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Na Ásia Central, Mongólia oferece capital frenética e vastidão das estepes

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Josh Weil
New York Times Syndicate

Em setembro, as colinas que cercam Ulan Bator, a capital árida e um tanto estranha da Mongólia, ficam cobertas de flores. A seus pés, bairros inteiros de "gers", ou tendas, cercam a cidade. As estruturas circulares de lona com suporte de estacas e isolamento de feltro abrigam os nômades da Ásia Central desde os tempos anteriores a Genghis Khan, antes mesmo que o país existisse. Hoje, metade de sua população vive na capital ou perto dela. Para entender o porquê, basta olhar além das tendas, para onde se elevam os escritórios e condomínios: Ulan Bator está crescendo, e rápido. Os guindastes estão por toda a parte; o trânsito - uma mistura de Hummers e Lexuses, calhambeques reformados e ônibus lotados - não para. É impossível ignorar as benesses econômicas que a mineração de cobre, ouro e carvão representa para a cidade há anos.

Ela também trouxe visitantes. Nos últimos dez anos, o PIB da Mongólia mais que dobrou e o turismo o acompanhou. No primeiro semestre de 2012, mais de 280 mil pessoas estiveram no país (a maioria sendo chineses, russos e sul-coreanos; os norte-americanos vêm em quarto), superando em quase 50 por cento o número anual de visitantes de uma década atrás. No entanto, apesar desse movimento, a Mongólia continua sendo o país menos populoso do mundo, com pouco mais de três milhões de habitantes para mais de 1,5 milhão de quilômetros quadrados. Essa é uma terra em que você pode se perder na quietude da imensidão das estepes.

A menos, é claro, que ainda esteja em Ulan Bator, junto com a metade da população.

"U.B. é a pior parte da Mongólia", disse Dan Bailey no meu primeiro dia na cidade. Como guia de pesca que faz passeios pelos rios do país, ele deve saber. À noite, eu já concordava com ele. Afinal, não tinha ido para a Mongólia para ver uma metrópole. Quase ninguém vai. A maioria dos turistas só se vê na capital por causa do Aeroporto Internacional Genghis Khan, ou seja, procura sair dali na primeira oportunidade.

  • Ulan Bator tem edifícios modernos e homenagens ao passado conquistador dos mongóis

Porém, depois de uma semana caminhando por suas ruas, conheci duas Ulan Bators: a barulhenta, cheia de prédios e gente que toma as pessoas de assalto assim que põem os pés ali; e a rica em cultura, carismática, que envolve a todos na primeira oportunidade.

Revolução econômica

Em 1990, manifestantes conseguiram cortar os laços com uma União Soviética em pedaços - e embora o levante pareça perfeitamente adequado em uma terra que já abrigou uma horda de cavaleiros incontroláveis, a revolução econômica atual vem gerando um crescimento industrial que não tem nada a ver com a Mongólia bucólica que muitos visitantes esperam encontrar. A capital é uma cidade poluída e de trânsito lento, com 50 Cent dançando em uma tela gigantesca de frente para o shopping center State Department Store; um lugar onde há uma loja da Versace na mesma praça em que a estátua de Lênin ficou até outubro passado, quando foi retirada e leiloada.

Esta é a Ulan Bator a que Jan Wigsten, o sueco fundador da empresa de turismo Nomadic Journeys, se refere quando fala de uma capital na "sobremarcha da transição". Wigsten vai para a Mongólia há mais de trinta anos e viu as entradas dos prédios passarem de pátios com playgrounds e jardins ("aquele conceito romântico de uso comunal") para portas que se abrem diretamente para a rua. Viu os grupos de meninos de rua que se espalhavam pela cidade, com seu senso de desespero, e a forma como a expansão econômica os fez desaparecer. "É mais ou menos como voltar aos anos 50", disse ele sobre o "boom" econômico e as implicações que acarretou.

De fato, a Ulan Bator que conheci primeiro parecia mesmo uma cidade no início de uma década de prosperidade: avenidas lotadas de mais carros do que poderiam comportar, gente correndo para o trabalho, restaurantes anunciando fast-food. Hambúrgueres e fritas? Nada disso. Cadeias como Khaan Buuz e Mongol Khuushur oferecem "buuz", bolinhos recheados de carne de carneiro no vapor, e "khuushuur", a versão frita. Eu bebi "suutei tsai" - chá com leite salgado de brilho gorduroso - e comi com as mãos até meus dedos ficarem encharcados de óleo. Esse parece ser o meio mais rápido de mergulhar na cultura local, pelo menos até poder ir para o interior, que era o meu plano inicial.

