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Passeio pelo centro do Recife revela inspiração de músicos e poetas

Marcel Vincenti

Do UOL, no Recife*

02/04/2013 08h00

Um bom passeio pelo Recife, em Pernambuco, pode começar em um sábado de manhã entre os muros que cercam o antigo Forte das Cinco Pontas, no centro da cidade. O monumento, erguido em 1630, tinha como objetivo proteger uma grande área controlada pelos holandeses e sua Companhia das Índias Ocidentais, exploradora da produção açucareira do Nordeste brasileiro.

Um clima de paz impera dentro do forte. Coberto por coqueiros com 20 metros de altura, o local hoje abriga exposições sobre a história da capital pernambucana, com fotos antigas, móveis centenários, canhões e até pedaços da demolida Igreja do Senhor Bom Jesus dos Martírios. Tudo muito interessante, importante de ser conhecido e que será admirado pelo visitante em um ambiente de silêncio e contemplação.

Dez passos para fora do monumento, porém, e o turista se verá rodeado por outro universo, bem mais condizente com a realidade. A rua das Calçadas, que começa na frente do Cinco Pontas, será a rota natural para um passeio pelo centro do Recife. Nela, pessoas, barracas, carros, lixo e lojas se amontoam em um espaço estreito e barulhento. Os comerciantes gritam para atrair clientes, a fumaça se levanta sobre as tendas de frituras e, ao fundo, o domo metálico da linda Basílica Nossa Senhora da Penha atrai o pedestre para a praça Dom Vital, bem na frente da igreja.

Ninguém chega aqui por acaso: ao lado da Dom Vital está o Mercado de São José, que atrai donas de casa recifenses e turistas estrangeiros em iguais medidas. Dentro de sua estrutura de ferro pré-fabricada, trazida da Europa para o Brasil no século 19, o mercado abriga boxes que vendem, em quantidade abundante, peixes, frutas, ervas medicinais, fumo, artesanatos, livretos de literatura de cordel e garrafas de pinga rotuladas com mensagens sexuais que podem divertir ou chocar – dependendo do senso de humor de quem as lê.

Ao contrário de Olinda, não há, no local, nenhum tipo de assédio ao turista. E a exemplo de Olinda, o Mercado de São José é uma experiência cultural de mão cheia, que prepara qualquer um para os próximos passos dentro da metrópole versada por João Cabral de Melo Neto e cantada por Chico Science.

Igrejas, largos e a prisão cultural

Nos arredores do Mercado de São José estão alguns dos principais marcos religiosos do Recife. Na Igreja de Nossa Senhora do Livramento, aberta a cultos religiosos desde 1882, dezenas de placas nas paredes mostram mensagens de agradecimentos de fiéis a São Judas Tadeu pela “graça alcançada”. Lá fora, um garoto com não mais que dez anos abaixa as calças no meio dos transeuntes e urina sobre o portão do templo.

  • Marcel Vincenti/UOL

    Com as fachadas pintadas pela Coral, a rua do Bom Jesus é uma das mais belas vias do Recife

A poucos metros dali está o Pátio de São Pedro, cercado por sobrados de estilo colonial e parcialmente livre de comércio ambulante. A visão para a Catedral de São Pedro dos Clérigos fica totalmente desempedida, o que é um presente para o turista: inaugurada em 1782, e coroada por duas belíssimas torres, a catedral barroca é um dos mais bonitos templos religiosos do Recife. O pátio, por sua vez, é cercado por bares e lanchonetes, constituindo um ambiente perfeito para um descanso e, por que não, para a apreciação de uma cerveja gelada.

A Igreja do Santíssimo Sacramento pode ser contemplada dali e mostra que Recife, a exemplo de Olinda, oferece um interessante circuito religioso para seus hóspedes. 

Contudo, na cidade de artistas como Manuel Bandeira, Nelson Rodrigues e Francisco Brennand, a fé também sempre será depositada na cultura. Até para recuperar um dos mais sombrios edifícios da capital pernambucana. Localizada a 15 minutos de caminhada do Pátio de São Pedro, a antiga Casa de Detenção do Recife foi inaugurada em 1855 e, durante 118 anos, manteve presas, por motivos políticos, pessoas proeminentes da sociedade brasileira, como o revolucionário Gregório Bezerra e o escritor Graciliano Ramos.

Hoje, após passar por reformas coordenadas por Lina Bo Bardi e ser rebatizado como Casa da Cultura, o local (com área construída de 8.400 m²) teve suas celas transformadas em lojas e ateliês de artesanatos, que vendem produtos de 149 municípios de Pernambuco. Painéis que retratam o martírio de Frei Caneca (assassinado a poucos metros do Forte das Cinco Pontas) decoram a entrada do edifício, que é um prato cheio para quem quer fazer compras no Recife. Só há que tomar cuidado para não deixar as mochilas e bolsas muito pesadas, pois, daqui, a caminhada segue em direção ao rio Capibaribe, cujos arredores têm muita coisa para mostrar.

Centro em renovação     

Até poucos anos atrás, Recife chegou a ser a capital com o maior índice de assassinatos do Brasil. Apesar de ter descido algumas posições no ranking, a cidade ainda mantém, entre muitos viajantes, a imagem de lugar violento e perigoso para turistas. Diversas medidas vêm sendo tomadas, porém, para mudar essa situação.

