivo pessoal
Javier Artigas Imagem: Arquivo pessoal

Natasha Lipman - BBC

26/01/2018 10h31

Quando Javier Artigas teve um problema no rim que o submeteu a um tratamento semanal obrigatório com hemodiálise para sobreviver, ele acabou ficando sem emprego. As viagens que o trabalho exigia tornavam cada vez mais difícil a tarefa de conseguir um local seguro e acessível para fazer o tratamento fora do país.

Foi essa dificuldade que fez com que Artigas tivesse a ideia daquele que viria a ser seu negócio futuro - um aplicativo para conectar as pessoas em busca de tratamento quando elas viajam para outros países.

Mas o momento chave da virada nessa trajetória foi quando ele conheceu um famoso escritor argentino.

Sem emprego, Javier Artigas precisava de dinheiro para sustentar sua família, então decidiu colocar os quartos da sua casa em Montevidéu para alugar no site Airbnb.

A estratégia deu certo, e ele logo começou a ter clientes. Um deles foi o escritor Hernán Casciari. Mas no segundo dia de sua estadia, o argentino sofreu um ataque cardíaco e precisou ser levado para o hospital às pressas.

Por sorte, a esposa de Artiga, Alejandra, trabalhava para o Senado no Uruguai e conseguiu uma escolta policial para que eles pudessem levar Casciari ao hospital rapidamente - um trajeto que demoraria 40 minutos, levou apenas 12. O casal ainda doaria sangue para salvar a vida do hóspede argentino.

Assim que Casciari se recuperou, ele voltou para a Argentina, mas não sem antes deixar uma avaliação de 5 estrelas para a hospedagem do uruguaio.

"Casa excelente para viajantes sedentários propensos a terem um infarto no miocárdio. A região é linda e tem excelente acesso para os melhores hospitais. Javier e Alejandra podem imediatamente se tornarem anjos da guarda que vão salvar sua vida sem sequer te conhecer. Eles vão levá-lo às pressas para o hospital no carro deles mesmo enquanto você está morrendo e vão esperar no hospital até que você tenha alta. Eles não querem que você se sinta solitário, então vão levar livros para você ler e vão deixá-lo ficar na casa deles por mais dias sem cobrá-lo a mais por isso. Recomendo fortemente!"

'Com o grande Casciari em casa, são e salvo! Abraços de toda a família', diz a legenda da foto postada por Artigas no Twitter  - Twitter/Reprodução - Twitter/Reprodução
'Com o grande Casciari em casa, são e salvo! Abraços de toda a família', diz a legenda da foto postada por Artigas no Twitter
Imagem: Twitter/Reprodução

Mas Artigas foi mais do que apenas um bom anfitrião, e o anjo da guarda de Casciari. Ele sabia por experiência própria quão difícil era ter um problema sério de saúde quando se está longe de casa.

Em 2007, Artigas foi diagnosticado com "doença do rim policístico", o que fez com que seus rins fossem perdendo a função rapidamente. Em 2014, ele precisava fazer hemodiálise três vezes por semana para suprir o trabalho que seus rins não faziam mais. Cada sessão - durante a qual seu sangue seria filtrado externamente para depois voltar limpo para seu corpo - durava quatro horas.

Para pacientes como Artigas, as sessões de diálise precisavam ser feitas regularmente, seguindo à risca a frequência para não correr o risco de deixar toxinas no sangue. Ele não podia perder nenhuma sessão, então viajar para um país estrangeiro, em que não falava a língua, nem tinha conhecimento sobre o sistema de saúde, ou sobre onde encontrar o tratamento com um preço acessível, dificultava bastante essa tarefa.

O emprego que ele tinha na época em que descobriu a doença envolvia viagens frequentes pela América Latina e pela África e, depois que Artigas revelou sua condição para os chefes e a necessidade de sessões frequentes de hemodiálise, acabou demitido.

"Eu tenho quatro filhos, não sabia o que fazer. Ninguém iria me contratar. Ficar desempregado era um mundo desconhecido para mim. Entrei em crise, porque minha família dependia do meu salário."

Javier Artigas em uma sessão de hemodiálise  - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Javier Artigas em uma sessão de hemodiálise
Imagem: Arquivo Pessoal

Estima-se que doenças crônicas no rim afetam uma em cada 10 pessoas ao redor do mundo, sendo que milhões delas morrem todos os anos por falta de tratamento acessível.

