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Nápoles frugal: misturando o obrigatório com o "vamos ver o que acontece"

SETH KUGEL

New York Times Syndicate

08/10/2011 06h59

Roma tem o Coliseu, Florença tem o “Davi” de Michelangelo, Veneza tem os canais e Nápoles... tem batedores de carteira e lixo não recolhido nas ruas?

Nada me atrai mais a uma cidade do que generalizações que desencorajam os viajantes tímidos, mantêm os preços baixos e preservam as filas curtas - e que, por outro lado, deixam pessoas como eu muito contentes.

Sou um novato na Itália e esta era minha primeira vez em Nápoles. Logo, apesar de amar perambular e descobrir, em vez de visitar locais estabelecidos, eu me perguntei se poderia ignorar as mais famosas pizzarias e igrejas do mundo. Deixar de lado Pompeia e Miss Capri, a ilha que dá nome à calça e à salada feita com tomate, mussarela e manjericão?

Minha solução: fazer algumas visitas obrigatórias e algumas do tipo "vamos ver o que acontece".

Quando saí do metrô perto do centro histórico de Nápoles, foi preciso aproximadamente 10 segundos de cacofonia para que eu me apaixonasse. Uma bola de futebol passou rolando por mim com crianças correndo atrás dela, pedestres tagarelavam e gesticulavam nas esquinas como figurantes representando de modo exagerado em um set de cinema; motos corriam perigosamente; e roupa lavada balançava ao vento em praticamente toda sacada antiga. Eu adoro cidades sem secadoras de roupa.

As coisas ficaram ainda melhores quando encontrei I Fiori di Napoli, minha pensão de 35 euros por noite, escondida em um prédio sem número e sem placa. Ao subir os degraus de mármore até o terceiro andar deste prédio do século 18, ao largo das ruas estreitas do Bairro Espanhol, eu fui recebido por Manuela Colosimo, uma das proprietárias.

Manuela, que falava um inglês fluente, mas com leve sotaque napolitano, me forneceria infinitas sugestões (e mapas, guias e um café forte) ao longo da semana.

Sua primeira sugestão: a Trattoria Nennella, a apenas duas quadras de distância, onde um jantar com dois pratos e uma garrafa de vinho (nota: uma garrafa só para mim), uma garrafa de água, uma taça de cerejas e garçons que berravam e dançavam merengue, me custou 12 euros.

Manuela também cuidou da minha roupa suja, graças a Deus (eu estava ficando quase sem roupas limpas), mas a chuva adiaria o retorno das vestimentas por vários dias. Quem manda gostar de paisagens urbanas com roupa lavada pendurada.

Centro

Eu decidi passar meu primeiro dia perambulando pelo centro histórico, gastando sete euros para ver o “Cristo Velado” de Giuseppe Sanmartino, no Museo Cappella Sansevero, uma escultura impressionante que mesmo os ateus irão considerar divina.

Também experimentei a pizza no famoso Di Matteo (três a seis euros) e o calzone no Pizzaiolo del Presidente (batizado após a visita do presidente Bill Clinton – quatro euros). Ambos estavam bons, no melhor estilo napolitano, apesar de ter considerado a massa um pouco empapada no centro, e o Di Matteo ter tentado cobrar um euro a mais na minha conta, um erro incômodo, mas possivelmente sem má-fé. Aproveitei para visitar o Museu Arqueológico Nacional e a grande concentração de lojas de cenas da Natividade na Via San Gregorio Armeno.

Entrei, então, em uma barbearia no Bairro Espanhol para que meu cabelo fosse cortado por um barbeiro de 73 anos chamado Ciro, que exerce seu ofício na mesma esquina há 50 anos. Isso me custou oito euros e nós conversamos o tempo todo, o que foi impressionante, já que ele nem mesmo sabia dizer “corte de cabelo” em inglês e eu nem mesmo conseguia pedir um fettucine Alfredo no Olive Garden.

