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Entre numa "máquina do tempo" para conhecer Vashon, ilha próxima a Seattle, nos EUA

Ethan Todras-Whitehill

New York Times Syndicate

14/07/2012 08h02

Sem que o resto do mundo soubesse, o Departamento Estadual de Transportes de Washington inventou uma máquina do tempo. Sim, ela se parece mais com uma balsa que faz a rota entre Seattle e Vashon uma dúzia de vezes por dia - mas como explicar então o que se vê quando se chega à ilha?

A apenas 22 minutos de centro de Seattle e com uma área do tamanho de Manhattan, ela é montanhosa e coberta de verde. Abriga uma população de dez mil habitantes e possui mais de uma dúzia de fazendas pequenas - do tipo que foi engolida pelos gigantes do agronegócio há décadas - que vendem seus legumes, verduras e ovos frescos em barraquinhas sem vendedores e que aceitam pagamento na base da honra. Na cidadezinha principal, os comerciantes tratam os clientes pelo nome e o único engarrafamento que se vê é na calçada, onde o pessoal para bater papo com os amigos, vizinhos e até com estranhos completos.


Tudo bem que a balsa pode não ser uma máquina do tempo de verdade, mas é o único meio de se chegar à ilha e sair dela. Ao contrário de Mercer e Bainbridge, mais desenvolvidas, Vashon não possui uma ponte que a ligue ao continente, fato que contribui, e muito, para mantê-la imune à passagem do tempo. De fato, os moradores chegaram a rejeitar o plano de construção de uma em 1992. O resultado é que Vashon manteve o jeitão de cidade pequena com cara de comunidade hippie, um lugar onde o pessoal de Seattle pode usufruir da vida no campo - e, de quebra, saborear um copo do vinho local numa exposição de sedas pintadas ou amoras colhidas no canteiro de um dos parques, praias ou áreas preservadas da região.

Para quem sai de Seattle, é uma ótima opção de viagem curta, perfeita para explorar a ilha de bicicleta e caiaque e o ritmo tranquilo da vida em Puget Sound. Essa visita eu fiz no ano passado, mas decidi que queria conhecer aquela vida um pouco melhor - e como minha mulher ia começar a trabalhar na Universidade de Washington, nós nos mudamos para lá em setembro.

Passei as primeiras semanas explorando as galerias, florestas e praias locais, dando uma de turista. O centro de toda a atividade, como logo descobri, é a cidade principal - que ocupa os trinta por cento do norte e também é chamada de Vashon. Muita gente nativa a chama simplesmente de Uptown. Vista sob um ângulo, é uma típica cidadezinha de interior, com três agências bancárias, uma loja de ferragens, o correio, um teatro, uma livraria e dois supermercados; por outro, é um enclave de hippies, com um café que serve comida vegana/sem glúten, uma loja de presentes que vende artigos como tapetes feitos à mão e peças de cerâmica, um estúdio de ioga, uma feira aos sábados e meia dúzia de galerias de arte que exibem de tudo, desde fotos da natureza até instalações feitas inteiramente de palavras.

Se quiser vivenciar essa experiência artística em primeira mão, você deve se hospedar perto de Vashon, onde vai encontrar o Artist's Studio Loft; se estiver procurando um destino rural, há várias pousadas que oferecem isolamento e paisagens espetaculares (dependendo do tempo).

Tirando a cidade principal, a ilha está cheia de comunidades minúsculas, muitas das quais não têm nem supermercado. Uma das poucas exceções é Burton, que fica a alguns quilômetros para o sul, ao longo da Vashon Highway, ladeada de árvores e vários haras. Se você incluir a Ilha Maury (que era separada até 1916, quando um istmo foi construído para ligar as duas), Vashon tem o formato de uma pinça de lagosta - e o espaço entre elas é o Quartermaster Harbor, onde fica a vilinha de Burton, tão minúscula que faz Vashon parecer uma metrópole. Ali há apenas um posto do correio, um mercadinho, uma mecânica e, por ser Vashon, uma galeria de arte e um antiquário.

