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Fui "modelo" em Nova York por uma hora e adorei passar vergonha

O que as luvas de boxe e a blusa de basquete têm a ver? Só Deus sabe! - Imani Jones
O que as luvas de boxe e a blusa de basquete têm a ver? Só Deus sabe! Imagem: Imani Jones

Vladimir Maluf*

Do UOL, em Nova York

04/01/2018 04h00

Conhecido por alugar de uma cama para dormir a castelos pelo mundo, o Airbnb também vende experiências. Eu paguei US$ 49 para participar de uma: o Retro Photoshoot in NYC, um ensaio fotográfico de uma hora e meia no Harlem, região de Nova York conhecida pelos clubes de jazz e a cultura afro-americana. 

No anúncio, Imani Jones, a fotógrafa, explica o que vai rolar: ela promete compor o visual do participante --de acordo com a moda dos anos 1970, 1980 e 1990-- e faz as fotos, no estúdio e nas ruas do bairro. Já me animei! Mesmo sem ter menor chance de parecer um modelo profissional (nem amador. Nem primo de segundo grau de um modelo amador), sou exibido e adoro fotografia. Digitei logo os números do cartão de crédito, pois havia poucos horários disponíveis. Marcado: sábado, dia 16 de dezembro, 17h. 

Pensei que me decepcionaria logo em seguida

Cabelo e maquiagem, nitidamente, não fiz. Se o participante quiser, a fotógafa oferece o serviço (cobrado à parte) - Imani Jones - Imani Jones
Cabelo e maquiagem, nitidamente, não fiz. Se o participante quiser, a fotógafa oferece o serviço (cobrado à parte)
Imagem: Imani Jones

A experiência, de cara, se revelou diferente do que eu havia imaginado: após a reserva, troquei mensagens com Imani. Ela me avisou que não faríamos cliques nas ruas do Harlem, pois só faz fotos externas no verão. Desanimei. Oras, qual a diferença entre fazer fotos em um estúdio em Nova York ou em São Paulo, onde moro, se as ruas não serão o cenário? 

Superado isso, ela me pediu que levasse acessórios, calçados e maquiagens. Fiquei preocupado: não tenho nada vintage no armário! Maquiagem não vem ao caso se tenho... O fato é que Ignorei a recomendação. Apareci na data e hora marcadas, de mãos abanando. 

Chegando lá, em um prédio residencial bem típico de Nova York (tijolos aparentes, baixinho, meio capenga), toquei a campainha e subi. Imani, muito simpática, me recebeu no apartamento de dois dormitórios sem móveis: em cada quarto, um guarda-roupas embutido. Em um você pendura o casaco (gorro, cachecol e luvas. Estava 2ºC lá fora!). No outro, o armário armazena um punhado de cabides com roupas coloridas --muito menos do que eu imaginava. 

Produção rápida

Imani olhou para mim, me mediu de baixo para cima, e começou a fuçar nos cabides. Logo avisei: "Procure pelos números maiores!". E foi o que ela fez: sacou uma calça larga, uma camiseta de basquete imensa e uma jaqueta (tamanho M, que nem em sonho os dois lados do zíper se encontrariam). Pediu para que eu me trocasse enquanto encostava a porta. Obedeci. 

Vladimir - reportagem sobre fotos em NY - Imani Jones - Imani Jones
Imaginei que seria uma tarde de glamour. Não foi. Mas foi muito divertido
Imagem: Imani Jones

Caracterizado, chamei Imani, que entrou no quarto sorrindo, aprovando o visual. Analisou mais um pouquinho e sacou duas luvas de boxe calçadas nas mãos de uma moça --que também ia fazer fotos, mas parecia íntima do pessoal do estúdio. Ela não gostou muito: "Eu ia usar", disse. Eu não liguei: botei as luvas, como mandaram, pus meus própios tênis nos pés e fui para a próxima etapa. 

Hora das fotos, e de passar vergonha

Passamos para o que deveria ser a sala de estar do apartamento. Um fundo de papel pardo tampa a janela do cômodo e um grande refletor de luz começou a me cozinhar o lado direito do rosto. Apesar do frio lá de fora, dentro do estúdio improvisado estava bem quente, e eu embalado em uma jaqueta plástica, suando.

Imani sentada no chão do apartamento onde ela faz o ensaio de fotos - Vladimir Maluf/UOL - Vladimir Maluf/UOL
Imani sentada no chão do apartamento onde ela faz o ensaio de fotos
Imagem: Vladimir Maluf/UOL
A fotógrafa e seu parceiro, que faz as vezes de diretor, recomendam que eu me solte, dance, faça caras e bocas. Eu não economizo. Fiz todos os passos que uma pessoa nascida nos anos 1980 tem obrigação de saber. Dancei lambada na quadrilha da escola e era impossível evitar "É o Tcham" nas baladas dos anos 1990 (na época, chamava Gera Samba, aliás). Eles gargalhavam e aplaudiam, assim como os que me antecederam no ensaio e os que aguardavam a vez. "Sou do Brasil", expliquei. 