Mas os italianos têm formas de se fazerem entender. Ciro não foi o único (nem mesmo o único Ciro). Uma senhora, do lado da qual sentei após participar de uma das excursões populares às cisternas gregas e aquedutos romanos transformados em abrigos antiaéreos na Segunda Guerra Mundial, me contou histórias de quando sua família se refugiou neles durante a guerra, quando ela tinha 8 anos (eu acho). 

  • Seth Kugel/The New York Times

    Senhores almoçam no 'A Cucina 'e Mammà, restaurante napolitano pouco visitado por turistas

E o homem que conversou comigo enquanto eu caminhava pelas ruas estreitas de outro bairro residencial: ele me guiou a uma minúscula trattoria de aparência rústica, chamada ‘A Cucina ‘e Mammà, com um almoço especial a sete euros. Toda a conversa parou quando entrei, um sinal claro de que não se tratava de um endereço voltado para turistas (eu não consegui encontrar um link em inglês, então aqui está o endereço: Via Fario 101).

Ao redor e ao acaso

Misturar os lugares batidos com os menos explorados foi uma boa estratégia na minha primeira saída fora de Nápoles. Eu fui a Pompeia, que comprovou sua reputação de pesadelo lotado de turistas e onde eles inexplicavelmente ficaram sem mapas para acompanhar o guia de áudio, de modo que desembolsei 6,50 euros por um (fatores redentores: Pompeia é impressionante e acompanhar os grupos de turistas oriundos dos navios de cruzeiro é uma ótima forma de conseguir um guia turístico gratuito). 

Mas eu também fui à menor, menos lotada e mais bem preservada vítima do Monte Vesúvio: Herculano. Com o objetivo de economizar dinheiro, eu comprei naquela manhã um ArteCard de 27 euros, válido para três dias (o cartão é tanto um vale transporte regional quanto um desconto de 50% para a maioria das atrações culturais na área. As primeiras duas atrações são gratuitas, de modo que faz sentido visitar Pompeia e Herculano primeiro, que a 11 euros cada uma, são as mais caras).

Por outro lado, acabei descartando Capri e, em vez disso, segui o conselho de Manuela e fui para Procida, uma ilha de pescadores onde os moradores de Nápoles passam os fins de semana de verão, por causa de suas praias de areia preta vulcânica. Fora alguns restaurantes nos portos, é difícil imaginar uma ilha que liga menos para os turistas. Isso é fantástico. Mas que tal ao menos reformar a prisão abandonada na colina, para que as pessoas possam visitá-la?

  • Seth Kugel/The New York Times

    Turistas passeiam e tomam sol na ilha de Procida, localizada nas proximidades de Nápoles

De volta a Nápoles naquela noite, eu achei que já tinha tido minha cota de pizzarias famosas e fui para uma estação de metrô aleatória, partindo em uma direção ao acaso em busca de uma pizzaria qualquer. O bairro onde fui parar, Mater Dei, não tinha nada, de modo que achei que tinha cometido um erro. Então notei que, em uma rua extremamente estreita, grupos de jovens na faixa dos 20 anos se reuniam do lado de fora de uma... pizzaria?

Este é um bairro comum, mas se os napolitanos estavam dispostos a esperar 90 minutos por uma mesa, eu sabia que não se tratava de uma pizzaria de bairro mediana, uma impressão confirmada pela foto do proprietário servindo pizza ao papa João Paulo 2º e pela evidência de que Vittorio De Sica filmou partes de “O Ouro de Nápoles”, com Sophia Loren, lá. 

Trata-se da Pizzeria Starita, famosa entre os entendidos em pizza, mas ignorada pelas horas de turistas (eu era o único estrangeiro lá naquela noite). Todas as futuras pizzas que provarei serão comparadas à racchetta, uma pizza de sete euros em forma de raquete, com ricota e cogumelos escondidos no cabo e tomates, berinjela e mussarela de búfala na cabeça da raquete.

Talvez seu gosto tenha sido melhor por causa da companhia. Eu fiz muitas amizades enquanto aguardava na fila, incluindo uma mulher chamada Manuela (minha segunda Manuela!), que tinha morado em Nova York e se encarregou de ser minha tradutora.