Artigas conseguiu outro emprego, mas que também envolvia viagens internacionais. Em uma delas, foi para Córdoba, na Argentina, onde marcou uma sessão de hemodiálise. Mas quando chegou lá, não havia registro nenhum de seu agendamento e foi preciso correr para encontrar outro local para realizar o tratamento - o que não era tão simples, já que ele não era residente da Argentina.

Depois de 12 horas de desespero nas buscas, com muito medo de morrer por causa do acúmulo de toxinas no seu sangue, Artigas conseguiu um hospital para fazer a hemodiálise.

"Na minha viagem de volta, eu fiquei pensando sobre esse problema", contou.

Foi quando teve um estalo. Decidiu que queria fazer algo para ajudar pessoas que precisavam de tratamento de diálise e, em 2015, desenvolveu um aplicativo chamado "Connectus", que teria a capacidade de conectar pacientes em todos os lugares do mundo com centros de tratamentos renais para que eles não tivessem que passar pela situação desesperadora que Artigas passou quando estava na Argentina.

"As pessoas que precisam de tratamento renal costumam achar um centro de diálise primeiro e aí planejar sua viagem de férias. Nós queremos que agora elas façam o contrário. Você primeiro encontra a praia que quer visitar, e aí nós te mostramos onde fica o centro onde poderá receber tratamento", explicou.

O Connectus foi lançado em agosto de 2015 como uma plataforma pequena, que custou apenas US$ 1,7 mil. O foco era conectar pacientes do Uruguai com centros de tratamento de diálise na Argentina e no Brasil, principais destinos visitados por uruguaios.

Um mês depois, porém, o Connectus recebeu do Instituto de Tecnologia de Massachusetts o prestigiado prêmio "Solução de Saúde Inovadora". Isso levou o aplicativo ao sucesso, mas a grande virada veio mesmo por causa do escritor argentino, Hernán Casciari.

Em consequência da avaliação dada pelo hóspede no Airbnb, um representante da empresa em Miami encaminhou a mensagem para Joe Gebbia, co-fundador do Airbnb . Gebbia entrou em contato com Artigas e pediu para se hospedar na casa dele em Montevidéu.

Na hora em que viu o email, Artigas estava dirigindo para uma praia a 100km de Montevidéu para celebrar o Ano Novo e achou que aquilo era uma piada. Mas Gebbia realmente agendou seu voo e chegou à capital uruguaia no dia primeiro de janeiro.

"Minha caricatura é mais bonita do que eu mesmo. Obrigado, Gebbia" - encontro de Artigas com o co-fundador do Airbnb, Joe Gebbia - Twitter/Reprodução - Twitter/Reprodução
"Minha caricatura é mais bonita do que eu mesmo. Obrigado, Gebbia" - encontro de Artigas com o co-fundador do Airbnb, Joe Gebbia
Imagem: Twitter/Reprodução

Quando Artigas conheceu Gebbia, ele logo perguntou: "O que te levou a fazer essa visita de surpresa ao Uruguai?"

"Eu vim porque eu queria ouvir de você sua história. Quero saber cada detalhe. Quero saber seu tipo sanguíneo e tudo o que você passou", respondeu o co-fundador do Airbnb.

O empresário já tinha ouvido falar dele e fez monte de perguntas.

Na maior parte do tempo que passou em Montevidéu, o dono do Airbnb aproveitou para ler e relaxar. Mas um dia ele pediu a Artigas para checar em seu email uma mensagem de São Francisco.

"Eu achava que era o pagamento por sua estadia, ainda que eu não fosse cobrá-lo por isso. Mas aí quando vi, era um contrato para fazer negócios com sua empresa. Eu não podia acreditar", contou o uruguaio.

Desde então, a Connectus Medical só cresceu. É o único aplicativo e site desse tipo e é utilizado por quase 250 mil pacientes em 150 países diferentes.

A crise financeira de Artigas passou de vez e sua saúde também melhorou. A doença no rim é de família - seu pai tinha e morreu aos 48 anos por causa dela, e sua filha de 22 anos também tem.

Mas o futuro dele foi diferente. Em agosto do ano passado, Artigas conseguiu um transplante de rim que mudou sua vida. Agora ele não precisa mais fazer diálise, mas continua facilitando a vida daqueles que ainda sofrem com essa necessidade.