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Promontório Gargano, na Itália, se renova e oferece hotéis e restaurantes mais sofisticados

Cidade de Vieste, no Promontório Gargano, no sul da Itália - Franco Cautillo/La Chiusa delle More/New York Times
Cidade de Vieste, no Promontório Gargano, no sul da Itália Imagem: Franco Cautillo/La Chiusa delle More/New York Times

Bonnie Tsui

New York Times Syndicate

11/11/2012 08h20

Da varanda espaçosa da nossa pousada, no Promontório Gargano, no sul da Itália, a coisa mais fácil é se esquecer da vida apreciando a vista. Por trás de uma encosta coberta de oliveiras, o sol estava se pondo em Peschici, um vilarejo medieval às margens do Mar Adriático. Foi nesse momento que Francesco Martucci, de 61 anos, dono da La Chiusa delle More, e a mulher, Antonella, interromperam nosso devaneio, anunciando que era hora do jantar que a Sra. Martucci tinha passado várias horas preparando.

Primeiro veio o pão quentinho, direto do forno, com azeite produzido ali na propriedade, seguido de dez tipos de antepasto, incluindo flor de abóbora frita recheada com anchova, lula grelhada, mexilhão recheado com queijo caciocavallo, uma tigela gigantesca de salada de tomates apanhados na horta e tortinhas de alho-poró. Depois, espaguete ao vôngole, robalo ao forno e bolo cremoso de limão - e o tempo todo Martucci enchia nossos copos com o vinho local e nos incentivava a "comer só mais um pouquinho".

Uma refeição dessas é coisa de sonho, mas quem diria que ela existe? Essa foi a minha primeira experiência no novo Gargano, que quer deixar para trás a fama, mantida durante mais de três décadas, de ser um destino de férias barato dos italianos. Fiz uma visita com meu marido, Mahir, e alguns familiares.

Localizado em Puglia, ou na região Apúlia, o promontório (cabo formado por rochas ou penhascos altos) Gargano se destaca sobre o Mar Adriático e é às vezes chamado de "espora" na bota italiana. Os três vilarejos mais visitados ali são Vieste, Peschici e Monte Sant'Angelo, famoso pelo santuário medieval do Arcanjo Miguel. Na verdade, grande parte da área pertence a um parque nacional de mais de doze mil hectares - a Floresta Úmbria, onde estão algumas das árvores mais antigas do país.

O turismo em Gargano começou a crescer há 50 anos, quando Enrico Mattei, que na época era presidente da empresa italiana de petróleo e gás Eni, se apaixonou pelo charme e beleza da região, então basicamente agrícola - e financiou a construção de um centro turístico enorme perto de Vieste, chamado Pugnochiuso, com dois hotéis, casas e um centro de compras. Enquanto isso, o hotel Pizzomunno começava a ser erguido em Vieste.

Entretanto, os esforços de Mattei foram, de certa forma, ofuscados por empresários locais que, percebendo o potencial turístico da região, começaram a abrir motéis e acampamentos baratos. Em meados dos anos 80, as estradas estavam abarrotadas de cartazes anunciando acomodações baratas, além de pizzarias populares e outros restaurantes pouco inspiradores. Para muitos viajantes, Gargano ficou conhecida como uma opção de férias litorâneas ultrabaratas e o charme que atraiu Mattei acabou relegado a segundo plano.

Nos últimos anos, porém, um pequeno número de moradores e donos de casas de temporada, querendo atrair um grupo mais seleto de turistas, abriu hotéis elegantes e restaurantes de alta qualidade e já tem outros projetos engatilhados. Enquanto isso, os dois primeiros empreendimentos hoteleiros de Gargano, Pugnochiuso e Pizzomunno, continuam atraindo os visitantes.

  • Franco Cautillo/La Chiusa Delle More/The New York Times

    La Chiusa delle More é uma pousada de dez quartos instalada numa fazenda de oliveiras do século 16, perto de Peschici

E o resultado, como descobri durante minhas férias, é uma combinação do que a Itália tem de melhor com o que a torna irresistível para muitos: a história, a gastronomia, os cenários dramáticos e as pessoas que recebem todo mundo com tanta simpatia que dão a impressão de serem amigos de longa data.

Martucci herdou a propriedade do avô e o casal, que passa o inverno na cidade de Foggia, a cerca de duas horas de carro a sudoeste, a usava apenas como casa de veraneio - até que, oito anos atrás, decidiram transformá-la num hotel. "A gente sempre soube que Gargano era bonita, mas não tinha personalidade própria; é o que estamos tentando desenvolver agora", explica Martucci.

O casal cultiva a maior parte dos legumes, verduras, frutas e temperos que utiliza numa horta em La Chiusa. A pousada, uma casa de fazenda do século 16 cuidadosamente reformada, não tem nada de austero, mas a dupla quer oferecer acomodações ainda mais luxuosas - e, para isso, está convertendo o antigo monastério ao lado num hotelzinho de seis quartos.

Basta explorar um pouco da região para entender por que conquistou Mattei tantos anos atrás. Ela é uma combinação de florestas de pinheiros, arbustos e despenhadeiros à beira-mar - e mais de 300 tipos de orquídeas enchem o ar com seu perfume suave. Gargano ocupa 176 quilômetros da costa e oferece centenas de belas praias, a maioria deserta.