Duas coisas provaram, rapidamente, que eu exagerei na performance: a primeira, nenhuma outra pessoa deu tamanho show sem palco. A segunda: eram tantos movimentos absurdos que as fotos não ficaram boas. Tivemos de refazer o ensaio. E eu já estava exausto.

A desvantagens de fotografar com um profissional é que você não pode gritar: "Não tira foto da barriga! Desliga esse flash, pelo amor de Deus, que eu não tenho mais idade para tanta luz!"

Eu esperava mais glamour, mas não fez falta

Pia do apartamento é cheia de bebidas. É só pegar um copo e preparar seu drink - Vladimir Maluf/UOL - Vladimir Maluf/UOL
Pia do apartamento é cheia de bebidas. É só pegar um copo e preparar seu drink
Imagem: Vladimir Maluf/UOL

Quando li no site que faria um ensaio fotográfico em Nova York, imaginei um estúdio profissional, com camarim e penteadeira e maquiador e espelho com moldura de lâmpadas. No anúncio, Imani conta que já fotografou para a Victoria's Secret e uma série de revistas. Fiquei pensando que seria maltratado por figurões do universo da moda e faria poses dignas de contorcionistas. Foi muito mais simples do que isso, mas bem divertido. Terminado o ensaio, hora da seleção de imagens. 

No fim do apartamento, fica a cozinha, apertada. Na mesa, um editor de imagens seleciona as melhores e trata algumas delas em seu notebook. Sobre a pia, garrafas de suco de laranja, vodka, refrigerantes e outras bebidinhas, além de um balde gigante com pipocas e um saco tamanho família de Cheeto's. "Tem cerveja na geladeira", gritaram.

Como eu tinha outra reportagem para fazer e o tempo já havia estourado bastante, o editor me enviou as imagens para o celular, mesmo, sem tratamento. Caso eu quisesse que fossem tratadas posteriormente, teria de pagar US$ 15 por foto. Dispensei. 

Aspirantes a modelo procuram o estúdio

Souley - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Souley, de 17 anos, fez um ensaio, pois está tentando carreira de modelo
Imagem: Reprodução/Instagram

Enquanto esperava as fotos serem descarregadas, voltei para a sala e acompanhei o ensaio de Souleymane Sacko, de 17 anos. Souley. Um jovem do Mali, na África, que agora mora nos Estados Unidos. Ele não usou roupas estrambólicas, como eu. Estava todo modernoso fazendo o ensaio. Tinha prática em fazer poses e olhares penetrantes: "Quero entrar para a indústria da moda", contou. Tem beleza para isso. Morri de vergonha de mim quando vi as fotos do Souley: jovem, bonito, alto e esguio. Até tiramos algumas juntos, e a diferença entre nós acabou com minha autoestima. 

Reparei, então, que ele não era o único que fazia fotos sem caracterização. Uma outra jovem também estava lá com as próprias roupas, para fazer retratos profissionais. Ficaram ótimas as imagens. Espiei na tela da câmera de Imani. Soube, então, que aspirantes a modelos e atores procuram a fotógrafa para montar um álbum profissional, nem sempre pelo Airbnb.

Se valeu a pena? Sim!

Apesar de a experiência ter sido bem diferente do que eu esperava, foi ótima. Diversão não faltou. Em nenhum momento me senti constrangido. Ri muito e engatei bons papos. A turma deixa você à vontade para as fotos. Às vezes, sugere poses e carões, que eu nem sempre conseguia fazer, mas renderam fotos absurdas (que estão bem guardadas e não mostro para ninguém).

Momento "sentindo a música". Era Britney Spears no talo - Imani Jones - Imani Jones
Momento "sentindo a música". Era Britney Spears no talo
Imagem: Imani Jones

Uma chateação: a fotógrafa ficou de me enviar as imagens em alta resolução. Falamos algumas vezes sobre isso por e-mail, ela disse que mandaria, e depois sumiu. É a vida. Eu nem fazia tanta questão de ver minha cara com mais detalhes do que isso, mesmo. 

Como funcionam as Experiências do Airbnb

É simples: você busca no site e agenda uma atividade no destino escolhido, com um morador local. Tem de tudo: oficinas de arte, roteiros para quem ama comer bem, guias para bares desconhecidos dos turistas, passeios com ex-policiais para visitar pontos onde foram cometidos os crimes mais famosos da cidade... O Airbnb lança o valor em reais no cartão, de acordo com o câmbio do dia. Tem a vantagem de não precisar pagar IOF nem ser surpreendido com uma mudança brusca na cotação no dia do fechamento da fatura.

O Airbnb oferece, hoje, 3.100 experiências, em 40 cidades de 26 países. Desde janeiro de 2017, a procura pelos serviços cresceu 20 vezes, segundo o site. O valor médio das reservas é de US$ 55. No Brasil, o sistema funciona no Rio de Janeiro desde junho. Barcelona, na Espanha, ainda é o mercado mais popular, seguido por Los Angeles, Paris, Tóquio e São Francisco. Nova York é o lançamento mais recente, ainda assim, já é a sexta cidade mais procurada para experiências no site.

*O jornalista viajou a Nova York convidado pela Avianca Brasil