  • Marcel Vincenti/UOL

    Casario da rua da Aurora pode ser visto durante passeio de catamarã pelo rio Capibaribe

Uma delas é fazer com que os moradores da cidade (e os próprios turistas) voltem a povoar o centro da cidade à noite e nos fins de semana, incentivando a manutenção e a abertura de restaurantes, bares e hotéis na região. “O centro do Recife é um lugar amado por todos os habitantes da nossa cidade”, diz o prefeito da capital pernambucana, Geraldo Julio. “Mas quando a área fica vazia, principalmente à noite, acaba passando uma sensação de insegurança para as pessoas que querem visitá-la”.   

Julio afirma que acaba de montar um departamento de gestão para o centro recifense, que tem como missão reativar os imóveis abandonados da área, desenvolver incentivos para que novos negócios se instalem por lá e criar condições para que a população volte a frequentar a região. “Todos os domingos, estamos fechando algumas ruas do centro para carros e permitindo que as pessoas venham para a região de bicicleta e realizem diversas atividades sobre o asfalto”.

No domingo (24 de março) em que a reportargem do UOL esteve na cidade, foi possível assistir a diversas manifestações culturais sendo realizadas no perímetro entre o Marco Zero e as margens do rio Capibaribe, como ensaios de maracatu, grupos de frevo e apresentações de teatro mamulengo, tudo observado por pessoas de bicicleta, skate, patins e acompanhadas por suas famílias.

A rua do Bom Jesus, por sua vez, um dos cartões-postais do centro recifense, teve a fachada de seus imóveis recentemente pintada pela empresa de tintas Coral, o que valorizou importantes edifícios históricos, como a Sinagoga Kahal Zur Israel (aberta em 1634 e considerada a mais antiga das Américas) e a Embaixada dos Bonecos Gigantes (que abriga dezenas de bonecos usados nos desfiles do Carnaval de Olinda). Ambas são abertas a visitas turísticas.

Caminhada  

Não será nenhum sacrifício percorrer os poucos quilômetros que separam a Casa da Cultura dos arredores da rua do Bom Jesus (que, vale ressaltar, é a parte mais charmosa do Recife). Na caminhada, o turista pode cruzar o rio Capibaribe pela linda ponte da Boa Vista (também conhecida como Ponte de Ferro) e, da rua do Sol, parar um pouco para admirar, através do rio, o casario histórico da rua da Aurora.

  • Marcel Vincenti/UOL

    No Mercado de São José, no Recife antigo, o visitante pode comprar imagens de Lampião

Um pouco mais à frente estará o Palácio do Campo das Princesas (sede do governo pernambucano) e a Praça da República, que exibe um baobá raro de se ver em qualquer lugar do Brasil. Dali, mais uma ponte estará no trajeto do visitante (pode ser a Buarque de Macedo ou a Maurício de Nassau) e, ao cruzá-la, o forasteiro irá entrar no coração histórico da capital pernambucana.

Apesar das reformas, muitas ruas da área ainda se encontram desertas (e um pouco ameaçadoras) durante boa parte do fim de semana. Por isso, mantenha-se nas vias com maior fluxo de pessoas e retire sua máquina fotográfica da mochila apenas quando necessário.

Os arredores da rua do Bom Jesus, porém, costumam apresentar maior movimento de gente e oferecem inúmeras atrações turísticas: além da sinagoga e da Embaixada dos Bonecos Gigantes, é possível visitar na área a Torre Malakoff (um antigo observatório astronômico), a Caixa Cultural (instalada no antigo prédio da Bolsa de Valores de Pernambuco e Paraíba) e a Rua da Moeda – que, além de excelentes bares e restaurantes, exibe uma estátua de Chico Science, que irá deleitar os fãs de mangue beat.

Para completar o passeio, o turista pode ir até o cais perto do Forte das Cinco Pontas e, por R$ 38, entrar em um tour de catamarã que passa embaixo de cinco pontes do rio Capibaribe, com um guia contando intessantes histórias da cidade do Recife. Impossível não se lembrar das obras do gênio João Cabral de Melo Neto, que, em seus versos,  sempre se inspirou mais no rio que corta a capital pernambucana do que no mar que a banha. Recife, afinal, está muito além de sua orla.

TRÊS LUGARES PARA COMER NO CENTRO

Se, em um passeio pelo centro recifense, você quiser comer como a aristocracia, não deixe de ir ao Restaurante Leite (Praça Machado de Assis, 147 - www.restauranteleite.com.br), fundado em 1882 e considerado um dos estabelecimentos gastronômicos mais antigos do Brasil. Os pratos são caros (um linguado grelhado custa R$ 69) e o ambiente, pomposo, é frequentado pela alta sociedade do Recife.

Para ter uma experiência gastronômica mais de classe média, invista seu tempo e dinheiro no Bistrô & Boteco localizado no Centro de Artesanato de Pernambuco, ao lado do Marco Zero da cidade. O lugar oferece lanches bem preparados a R$ 20 e uma bela vista do Oceano Atlântico.

Agora, se a intenção for comer como o povo simples da cidade, não perca a lanchonete As Galerias (rua da Guia, 183), aberta desde 1925 e que vende sanduíches (como o "cachorrão") e um leite maltado delicioso. 

E UM LUGAR PARA SE DIVERTIR

Todos os domingos, por volta das 18h, é realizado no Teatro Mamulengo (rua da Guia, 207) o "Forró de 1 Real". Trata-se de um show de forró que toca enquanto o público for abastecendo seus chapéus com moedas de R$ 1. Para quem quiser curtir esse autêntico ritmo nordestino envolto por uma paisagem fascinante (o Teatro Mamulengo está na frente da Praça do Arsenal e ao lado da Torre Malakoff), esse é um programa imperdível.

*O jornalista Marcel Vincenti viajou ao Recife a convite das Tintas Coral.