A segunda Ulan Bator é a cidade que pude apreciar semanas depois, depois de vários dias caminhando pelas estepes centrais, várias noites acampando sob a chuva e atravessar as montanhas que fazem fronteira com a Sibéria em um cavalo semiselvagem. Aí fiz inúmeras refeições com carne de carneiro servidas ao redor dos fogões fumacentos dos "gers" dos pastores e incontáveis xícaras de chá gordurento.

Porém, ao voltar para a cidade, descobri uma variedade de vertentes culinárias cosmopolitas adequadas exclusivamente a uma cultura criada para conquistar - e unificar - tantas regiões díspares do mundo.

  • A área central da Mongólia, no continente asiático, possui lindas paisagens montanhosas

E essa minha jornada gastronômica começou no bairro de Sansar, atrás do Wrestling Stadium, em um restaurante tranquilo, o Hazara, nome da tribo do norte da Índia que, no século XIII, seguiu o exército de Genghis Khan de volta para as estepes da Mongólia. Depois de semanas comendo comida sem graça, quase desmaiei com o aroma de cardamomo que exalava da gigantesca perna de carneiro marinada em rum e assada em forno "tandoori", servida com "baingan bharta", um purê de berinjela, tomate e cebola temperado com pimenta e coentro - para depois mergulhar em um estupor satisfeito em meio aos troncos e cortinas que fazem de cada mesa um esconderijo próprio.

Outra experiência inesquecível me aguardava no Urlag, escondido dentro do Palácio da Cultura. A casa não é só um restaurante coreano, mas sim norte-coreano. Apesar da novidade de ver uma ópera na TV em homenagem ao "Querido Líder", foi a comida que me surpreendeu: um prato de massa de trigo sarraceno transparente e frio que ganhou ardor graças ao molho de "kimchi" e um pato assado tão gostoso que me fez voltar na noite seguinte.

Em Naran Tuul, movimentado mercado na região leste da cidade onde toucas de pele enfeitadas com patas de raposa e smartphones são vendidos lado a lado a estribos de montaria, parei em uma "tsainy gazar", ou casa de chá. Ali descobri um prato de "tsuban", massa tipo noodles acompanhada de carne de carneiro e cenoura muito honesta - sem contar a salada de repolho e batata e os pãezinhos no vapor "mantuu".

Museus

A comida não foi a única coisa que aprendi a apreciar em Ulan Bator. Apesar de viajar pelas estepes e aprender a admirar o povo que ali vive - na maioria pastores nômades de cavalos, carneiros, cabritos e iaques - foi na capital que conheci a história de força e determinação do povo mongol. Metrópole fundada há apenas 200 anos como um acampamento nômade chamado Cidade do Feltro, Ulan Bator praticamente não tem arquitetura antiga. E em um país em que os soviéticos eliminaram os monges e seus monastérios, os templos budistas de Choijin Lama e Gandan Khiid decepcionam um pouco.

Entretanto, o verdadeiro passado do país se encerra nos séculos anteriores à fundação da capital - e essa história ganha ainda mais força no Museu Nacional da História da Mongólia. Ali, em um prédio de concreto a oeste da Praça Sukhbaatar, frases do fundador da nação forram as paredes. Caminhando entre armaduras e trompetes feitos de ossos humanos, eu quase podia ouvir a voz de Genghis Khan: "Prestem atenção, meus filhos; minha vida foi curta demais para conseguir conquistar o mundo. Essa tarefa agora é sua."

  • Imagem da agitada e interessante Ulan Bator, a principal cidade da Mongólia, na Ásia

Atualmente a Mongólia é quinze vezes menor do que era no auge do império, mas ainda assim grande demais para ser explorada no mês que eu tinha para passar ali. Por isso, foi nos corredores abandonados do Museu de Vida Selvagem que cheguei mais perto de apreender a vastidão da natureza local. Depois que encontrei o porteiro e ele acendeu as luzes das salas empoeiradas - que exibiam desde lobos rosnando a crânios de carneiros com seus chifres imensos - foi que percebi como era maravilhosa a variedade da fauna local e como eram preciosos os espécimes que haviam restado.

É uma boa desculpa para visitar o país agora. Embora o Ministério do Meio Ambiente e Turismo tenha reservado quinze por cento do território para áreas protegidas como Mongol Daguur e o Parque Nacional Khustain, a mineração continua a ameaçar as gazelas que pastam no leste, os camelos selvagens raros e os ursos-de-Gobi do deserto e a destruir o habitat das renas, lobos e últimos leopardos-das-neves das montanhas do norte.