  • Stuart Isett/the New York Times

    Há muitos anos, uma criança deixou uma bicicleta vermelha encostada numa árvore de Vashon (EUA), esquecida ali tanto tempo que nasceu um galho embaixo da magrela - e que, com o tempo, acabou incorporando o quadro ao seu tronco, deixando apenas as rodas e o guidão de fora


É onde também está o Burton Coffee Stand, talvez o melhor lugar para quem é de fora e quer captar o espírito da ilha. Construção pequena com um pórtico, decorada com trepadeiras e cadeiras Adirondack, todo dia o Stand recebe escritores, programadores, donas de casa e produtores para bater papo e fofocar com os amigos. Kathy Kush, dona e proprietária, parece saber o nome de todo mundo - mas, mesmo que se esqueça, lembra pelo menos do que você gosta de beber. Se Kathy ou os fregueses veem alguém que não reconhecem, geralmente bombardeiam a pessoa de perguntas, como aconteceu comigo da primeira vez; a população inteira de Burton queria saber sobre os meus livros e a pesquisa da minha mulher e pareciam querer competir um com o outro com piadas sobre o choque cultural ocasionado pela mudança do Brooklyn para Vashon.

Se fosse pelos meus amigos de Seattle, eu deveria esperar pequenas duas coisas de Vashon: amor livre e penteados rastafári. Uma vez que não vi ninguém de cabelo ensebado, contei aos moradores a imagem que a ilha tinha. Todos negaram categoricamente: "Não somos um bando de hippies malucos, não senhor!", declarou uma produtora de cabelos brancos, que me entregou seu cartão de visitas, no qual se identificava como a "Condessa do Composto Orgânico".

Qualquer que seja a sua definição de hippie, uma coisa é certa: Vashon é cheia de conhecedores e criadores de arte. A ilha tem uma fração da população de qualquer bairro de Nova York, mas, no entanto, conta com sua própria companhia de ópera, sociedade de música de câmara, passeios organizados a ateliês, um show de variedades chamado "Church of Great Rain", um programa Shakespeare no Parque e uma série de concertos de verão - sem falar na maratona das galerias na primeira sexta de cada mês (First Friday Gallery Cruise) e um centro de artes de US$ 16,5 milhões inaugurado este ano.

Esse santuário de artistas é também um destino popular entre ciclistas e caiaqueiros de Seattle - os primeiros, interessados nas trilhas no meio da floresta e os segundos, nas águas protegidas de Quartermaster Harbor. O Vashon Park District aluga caiaques de Jensen Point de maio a setembro - mas como minha casa nova ficava de frente para o mar, comprei um barco só para mim no Craigslist e passei muitas tardes explorando o porto. A fauna marinha foi minha companheira constante, desde os cardumes de águas-vivas eu tinha que empurrar, meio sem jeito, com o remo, até os bandos de patos-caretos cujas asas assobiavam ao cortar o ar, passando pela foquinha que não percebi até quase atropelá-la, mal vendo seus bigodes e o focinho acima da superfície da água.

Explorei regiões como Judd Creek, onde uma barcaça marrom avermelhada que fica semissubmersa toda vez que a maré sobe e que pertencia a um homem que, por razões que se perderam na história, encheu a embarcação com máquinas de costura como parte de sua preparação para converter a estrutura numa casa de barcos que pretendia levar até o Alasca.

E esse não é nem o monumento mais estranho de Vashon: essa honra pertence a uma árvore ao lado da estrada, perto do segundo cruzamento. Ela parece ter engolido uma bicicleta. Exageros à parte, a descrição não está muito longe da verdade: há muitos anos, uma criança deixou uma bicicleta vermelha encostada na árvore, esquecida ali tanto tempo que nasceu um galho embaixo da magrela _ e que, com o tempo, acabou incorporando o quadro ao seu tronco, deixando apenas as rodas e o guidão de fora. A árvore da bicicleta ficou famosa graças a Berkeley Breathed, de "Bloom County", que escreveu um livro infantil emocionante chamado "Red Ranger Came Calling".