Mahir e eu passamos a lua-de-mel na Costa Amalfitana, cujos limoeiros e laranjeiras me encantaram; sempre tive a intenção de voltar lá, mas, dez anos depois, em Gargano, foi como se tivéssemos retornado, pois descobrimos uma abundância dessas árvores, carregadas de frutos gigantescos, exibindo o mesmo encanto.

Passeamos pelas aldeias de Vieste e Peschici, parecidas com cenários de contos de fadas, com suas ruas de pedras, sacadas de ferro batido enfeitadas com flores, uma vista magnífica do mar e, de lambuja, um castelo à beira do abismo.

Vieste, com quinze mil habitantes, é cercada por muros de calcário caiados e cheia de cavernas marítimas. Diz a lenda que na torre branca chamada Pizzomunno, localizada perto da praia, vive o espírito de um pescador desiludido transformado em pedra pelas sereias que mataram sua amada.

A cerca de uma hora rumo ao sul fica Monte Sant'Angelo que, segundo consta, foi visitada algumas vezes pelo Arcanjo Miguel nos últimos 1.500 anos. O Santuário de São Miguel, com um campanário do século 13, foi nomeado Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 2011 - fato que, segundo Gege Mangano, dono de um restaurante na cidade chamado Li Jalantuumene, deve atrair ainda mais turistas. A casa tem um belo interior em estilo contemporâneo, mas preferimos jantar ao ar livre para admirar os muros medievais e o vale luxuriante.

No cardápio, as interpretações de Mangano para os clássicos regionais, como o orecchiette, uma massa feita de trigo sarraceno em vez de farinha comum, misturada com farinha de rosca tostada e brócolis rapini, acompanhado de um vidro de azeite de fabricação própria. Mangano pretende abrir quatro suítes estilosas para seus clientes, em parte por causa das reclamações de falta de boas acomodações na região. 

  • Franco Cautillo/La Chiusa Delle More/The New York Times

    Na pousada La Chiuse Delle More, há diversas opções gastronômicas, inclusive antipastas

Por incrível que pareça, a nova elegância de Gargano não inflacionou os preços. Para se hospedar num "agriturismo" como La Chiusa, por exemplo, as diárias duplas começam a partir de 160 euros (cerca de US$ 193 com o euro cotado a US$ 1,21) e incluem um café da manhã reforçado. Um bom jantar para dois, em média, sai entre 30 e 35 euros por pessoa.

O resultado é que os viajantes estão chegando; os proprietários já sentem um aumento no número de turistas nacionais e estrangeiros nos últimos anos. Domenico Cilente, dono do Gli Orti di Malva, um mini hotel luxuoso com duas suítes, disse que as reservas começam a ser feitas antes mesmo do início da alta temporada, em meados de maio (a região fica lotada até setembro). E o casal Martucci, que não conseguia encher todos os quartos da pousada quando a inaugurou, há oito anos, hoje tem que trabalhar com lista de espera.

Uma das hóspedes que conheci no La Chiusa durante a nossa estada foi Stefania Gaspari, que estava com o marido, Claudio, um distribuidor de carnes, e os dois filhos. A família mora na região de Marche, a duas horas de carro e, apesar da proximidade, ela disse que só descobriu Gargano há pouco tempo. "A gente sempre passava as férias na Costa Amalfitana, mas começamos a vir para cá com mais frequência", explica ela. "Além de ser menos lotado, tem bastante coisa para fazer."

Enquanto conversávamos na varanda, Martucci trouxe dois copos de vinho e sua mulher chegou com um prato enorme de bruschettas de berinjela e azeitonas cobertas com a mozzarella que tinha sido feita na fazenda vizinha naquela manhã - e com isso me acomodei na cadeira confortável, admirando a paisagem, e me senti como se estivesse em casa.

Se você for

Onde ficar
La Chiusa delle More, (39-330) 543-766; lachiusadellemore.it. Pousada de dez quartos instalada numa fazenda de oliveiras do século XVI, perto de Peschici. Diárias a partir de 80 euros ou US$ 97 (com o euro cotado a US$ 1,21) por pessoa.

Gli Orti di Malva, (39-347) 867-4712; gliortidimalva.it. Duas suítes luxuosas em Peschici com uma vista fantástica para o mar. Diárias a partir de 80 euros por pessoa.

Onde comer
Li Jalantuumene, (39-884) 565-484; li-jalantuumene.it. Restaurante requintado em Monte Sant'Angelo onde uma refeição saborosa para dois, mais um copo de vinho da casa, sai por 70 euros.

Ristorante Al Dragone, (39-884) 701-212; aldragone.it. O restaurante fica num prédio antigo de Vieste e oferece pratos da culinária regional num estilo refinado. A refeição para dois, mais um copo de vinho da casa, sai por 70 euros.

La Chiusa delle More, (39-330) 543-766; www.lachiusadellemore.it. O jantar com pratos da cozinha tradicional regional sai por 30 euros por pessoa para os hóspedes e 40 euros para os não hóspedes. O vinho é cobrado à parte, mas o limoncello caseiro está incluso.

O que fazer
Para passeios, turnês históricas e excursões, ligue para a IC Bellagio, (39-031) 952-059; icbellagio.com.