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Praga tem 'tour da corrupção' que visita obras superfaturadas

Passeio chega aos "símbolos do nepotismo" que marcaram a transformação da República Tcheca - Jan Hrdy/BBC
Passeio chega aos "símbolos do nepotismo" que marcaram a transformação da República Tcheca Imagem: Jan Hrdy/BBC

Rob Cameron

Da BBC News

02/06/2014 11h29

Quem visitar Praga, na República Tcheca, terá a oportunidade de participar de uma visita guiada inusitada. Em vez de museus, igrejas e outros pontos turísticos famosos, os visitantes poderão fazer um passeio oferecido pela "agência do turismo da corrupção".

"A corrupção não é apenas o dinheiro gasto da maneira errada. Corrupção é a quebra de confiança e a teia de poder que se constrói com este dinheiro", diz Petr Sourek, fundador do que ele diz ser a primeira agência de turismo de corrupção do mundo.

Por algumas dezenas de euros, Petr e seus colegas lideram uma excursão pelos "marcos de corrupção e nepotismo" que marcaram a transformação da República Tcheca de uma economia socialista planificada para um mercado capitalista.

"Vejo isso como uma ameaça à nossa liberdade, porque estas estruturas mafiosas são fortes o suficiente para intimidar os cidadãos", ele disse à BBC.

Os passeios oferecem aos visitantes uma visão do que aconteceu com as enormes somas de dinheiro dos contribuintes que desapareceram nos bolsos de funcionários corruptos e empresários misterioros.

A visita passa por mansões monumentais, obras públicas superfaturadas e corredores de prédios do governo. Ao final, os visitantes recebem um souvenir de brincadeira: um diploma em Mestrado em Administração de Corrupção.

Voldemort

Em uma das paradas, observamos de fora os escritórios de Roman Janousek, um empresário bilionário cuja influência em Praga já foi tão grande que ele chegou a ser chamado de "segundo prefeito" da capital e apelidado de Voldemort (o vilão das histórias de Harry Potter, o jovem feiticeiro criado pela escritora britânica J. K. Rowling).

O apelido vem das acusações de que teria fraudado licitações públicas e supervisionado a construção de vários projetos fraudulentos. Janousek nega.

Em 30 de abril, o empresário foi condenado a três anos de prisão por lesão corporal grave depois de um acidente de trânsito em que ele teria avançado com seu Porsche Cayenne contra outro motorista que teria saído de seu carro para protestar contra ele.

Mas qual é o verdadeiro tamanho da corrupção na República Tcheca? Certamente, é grande o suficiente para derrubar governos. Em junho do ano passado, o então primeiro-ministro Petr Necas deixou o poder acusado de envolvimento em um escândalo de corrupção, sexo, espionagem e suborno.

A polícia invadiu a sede do governo e escritórios de vários empresários, incluindo o de Janousek, para recolher provas. Foi um fim irônico e amargo para um governo que tinha feito mais do que qualquer outro para aliviar o trabalho de detetives e promotores encarregados de reprimir a corrupção de alto nível.

Mas a corrupção é algo difícil de se medir com precisão.

Um ranking de corrupção compilado pela organização Transparência Internacional em 2013 põe a República Checa em 57º lugar em uma lista de 177 países.

O Índice de Percepção de Corrupção, divulgado anualmente pela Transparência, mede a percepção da corrupção do setor público pelos cidadãos de um país.

Apesar de ter caído em relação ao ranking de 2012, o país ainda fica à frente da vizinha Eslováquia (61º), mas é considerado menos corrupto do que a Itália (69º) , Bulgária (77º) e Grécia (80º). O Brasil ficou em 72º lugar no ranking da TI.

Ventos de mudança

É o mesmo problema que enfrentam muitos países que emergiram de um passado comunista", diz Adriana Krnacova, que dirigiu a filial tcheca da Transparência Internacional entre 2001 e 2007 e hoje é ministra do Interior.

"Somos um país muito jovem. Existimos há apenas 20 anos e seria muito ingênuo pensar que, depois de duas décadas, tudo mudaria", diz Krnacova.

"A maioria das pessoas talentosas da República Tcheca e da Eslováquia deixaram o país na década de 1990. E, desde então, a política foi tomada por pessoas que não são muito amigas da transparência", opina ela.

Mas há histórias que inspiram esperança. Em 2010, o advogado cego Ondrej Zavodsky foi demitido de seu emprego como chefe do serviço jurídico do Ministério do Interior.

Ele alega que sua demissão foi em retaliação por ter alertado várias vezes sobre vários contratos suspeitos que tinha sido encarregado de examinar.

Após sua saída, ele enviou cópias dos documentos para o ministro do Interior e para a polícia e o resultado foi uma séria de ameaças contra ele e sua família.

O caso ganhou grande repercussão na mídia local e a pressão da opinão pública levou à abertura de uma auditoria interna que revelou várias irregularidades no setor público do país. Hoje, Ondrej Zavodsky é vice-ministro de Finanças.

"As coisas avançaram, claro", diz ele à BBC enquanto seu cão guia observa um pavão que passeia pelo esplendoroso Jardim Waldstein. "Hoje sou vice-ministro de Finanças para a propriedade do Estado e da loteria nacional - ou seja, um cargo que traz consigo um dos maiores riscos de corrupção na administração do Estado. E ganhei do ministro total liberdade para garantir a transparência dos vários fluxos de dinheiro.

É, certamente, um sinal de que as coisas estão começando a mudar.