Vashon não tem a mesma variedade gastronômica que o continente, mas também não se limita às opções de cidade pequena. Há uma casa de sushi (Red Bicycle Bistro, naturalmente), um restaurante chinês, dois mexicanos, um indiano, um de produtos naturais e o mais popular da ilha - o Hardware Store Restaurant, montado na antiga loja de ferragens de Vashon, uma construção de 121 anos. Na porta há um cartaz onde se lê: "O prato especial de hoje... é também o de amanhã".

Lá dentro, as paredes são decoradas com vitrais originais que anunciavam, entre outras coisas, "Aladim Lâmpadas e Acessórios" e "Armas e Munição". Da cozinha saem pratos caseiros caprichados, com especialidades como frango frito com leitelho e bolinhos de carne de caranguejo com aioli de pimentão vermelho grelhado.

Da próxima vez que estiver em Seattle ou região, tire um ou dois dias para se perder nas estradinhas de Vashon. Almoce em Uptown e saia sem destino e sem mapa, parando apenas para provar os tomates das barraquinhas que vai encontrar ao tentar voltar para a estrada principal. Calce um par de botas de borracha e vá pegar mexilhões em Tramp Harbor na maré baixa e, antes de se trocar, dê uma espiada na nova exposição do Centro de Artes Blue Heron. Você vai se sentir em casa. Por fim, pare no Burton Coffee Stand antes que feche, às três da tarde, para cumprimentar Kathy e todos os excêntricos que vão tratá-lo com um vizinho de longa data - e, quem sabe?, um deles pode ser eu.


  • Stuart Isett/the New York Times

    Se você incluir a Ilha Maury (que era separada até 1916, quando um istmo foi construído para ligar as duas), Vashon (EUA) tem o formato de uma pinça de lagosta

Se você for


Pode-se chegar a Vashon pela Península Kitsap no oeste e Tacoma no sul, mas a via mais comum é através de Seattle, de onde saem balsas a cada vinte minutos até uma hora, dependendo da hora do dia.

Em termos de hospedagem, tenha em mente o seu objetivo. Quem quiser explorar o cenário artístico local vai querer ficar no Artist's Studio Loft, a nordeste da cidade (206-463-2583; vashonbedandbreakfast.com; diárias de US$ 119 a US$ 215). Os que preferirem curtir o espírito rural deve ficar em Burton, onde o Quartermaster Inn está fechando, mas uma novo estabelecimento deve abrir as portas logo (ligue para a Câmara de Comércio de Vashon, 206-463-6217, para maiores detalhes). Já quem prefere apenas descansar e apreciar a beleza natural deve optar pelo Swallow's Nest Guest Cottages (206-463-2646; vashonislandcottages.com; diárias entre US$ 105 e US$ 230), em Maury, onde dois chalés têm vista excelente do Puget Sound e do Monte Rainier.

O Hardware Store Restaurant (17601 Vashon Highway SW; 206-463-1800; thsrestaurant.com) é o ponto de encontro da ilha e, por isso, é bom fazer reservas às sextas e sábados. Mais adiante, na mesma rua, o Red Bicycle Bistro (17618 Vashon Highway SW; 206-463-1800; redbicyclebistro.com) oferece música ao vivo e um ótimo sushi às sextas, mas o chef geralmente fica muito sobrecarregado. Para evitar o horário de pico, vale a penas chegar mais cedo ou mais tarde.

A Vashon Island Bicycles (9925 SW 178th St.; 206-463-6225; vashonislandbicycles.com) aluga bicicletas por US$ 20 por dia enquanto que o Vashon Park District (vashonparkdistrict.org) aluga caiaques em Jensen Point, perto de Burton, por US$ 20/hora ou US$ 75/dia.