Último dia

Eu aperfeiçoei minha mistura de descobertas e visitas obrigatórias no meu último dia, quando fui à Pasticceria Volpe, uma confeitaria que a Manuela da fila da pizzaria me sugeriu. Consultando o mapa, eu vi que era muito fora do meu caminho apenas para comer doces, mas descendo a rua ficava o Museu Nacional de Capodimonte, um museu de arte em um palácio Bourbon na colina.

Eu tomei o metrô até a confeitaria, que ficava em um bairro moderno pouco encantador. Tentei explicar em um italiano patético para uma jovem funcionária, chamada Anna Maria, que uma amiga tinha me indicado: “Eu. Americano. Ontem. Pizza. Amiga. Comer. Doce. Mmmm”.

Seus olhos se acenderam. “Ah, Manuela!"

Manuela passou naquela amanhã e lhes disse para me esperarem. De repente eu era amigo de todo mundo. Anna Maria me trouxe um punhado de babàs, deliciosos mini-sfogliatelle, e a especialidade da casa, minibolos de mousse que provei em cereja e pistache. Eu paguei 5 euros por algo que estou certo que valia o dobro disso. O proprietário, Giovanni Volpe, também me mostrou orgulhosamente que ele era um dos chefs confeiteiros de algo chamado “gourmets em turnê”, um evento que cobre toda a Itália e que passaria por Nápoles.

  • Seth Kugel/The New York Times

    Em Nápoles, a Pizzeria Starita vende, por poucos euros, deliciosas pizzas em forma de raquete

De lá, foi uma curta caminhada até o museu, cheio de arte incrível e sem a presença de outros visitantes e guardas. Foi surreal caminhar sozinho pelas salas elegantes contendo obras de El Greco e Caravaggio, esculturas romanas da coleção Farnese e móveis do século 18. Eu poderia ter corrido pelado pelos corredores.

Durante minha estadia em Nápoles, eu não fui roubado, apesar de ter sido cuidadoso: deixei meu relógio em casa, guardei meu dinheiro nos bolsos fechados dos meus shorts Barca antibatedores de carteira e permaneci fora de ruas escuras o máximo possível, em uma cidade onde metade das ruas são escuras. Quanto ao lixo, apesar de ter sido obrigado a tapar meu nariz e contornar algumas pilhas ocasionais, eu fui informado que não estava tão ruim como nas crises anteriores de lixo, de modo que troco as pequenas inconveniências pela ausência de multidões de turistas sem pestanejar.

Se você for

A pensão I Fiori di Napoli foi uma grande experiência; eu a encontrei no EuroCheapo.com, que me fez reservar por meio do Venere.com. Você também pode fazer reserva pelo site da pensão. O ArteCard é obrigatório para economizar dinheiro, e vem em muitas variedades adequadas para a duração de sua visita e seus interesses.

A balsa para Procida custa 9,50 euros saindo de Nápoles, mas apenas sete euros saindo de Pozzuoli, na região de Campi Flegrei, com acesso por metrô. Para muito, muito mais, verifique o fantástico site em língua inglesa de Bonnie Albert, Napoli Unplugged. Quem me dera tê-lo descoberto antes dos meus últimos dias na cidade!

Minhas contas

499,78 euros! Minha primeira semana dentro do orçamento e tendo meu próprio quarto? Incrível. Após a despesa inicial de 120,70 euros com o trem de Nice para Nápoles (tomei o trem das 5 horas da manhã e assombrei o lounge do meu albergue em Nice até as 4 horas da manhã, para evitar pagar pela cama), eu consegui comer pizza diariamente, pagar por uma abundância de cafés expressos a 0,80 euro e até mesmo comer refeições completas em trattorias.

Foi uma enorme diferença da Riviera Francesa, onde tive que passar batido e com água na boca por muitos restaurantes ao ar livre, a caminho de outro sanduíche com fruta no mercado. A maior despesa foi cultural, na qual contei com a ajuda do ArteCard.