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Arte moderna em meio a pedras ancestrais em Cuenca, na Espanha

ANDREW FERREN

New York Times Syndicate

02/05/2011 19h13

Culpe Toledo. Se você nunca ouviu falar de Cuenca, a cidade histórica espanhola pitoresca e no alto de uma colina, a duas horas de carro ao leste de Madri, é porque Toledo, a cidade histórica espanhola pitoresca e no alto de uma colina, fica a apenas uma hora de carro (ou a um passeio de meia hora de trem) de Madri. Para os visitantes à procura de uma excursão, Toledo sempre triunfou.

  • Carlos Lujan/The New York Times

    A catedral gótica de Cuenca, cuja construção começou em 1182, foi fortemente danificada durante a Guerra Civil Espanhola


Mas isso poderá mudar em breve. Em dezembro, o rei Juan Carlos e a rainha Sofía inauguraram a nova rota de trens AVE de alta velocidade da Espanha, que liga Madri a Valencia, na costa mediterrânea, com alguns trens parando em Cuenca. A adorável Cuenca (56 mil habitantes), lar de ofertas culturais muito mais amplas do que seu tamanho modesto, aguarda pelo seu close-up há séculos. Agora que o AVE leva você até lá em cerca de 45 minutos de Madri, esse momento pode ter finalmente chegado.

Fundada pelos mouros como uma fortaleza logo após sua chegada à Península Ibérica no século 8º, Cuenca não fica exatamente sentada sobre uma colina, mas sim se espalha pelo dorso de uma cadeia rochosa, serpenteando entre desfiladeiros deslumbrantes esculpidos por dois rios, o Huécar e o Júcar. Cuenca pode parecer precária, mas sobreviveu - e até prosperou - por séculos (não é de estranhar que sua cidade murada histórica foi declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco em 1996).

Naquela cidade velha, ruas de pedestres meandram e às vezes atravessam por um túnel as estruturas centenárias agarradas às encostas. Os mais icônicos desses edifícios são os Casas Colgadas - as ‘Casas Penduradas’ empoleiradas dramaticamente sobre o desfiladeiro do Huécar - que já foram residências nobres e atualmente abrigam o Museo de Arte Abstracto Español, o centro da próspera cena de arte da cidade.

  • Carlos Lujan/The New York Times

    As Casas Colgadas - empoleiradas sobre o desfiladeiro do Huécar - atualmente abrigam o Museo de Arte Abstracto Español, em Cuenca


Nos anos 1960, a escarpada e remota Cuenca foi o berço da arte abstrata espanhola. Vários artistas tinham casas e estúdios na cidade - Gerardo Rueda, Antonio Saura, Gustavo Torner - mas o museu deve sua existência a um só, Fernando Zóbel (1924-1984), que se especializou em telas abstratas pintadas delicadamente.

Descendente de uma rica família hispano-filipina, Zóbel também era um colecionador. Em 1966, ele decidiu compartilhar sua coleção, incluindo suas próprias obras, com o público, e assim criou o museu com a ajuda de seus companheiros artistas Torner e Rueda. Ele rapidamente ganhou reputação mundial.

‘O que você fez em Cuenca é seguramente uma das obras de arte mais admiráveis, algo realmente brilhante’, escreveu Alfred Barr, ex-diretor do Museu de Arte Moderna de Nova York, para Zóbel em 1970, após uma visita. ‘Um equilíbrio notável da pintura, escultura e arquitetura.’

Em 1980, para garantir o funcionamento contínuo do museu após sua morte, Zóbel doou a coleção para a Fundação Juan March, que continua a administrá-la até hoje.

Com seu desenho peculiar, com paredes brancas e vigas brutas, de cor caramelo, as Casas Colgadas são o ambiente ideal para apreciar a arte abstrata espanhola, desde as formas esculpidas tensamente potentes de Eduardo Chillida até as pinceladas quase maníacas de Antonio Saura. Ao longo do caminho, olhe para fora pelas janelas e você verá a versão da natureza da arte abstrata, nas paredes rochosas escarpadas do desfiladeiro.

Em muitos dos prédios vizinhos - alguns deles ex-conventos ou posadas - se encontram pelo menos meia dúzia de outros museus e fundações relacionados a este período fértil da arte espanhola.

Uma que não pode ser perdida é a coleção de Antonio Pérez - como Zóbel, um colecionador presciente que reuniu um conjunto maravilhoso de arte abstrata espanhola, assim como trabalhos mais recentes de artistas como Miquel Barceló e Andy Warhol. E há o Espacio Torner, uma exposição aberta recentemente das obras de Gustavo Torner, um cidadão local (nascido em 1925), lindamente instaladas em uma capela do século 16. A seleção destaca a agilidade de Torner em mudar de meio - desde obras minimalistas sutis em madeira e plexiglass até enormes esculturas geométricas em aço que parecem flutuar sem peso.

Os prédios históricos em torno das Casas Colgadas também são um ótimo lugar para estabelecer uma base. Vizinho ao Espacio Torner fica o Parador de San Pablo, um dos vários hotéis na cidade situados em antigos conventos. Outro, o Hotel Convento del Giraldo, ainda abriga freiras enclausuradas em seu segundo andar (cuidadosamente bloqueado).

