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As mais de 300 ilhas paradisíacas condenadas a desaparecer do mapa

A ausência de grandes construções permite uma vista sem obstáculos de ilha para ilha - Collen Hagerty/BBC
A ausência de grandes construções permite uma vista sem obstáculos de ilha para ilha Imagem: Collen Hagerty/BBC

Colleen Hagerty

BBC Travel

30/03/2017 20h12

Desde que coloquei os pés no Panamá, ouvia sobre San Blas, um arquipélago de mais 350 ilhas no mar do Caribe. Panamenhos recomendavam a viagem e uma amiga de Nova York que passara um dia de barco por lá disse ter sido a aventura mais empolgante de sua viagem.

"Não é como ir a um resort ou algo assim", ela me explicou. "É mais uma experiência de Robinson Crusoé: você e as ilhas."

Picada pela mosca da curiosidade, comecei a pesquisar o lugar e marquei o traslado de duas horas de carro da Cidade do Panamá até o golfo de San Blas, a cidade costeira em que pegaria meu barco.

Logo descobri que não seria exatamente aquele esquema "eu e as ilhas" - na verdade eu seria hóspede dos Guna, um povo indígena que há séculos as habita.

San Blas, conhecida como Guna Yala pelos nativos, submete-se ao controle autônomo dos Guna. A tribo indígena iniciou uma revolução contra o governo panamenho em 1925 e ganhou autonomia sobre a terra, o que lhe permite operar com Constituição e governo próprios.

Os Guna habitam menos de cem ilhas do arquipélago, mas protegem todas com um controle rígido sobre o turismo (é preciso levar passaporte mesmo em viagens de um dia) e uso da terra. Isso significa que grandes projetos imobiliários e habitações mais modernas são inexistentes.

Quando finalmente botei os pés na ilha, entendi na hora porque o local cativa turistas e nativos. Despontando no horizonte como miragem, cada ilha parecia ter sido lapidada com cuidado na água cristalina azul-turqueza, de praias salpicadas de palmeiras e areia amarela.

Não havia construções, só pequenas e humildes cabanas feitas de materiais naturais, o que permitia uma vista sem obstáculos de ilha para ilha. Os turistas perderam a fala e só registravam o momento em suas câmeras.

Atracamos numa ilha identificada apenas por uma pequena placa de madeira: Aroma Island. Nosso guia Guna, Eulog'io, falava pouco inglês, mas nos conduzia com gestos de sobra e um sorriso fácil. Entregou-nos snorkels (tudo para mergulho em águas rasas), garrafas d'água e, aos interessados, shots de rum para acompanhar água fresca de coco - o "coco loco" dos Gunas.

A ilha Aroma é uma das poucas que permitem a pernoite de viajantes. Não há, porém, nenhum hotel. Turistas podem levar equipamento de camping ou ficar no mesmo tipo de cabana dos nativos, a maioria sem luz e encanamento. E são bem-vindos se quiserem conhecer e jantar com moradores locais, normalmente familiares dos guias.

Nossa escala seguinte foi a Dog Island, onde paramos para almoçar. Não havia cardápio, já que a refeição depende da coleta do dia. Demos sorte no menu: peixe grelhado, arroz de coco e melancia. Sem celulares e wi-fi para distrair, o papo fluiu entre os turistas, e compartilhamos nossos achados no arquipélago.

Para alguns, o melhor era a chance de desconectar e relaxar numa rede, enquanto outros falavam da busca pelo souvenir perfeito daquelas ilhas: um tecido artesanal típico conhecido como mola, cada um decorado por mulheres com cores fortes e desenhos complexos.

Satisfeita e aquecida pelo sol, fui atrás da minha própria aventura.

No almoço alguém comentara sobre um pequeno navio naufragado perto da costa da ilha. A maré estava baixa e dava para ver de longe a ponta dele. Nadei até lá, e os destroços já estavam tomados pelo oceano, cobertos de alas e corais, cercados de peixes.

Problemas ambientais

Embora ali houvesse muita vida em torno dos destroços, os Guna são conhecidos pela coleta predatória de corais no entorno das ilhas, prática amplamente denunciada como danosa ao ecossistema.

Mas para esses indígenas a extração proporciona matéria-prima natural, como calcário, para uso em construções nas ilhas, o que lhes permite expandir sua terra e população.

Essa exploração, contudo, agrava um cenário que tornou o arquipélago um local vulnerável. Desastres naturais e eventos climáticos extremos registrados nos últimos dez anos na região expuseram a gravidade da questão das mudanças climáticas e da elevação do nível do mar.

Segundo o instituto de pesquisa Smithsonian Tropical, braço panamenho da famosa instituição norte-americana, a elevação do mar se acelerou no arquipélago nas últimas décadas.

O fenômeno, associado ao mau uso dos recursos naturais, levou a altos níveis de erosão costeira, e todas as ilhas correm o risco de submergir nas próximas décadas.

Mudança no horizonte

O fato é que os Guna terão que deixar as ilhas - ou seja, não é uma questão de "se", mas de "quando".

Como não há água potável na maioria delas, a ocupação sempre se concentrou nas ilhas mais próximas da costa, e o aumento da população nesses locais também pressiona pela realocação.

Grupos ambientalistas interessados na defesa dos corais em torno das ilhas também defendem a mudança dos moradores para o continente.

A ONG Displacement Solutions, que presta assistência a grupos populacionais desalojados por questões climáticas, estimou em um estudo de 2014 que cerca de 28 mil pessoas terão que ser transferidas para o continente. Pesquisadores sugeriram que o processo comece o quanto antes, pois a possibilidade de eventos climáticos extremos coloca os ilhéus sob risco crescente.

O governo do Panamá aceitou trabalhar com os moradores nesse processo, mas os nativos estão apreensivos com a mudança. Apenas uma comunidade, Gardi Sugdub, procurou ajuda da gestão para a transferência, mas planos de 2010 para assistência financeira e de habitação ainda não saíram do papel.

Os impactos da mudança para a economia e o governo autônomo dos Guna também são uma incógnita, pois os moradores dependem do turismo e da pesca para viver. Discute-se se até se a tribo não deveria ser proibida de acessar as ilhas após a realocação, já que o impacto ambiental prolongado reduz mais ainda as chances de sobrevivência do arquipélago.

Deitada na areia após minha natação, era difícil conciliar a animação que vivenciei com o futuro difícil que parece estar à frente daquele paraíso.

Vi nativos escalando palmeiras para catar cocos. Perto dali, mãe e filha cosendo uma bela camisa de mola na frente de casa. Descendo para o mar, juntei-me a pescadores que inspecionavam a coleta do dia - que incluía o maior peixe que já tinha visto, erguido pelo olho por um orgulhoso pescador.

Logo Eulog'io bateu no meu ombro e mostrou que era hora de voltar ao barco e à terra firme. Mas enquanto zarpávamos e as ilhas iam ficando para trás, nosso guia desligou o motor do barco de repente.

"Saltem", disse ele.

Trocamos olhares de dúvida entre os passageiros e pulamos. A água limpa e rasa mal disfarçava centenas de estrelas-do-mar na areia logo abaixo, e todos mergulhamos naquela água quente para olhar aquela maravilha mais de perto.

Perceber o conhecimento dos Guna sobre lugares como aquele - no meio do mar, sem nenhuma indicação visível - nos mostrou a conexão daquele povo com San Blas. É a terra pela qual lutaram duramente, transformaram em casa, conheceram cada canto e terão que deixar para trás em breve.