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Estilo Art Nouveau se destaca em cemitério e construções de Buenos Aires

Berto González Montaner

Do Clarín, em Buenos Aires

12/02/2014 13h39

Há alguns dias, a Associação Art Nouveau de Buenos Aires (AANBA) apresentou um projeto para que a Cidade fosse declarada Capital Latino Americana do Art Nouveau. Uma proposta que, para o arquiteto Luis Grossman, membro mais antigo do jornalismo de arquitetura na Argentina e hoje diretor geral do Centro Histórico, é “uma missão justa”.

  • Soraia Tetamanti/UOL

    No cemitério da Recoleta muitas personalidades argentinas estão enterradas, como Eva Perón

“A Confeitaria El Molino e a Galeria Güemes foram novidades em toda a América Latina. Buenos Aires foi vanguarda em arquitetura”. A AANBA acompanhou a iniciativa com o lançamento de um mapa que identifica 50 edifícios representativos dessa corrente estilística e organiza cinco percursos para visitá-los: San Telmo, Recoleta, Balvanera, Congreso e Centro.

“O objetivo é difundir essas construções, para que dessa maneira elas sejam revalorizadas e preservadas, posicionando-as como um bem cultural que pertence a todos”, diz Willy Pastrana, presidente dessa entidade.

Entre os edifícios incluídos há alguns muito conhecidos, como os já mencionados ou o Yatch Club Argentino, o Palácio Barolo e o Clube Espanhol. Também existem outros menos famosos, como a Casa Calise, o Palacio de Los Lirios ou o Palacio de los Pavos Reales.

Mas a verdade é que o Art Nouveau em suas diversas versões, Liberty, Floreale, Jugendstil, Modernista (segundo o país de origem), não só desenhou as fachadas dos edifícios da nova burguesia imigrante. Também inundou, com “seu festival de formas, seus golpes de chicote, seus baixos-relevos com floras e faunas exóticas, com corpos seminus e com transparências, texturas e cores, os interiores das residências: as maçanetas de suas portas, o desenho de suas carpintarias, os azulejos de seus saguões, os lustres, os abajurs, os móveis e o design dos mais variados objetos domésticos. E não só isso, até deixou sua marca inconfundível nos cemitérios, essas cidades em miniatura que são um resumo das modas arquitetônicas que disputaram o gosto da população ao longo do tempo.

O cemitério da Recoleta, ex-Cemitério do Norte, o mais antigo que se conserva na cidade, apresenta muitas surpresas. Se o percorrermos com atenção vamos encontrar uma grande quantidade de abóbadas Art Nouveau. Muitas dessas construções parecem ter saído de um catálogo que teria um modelo base e opções com designs que iriam se tornando mais complexos dependendo das aspirações das famílias. Nessas criptas, muitas assinadas por Hermanos Ferro Construcciones, com uma estrutura formal parecida, existem variações nas repartições curvilíneas da porta de acesso, de ferro ogival; na profusão de “trepadeiras” que sobem por suas fachadas; ou na qualidade e nobreza dos materiais utilizados, desde o reboque imitando pedra até os mármores e granitos.

Mas, se esses túmulos chamam a atenção por suas semelhanças, por sua padronização, por seu anonimato, a famosa abóbada de Rufina Cambaceres, na Recoleta, surpreende justamente por sua singularidade: por sua impactante arquitetura e sua história deslumbrante e misteriosa.

Contam que no dia em que Rufina Cambaceres fez 19 anos, no dia 31 de maio de 1902, a encontraram desmaiada em seu quarto, na cama. O médico que a examinou a declarou morta. Então, colocaram a bela jovem, filha do escritor Eugenio Cambaceres e da bailarina italiana Luisa Baccichi, na capela do cemitério. No dia seguinte os funcionários encontraram o caixão fora do lugar. Os familiares pediram para abrir o caixão e viram que o rosto de Rufina estava arranhado, as mãos roxas e o féretro com marcas de unhas. Rufina tinha sofrido um ataque de catalepsia, mas depois morreu de asfixia e desespero.

A triste história se encontra belamente refletida na abóbada e na escultura que os Cambaceres mandaram construir na Recoleta. O escultor alemão Richard Aigner imortalizou em mármore a jovem Rufina apoiando suavemente a mão na maçaneta da porta da abóbada. Essa jóia se encontra numa esquina de destaque do cemitério. É do mais puro Art Nouveau, da versão estilo golpe de chicote. Na esquina está a grande escultura e suas fachadas de mármore branco são profusamente adornadas com ramos, folhas e flores em botão. Ao lado, as duas portas de ferro preto dão acesso à abóbada familiar e ao caixão de Rufina.

Como dizia o arquiteto e historiador Federico Ortíz, o Art Nouveau “tocou todo o ambiente humano da cidade à colher”. Na minha casa, as lajotas do piso do saguão são Art Nouveau. São verdes, com o desenho de flores características fazendo contraste. E sabem quem é meu vizinho? Rufino, parente de sangue da própria Rufina Cambaceres.

(Texto originalmente publicado no site do Clarín em português)