A poucos passos de distância, a impressionante catedral gótica de Cuenca, cuja construção teve início em 1182 e, como a maioria das igrejas da cidade, foi fortemente danificada durante a Guerra Civil Espanhola, foi reformada com a substituição dos vitrais coloridos na nave e nas capelas laterais por vitrais projetados por Torner e Rueda. Mesmo os tetos ornamentados da era renascentista, elaboradamente entalhados, nas capelas atrás da abside, já oferecem uma abstração geométrica, embora de tempos anteriores.

É claro que algumas opções culturais da cidade vão além do abstrato: há um museu de ciências com exposições interativas boas para crianças, assim como o novo Museo de la Semana Santa de Cuenca, que celebra as procissões da Semana Santa que atraem milhares de visitantes a cada ano. Em dois andares de galerias evocativamente escuras, o museu recria a atmosfera das procissões com vídeos e monitores de tela de toque, bem como esculturas, objetos sagrados e trajes elaborados em exposição. Entre as tradições de Cuenca, e representada no museu, está uma procissão de Sexta-Feira Santa conhecida como La Turba, que lembra o percurso de Jesus até o Calvário. Uma estátua de Cristo é carregada pelas ruas enquanto um grupo especial de participantes toca ruidosamente tambores e grita provocações contra a imagem.

Pelo menos até agora, a topografia acidentada e o isolamento que fizeram de Cuenca uma colônia de artistas romanticamente remota há 50 anos têm mantido a cidade um destino de preço acessível para os viajantes modernos. Mesmo na alta temporada, as diárias dos hotéis raramente sobem acima de 200 euros, e jantar fora em um dos muitos bares de tapas e restaurantes tradicionais da cidade muitas vezes sai por uma pechincha.

Atualmente, a badalação gastronômica gira em torno do Manolo de la Osa, um restaurante aberto há seis meses dentro de um dos elegantes pavilhões de vidro do Ars Natura, mais outro museu, desta vez com foco na história natural. O cardápio de degustação com 11 pratos - muitas vezes com iguarias como o foie gras, ostras, bacalhau e cordeiro local - custa apenas 50 euros (70 euros com vinho) para uma refeição que poderia facilmente custar 100 euros ou mais em Madri ou Barcelona.

  • Carlos Lujan/The New York Times

    O Ars Natura, um museu de história natural, é conhecido também por abrigar um restaurante, em Cuenca


Além de vistas fantásticas da cidade velha, o restaurante oferece um curso intensivo de especialidades culinárias da região: javali, queijo manchego, açafrão e o famoso alho roxo da vizinha Las Pedroñeras. A especialidade da casa é a sopa de alho. A versão do Manolo tinha a riqueza habitual de cor e sabor do prato, mas desconstruída e artisticamente composta: o amarelo brilhante de uma gema de ovo escaldada, um pouquinho de páprica laranja escuro e um pedaço de baguete dourada torrada, cortada em fatias finas como renda, sobre a qual um caldo marrom rico é derramado. Como os vitrais do século 20 na catedral da cidade, é uma versão em arte abstrata colorida de um dos elementos tradicionais favoritos.
 

Se você for


Como chegar lá
Operado pela Renfe (www.renfe.es), o trem de alta velocidade AVE leva cerca de 45 minutos da estação Atocha em Madri até Cuenca; passagens de ida e volta a partir de 46,10 euros.

Onde ficar
Convento del Giraldo (Calle San Pedro 12; 34-96-923-2700; www.hotelconventodelgiraldo.com). Trinta e quatro quartos modernos em um antigo convento, com vista para o desfiladeiro do Huécar e com serviço atencioso. Quartos duplos a partir de 56 euros.

Parador de San Pablo (Subida de San Pablo s/n; 34-96-923-2320; www.paradores.es). Situado em um convento do século 16 lindamente restaurado, do outro lado do desfiladeiro em relação às Casas Colgadas. Quartos duplos a partir de 155 euros.

La Posada de San José (Calle Julián Romero 4; 34-96-921-1300; www.posadasanjose.com). Um famoso restaurante é complementado por 22 quartos, alguns com terraços. Quartos duplos a partir de 74 euros.

O que ver e fazer
Museo de Arte Abstracto Español (Calle Canonigos; 34-96-921-2983; 3 euros). Além da coleção permanente, uma exposição de obras de Pablo Palazuelo está em exibição até 27 de fevereiro.

Catedral de Cuenca (Plaza Mayor s/n; 34-96-922-4626; entrada: 2,80 euros).

Fundación Antonio Pérez (Ronda Julián Romero; 34-96-923-0619; entrada franca).

Espacio Torner (Hoz del Huécar; 34-96-923-8373; 3 euros).

Museo Diocesano (Calle Obispo Valero 1; 34-96-922-4210; 2 euros).

Museo Semana Santa (Calle Andrés de Cabrera 13; 34-96-922-1956; 3 euros).

Museo ArsNatura (Calle Rio Gritos 5; 34-96-927-1700; 3 euros).


Onde comer
La Bodeguilla de Basilio (Calle Fray Luis de León 3; 34-96-923-5274). Tapas para duas pessoas, aproximadamente 30 euros.

Manolo de la Osa (Calle Rio Gritos 5; 34-96-921-9512; www.restaurantearsnatura.com). Jantar para dois, com vinho, cerca de 150 euros.

Mesón Casas Colgadas (Calle Canonigos 3; 34-96-922-3509; www.mesoncasascolgadas.com). Almoço para dois, 70 euros.