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Em homenagem ao pai, brasileiro dá volta ao mundo de skate em quase 10 anos

Marcelo em Madagascar, na África - Arquivo pessoal
Marcelo em Madagascar, na África Imagem: Arquivo pessoal

Bárbara Therrie

Colaboração para o UOL

17/05/2019 04h00

Cinquenta e sete mil quilômetros, cinco continentes e 47 países. A marca é do atleta e empresário carioca Marcelo Gervasio Silva, 55, que deu a volta ao mundo de skate em quase uma década.

Nesse depoimento ao UOL Viagem, ele conta suas aventuras que incluem desde um encontro com a milícia armada na Somália até um casamento "arranjado" no Brasil.

"A ideia de viajar pelo mundo surgiu como uma homenagem ao meu pai e grande herói, Helio Silva. Eu cuidei dele enquanto ele esteve doente e, antes de falecer, fiz uma promessa: ia dar a volta ao mundo.

Inicialmente seria de bicicleta, porque sou ciclista, mas um contratempo acabou mudando os planos. Durante a montagem da bike, eu sofri um acidente na mão, não tinha como dirigir. Fui de Copacabana a São Cristóvão de skate comprar umas peças. Chegando lá, um colega brincou que eu ia viajar de skate pelo mundo. Eu voltei para casa pensando nisso e considerei que seria inédito!

Skate inquebrável e R$ 60 na carteira

Demorei três anos para construir o skate perfeito. Ele não podia quebrar, tinha que ser à prova de bomba.

Foram nove modelos até chegar ao 'Destructor 009', fabricado com o mesmo material da prancha de surfe e com rodas de uretano. Nessa fase de testes, treinei por três anos nas avenidas do Rio. Fazia 100 km por dia.

Meu primeiro trajeto foi de Copacabana a Angra dos Reis. Depois fiz Goiás, Brasília e Rio de Janeiro, em 2.327 km, em 45 dias. Dei a volta ao mundo de 2009 a 2018, com pausas ao longo desse período. Nesses intervalos, aproveitava para fabricar novos modelos.

Em quase uma década, percorri 57 mil km, passei pelos cinco continentes e 47 países, entre eles, Madagascar, Moçambique, Quênia, Etiópia, Mianmar, Austrália, Finlândia, Bélgica, Espanha, Chile, Uruguai. Sempre colocava a bandeira do Brasil e do país visitado no skate.

Carregava no bagageiro uma minicozinha, barraca, colchonete, ferramentas, remédios, produtos de higiene pessoal, mapas, vestuário, equipamentos eletrônicos e de segurança. Eu viajei com R$ 60 na carteira, não precisava de muita grana. As pessoas me viam, eu contava minha aventura e elas se mobilizavam para me ajudar com dinheiro, comida, hospedagem, doação de roupas e calçados.

Me salvei de milicianos na Somália fazendo embaixadinhas

Já passei por vários apuros, o pior foi na Somália. Eu estava na estrada quando fui surpreendido por um caminhão com 12 malandros da milícia, armados com facão e metralhadora. Eles desceram e, me xingando em inglês, pediram o meu passaporte. Eu tomei um susto. Se não tivesse jogo de cintura rápido, eles iam me matar.

Fui malandro: respondi, em swahili, que eu era brasileiro. Mostrei minha camisa do Neymar, fiz umas embaixadinhas. Eu disse, em português com meu sotaque carioca, meu nome e algumas partes do corpo humano: pé, mão, joelho, sobrancelha. Eles riram e fizeram piada entre eles.

Aproveitei que os caras ficaram de boa, pedi uma informação e segui o trajeto. Eu só me salvei porque disse que era brasileiro. Pela minha experiência, nós somos o único povo no planeta que conseguimos nos entrosar com todos os tipos de pessoas.

Saber me comunicar era uma questão de sobrevivência. Eu falava inglês e espanhol, mas aprendi cerca de 300 a 400 palavras em alemão, russo, swahili e malagasy. Me comunicava com frases básicas como: 'meu nome é Marcelo, sou do Brasil', 'estou atravessando o mundo de skate', 'como faço para chegar em tal local?', 'onde compro comida?'.

Durante o dia eu aprendia o vocabulário e à noite gravava a pronúncia no celular e ficava treinando. Era uma troca. Também ensinava a frase: 'Eu sou da terra do futebol, do samba e do Carnaval'. Fazia umas embaixadinhas com coreografia, e todos achavam um barato.

Dormi em banheiro público francês e quase um casamento arranjado

Para mim, não tinha tempo ruim. Eu já me hospedei desde um hotel cinco estrelas até praças, posto de gasolina, beira de rio, debaixo de árvore e galinheiro.

Teve uma vez que eu estava na França, e um parceiro me deu a dica de dormir em um banheiro público de deficiente, que era espaçoso. Eu estiquei meu colchonete, tranquei a porta e dormi lá. Só rezei para nenhum policial me encontrar. A noite foi maravilhosa, o banheiro cheirava a perfume francês (risos).

Teve uma situação em que eu quase me dei mal por causa de uma mulher no Espírito Santo. O dono de um restaurante tentou arranjar um casamento para mim com a filha dele. Eu almocei, contei minha história e o dono me ofereceu um quarto na casa dele para dormir. Nos dias seguintes, fiz uns trabalhos de manutenção para ele. Conheci a filha dele e acabamos ficando.

Ela comentou com o pai que eu podia ficar com eles. Ele veio conversar comigo, disse para eu deixar aquela maluquice de viajar de skate, que aquela vida não tinha futuro. Falou para eu casar com a moça e cuidar do restaurante. Eu disse para ele que não ia rolar, peguei minhas coisas e fui embora sem avisar.

Andei de skate ao lado de elefante na Índia e fui atropelado 3 vezes

Uma das viagens mais marcantes que fiz foi para a Rússia em 2018, para assistir, pela primeira vez no estádio, um jogo da Copa do Mundo. Eu me programei com antecedência, demorei dois anos para chegar lá. Fui da Nova Zelândia, atravessei os países da Oceania para o continente asiático, rumo à Rússia.

Nesse trajeto, passei por Austrália, Tailândia, Malásia, Camboja, Nepal, Cazaquistão, entre outros. Assisti a partida entre Inglaterra e Tunísia, e ainda fiz amizade com os tunisianos para saber se era tranquilo viajar para o país deles.

Eu andava de skate das 6h às 17h, com algumas paradas ao longo do caminho. Percorria, em média, de 80 km a 110 km por dia, entre rodovias, neve, areia, barro, lama e montanhas. Uma vez, dividi a pista com um elefante na Índia. Foi alucinante.

Nas estradas que não tinham acostamento, eu segurava um galho de árvore na mão para manter distância dos carros, mas, mesmo assim, fui atropelado três vezes. O acidente mais grave aconteceu em Porto de Galinhas. Um motorista perdeu o controle na curva e, com a batida, eu parei em um canavial. Fraturei três costelas.

Eu prestei os primeiros-socorros a mim mesmo. Fiz uma tala com um galho, coloquei nas costas, enfaixei com um pano e gritei por ajuda. A equipe da guarda municipal chegou ao local e me socorreu. Fiquei 14 dias engessado, e depois continuei minha jornada.

Encerrei a volta ao mundo em Portugal, no dia 28 de outubro de 2018. O sentimento é de missão cumprida. Honrei a promessa que fiz ao meu pai. Foi maneiro. Sou um aventureiro nato, encerrei esse ciclo e já estou me preparando para ir de skate rumo às Olimpíadas de Tóquio, em 2020".