Se a Mongólia proteger seus tesouros naturais tão bem quanto os culturais (incluindo as estátuas budistas do século XVII e autorretratos de seu grande artista, Zanabazar, no Museu de Belas Artes que leva seu nome, além do canto difônico e da dança contorcionista do Grupo de Dança e Música Mongol), se tornará cada vez mais popular - e Ulan Bator se tornará cada vez mais um alívio mais que bem-vindo dos rigores do interior.

Quase ao final da minha visita, caminhei na direção oeste a partir da praça, em busca do Centro de Sofisticação Divina do Xamã Eterno. Descobri dois "gers" empoeirados cercados por uma corrente. Fincada na terra em frente a eles estavam oferendas para os espíritos - os rabos dos cavalos que pertenceram aos mortos, esticados na ponta de lanças. O portão estava trancado; o centro, fechado. Assim, continuei caminhando rumo às colinas, na direção do amontoado de "gers" na periferia. Não demorou muito para eu me ver dentro de um cemitério enorme, com o perfil dos prédios de Ulan Bator à distância. Ali, entre os novos arranha-céus, o maior deles brilhava: o Blue Sky, um hotel de luxo com 200 quartos. Com seus 25 andares de vidro azul, o edifício e seu nome lembram a imagem central do espiritualismo mongol, o Eterno Céu Azul. Por todo o país vi fitas azuis marcando os lugares sagrados, amarradas a árvores antigas nas passagens entre as montanhas e nas lápides espalhadas à minha volta.

No dia seguinte, vi uma apresentação da Grande Orquestra Nacional, com seus violinos de cabeça de cavalo e instrumentos de sopro feitos com chifres de vacas, interpretando uma versão energética de "We Are the Champions" - mas foi naquela tarde, entre as flores silvestres e os estilhaços de garrafas de vodca que brilhavam ao sol, que entendi que as vastas planícies às minhas costas e a cidade moderna que se erguia à minha frente eram partes iguais na formação do caráter do país, inseparáveis da história que as ligava.

Se você for

Cidadãos norte-americanos não precisam de visto para visitas de até 90 dias (mas os brasileiros precisam).

Onde ficar

Hospedaria Nassan (Baga Toiruu Street West, building A4; nassantours.com): talvez tenha o gerente mais prestativo de Ulan Bator, no mesmo nível que os quartos limpinhos e os chuveiros quentes. A diária do dormitório sai US$7/pessoa; a do quarto, US$30, que acomoda até quatro pessoas. Tanto a hospedaria como o Blue Sky dão os preços já em dólares americanos.

The Blue Sky Hotel & Tower (Peace Avenue. 17; blueskytower.mn): O primeiro hotel de luxo de Ulan Bator fica perto da Praça Sukhbaatar e possui academia, clube noturno, restaurantes e uma vista imbatível do lounge externo (diárias entre US$192 a US$3 mil).

Onde comer

Urlag (Amaryn Gudamj Street, dentro do Palácio da Cultura; 976-9907-9894; facebook.com/urlagrestaurant): restaurante norte-coreano com óperas patriotas na TV e pratos sublimes na mesa (pratos principais a 9 mil tugrik ou US$6,35, 1.420 MNT = US$1).

Hazara (Peace Avenue 16, atrás do Wrestling Palace; 976-9919-5007): clima elegante, serviço atencioso e pratos sofisticados da culinária indiana em porções excepcionalmente grandes (pratos principais variam de onze mil a 25 mil tugrik; os vinhos, de treze mil a 91 mil tugrik).

Gobi Cave (Amarsanaa Street, lado oeste, ao norte da Damdinbazar Street; 976-1136-1520; facebook.com/gobicave): com um tema espeleológico meio exagerado, esse restaurante turco é diferente de todos os lugares de Ulan Bator, quiçá do mundo. Divertido de visitar ? e a comida é boa também (pratos principais a sete mil tugrik).

Tsainy Gazar No. 2 (Mercado Naran Tuul, hangar de metal, entrada dos fundos): local excelente para provar a tradicional comida da Mongólia. Limpo, com serviço ágil e mais complexidade (e verduras) que a maioria (almoço sai por três mil tugrik).

Onde beber

Budweiser Bar (Sukhbaataryn Gudamj Street, esquina noroeste da Praça Sukhbaatar): boa cerveja tcheca e bela vista da praça principal da cidade.

The Cherry Lounge (Tokyogiin Gudamj Street, lado oeste, ao norte do Wrestling Palace): a casa, que antes era o Sexy Jazz Lounge, ainda tem um clima aconchegante, com iluminação indireta e fotos dos grandes nomes do gênero nas paredes vermelhas.

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