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Romântico

Capital da Amazônia Peruana, Iquitos é mística e famosa pelo ayahuasca

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Nina Burleigh
New York Times Syndicate

Antes de começar, um esclarecimento: em Iquitos, no Peru, essa sua correspondente não consumiu ayahuasca, o alucinógeno usado em rituais religiosos, apesar de ter visto caleches multicoloridos puxados por motos, buracos na rua onde caberia um Fusca, uma torre Eiffel perdida na selva, um cavalheiro empurrando um cavalo vermelho e dourado de carrossel pela avenida, uma mulher parando o trânsito com uma coreografia com direito a pompons e ouvido os sinos badalando a trilha sonora de "Além da Imaginação" a cada quarto de hora. O surreal é a realidade de Iquitos, que orgulhosamente se autodenomina "a capital da Amazônia".

Cheguei à cidade depois de sete dias navegando pelo rio Amazonas e seus afluentes, caminhando pela mata, dando de cara com tarântulas e jiboias, vendo os botos-cor-de-rosa brincarem nas ondas do grande rio e degustando coquetéis de uma bebida feita de ervas supostamente afrodisíacas chamada "21 Raices". Naquele momento, Iquitos me pareceu mais urbana do que se tivesse acabado de chegar de Nova Iorque.

Na confluência dos rios Amazonas, Nanay e Itaya, fica a cidade portuária mais distante do mar do mundo, a cerca de 3.200 km do Oceano Atlântico. Cercada por água, acessível somente pelo ar ou por barco, a opção mais comum de transporte é a motocicleta, atrelada como se fosse um cavalo a um caleche de dois lugares. O verde contínuo da selva se abre a um raio de oito quilômetros para revelar um labirinto de ruas pavimentadas (ou não) bem movimentadas e prédios em tons desbotados de vermelho, verde e marrom. Aqui é possível encontrar todas as manifestações da civilização - desde a graciosa arquitetura moura espanhola, com seus pórticos em arco, a igrejas do século 18, passando por cassinos modernos, ruas esburacadas e chatas lotadas de madeira e outras matérias-primas, incluindo petróleo e ouro, extraídos para o mundo exterior.

Em Lima, antes de partir para a exploração da selva amazônica, almocei com um líder político que me avisou que Iquitos era "meio que um inferno", mas até achei a cidade bem charmosa. De fato, é a escolha perfeita para aqueles que gostam de retiros românticos com uma pitada de caos.

O lugar me conquistou minutos após a minha chegada, quando saí para andar no Malecón, o calçadão de elegância decadente que oferece uma excelente vista do rio Amazonas quando ele começa a subir. Saí do torpor causado pelo calor úmido do meio do dia graças aos gritos e à aglomeração perto de uma barraquinha de suvenires causada pela visão de uma mulher, com um pé do chinelo em punho, perseguindo um moço bonito pela rua, seguida por várias outras, inclusive com bebês no colo. Será que era o namorado que aprontou ou um ladrão? Alguma coisa na cena sugeria a primeira opção.

Se você curte o arquipélago de Florida Keys dos anos 30, com direito a Hemingway e contrabandistas de armas, ou simplesmente está fugindo de um divórcio cabeludo, do Leão ou das consequências de um crime grave, Iquitos é o lugar certo. Vai encontrar gente provavelmente na mesma situação, além de ter a chance de experimentar o Viagra da selva (com o nome inspirador de "Levanta Lázaro") ou comprar um tucano ou esquilo na feira por menos do que custaria atravessar Manhattan de táxi na hora do rush. Um viajante tarimbado pode mergulhar aqui alguns dias e sair com lembranças inesquecíveis da vida na selva - sem contar que está se tornando o destino favorito de quem quer ter um barato no meio do mato.

Comecei minha visita de três dias com um ceviche no almoço, acompanhado de um pisco sour (bebida nacional do Peru) em um restaurante flutuante exclusivo chamado Al Frio y Al Fuego, ao qual só se chega de barco. Do deque da chata é possível admirar o perfil irregular e um tanto pitoresco da cidade cujo grande destaque é uma estrutura azul gigantesca que faz até os navios atracados no porto parecerem menores - um edifício inacabado e vazio de dez andares que deveria ser um hotel e foi construído por narcotraficantes ou o prédio público onde deveria funcionar alguma agência estatal, dependendo a quem se pergunta. Uma torre de celular encarapitada no topo completa o espetáculo, assim como as trepadeiras que se agarram aos espaços onde deveria haver janelas.

De volta à terra firme, segui meu mapa até os principais pontos turísticos caminhando pelas calçadas esburacadas enquanto motos barulhentas circulavam no calor da tarde. A cidade se espalha por vários quilômetros a partir da Plaza de Armas, sendo que a área mais interessante é o centro, onde ficam as mansões de sua Era Dourada, monumentos esquecidos pelos milionários da época. Foi ali que descobri a Casa de Ferro, estrutura projetada por Gustave Eiffel e cujas peças foram trazidas da Bélgica. Diz a lenda que ela deveria ser levada para a capital da Bolívia, no fim do século 19, mas quando o capitão do barco percebeu que a encomenda espicharia a viagem pela Amazônia em seis meses, simplesmente resolveu deixá-la em Iquitos. Já foi um hotel e uma casa noturna e hoje funciona dividida em várias lojas.

Além dela, há cerca de doze casarões ao redor da praça e ao longo do Malecón, muitas das quais habitadas hoje por militares; outras foram transformadas em hotéis e há as abandonadas, em vários estágios de descaso. Cobertas de azulejos portugueses e decoradas com móveis franceses, as casas são tudo o que restou da era em que os barões da borracha eram a elite da época - até 1911, quando alguém levou as sementes da seringueira para a Indonésia e descobriu como cultivá-la em plantações, acabando com o negócio dos magnatas.

A história desses ricaços da borracha fascinou o alemão Werner Herzog, cujo filme de 1982, "Fitzcarraldo", conta a história real de um capitalista da selva chamado Fitzcarrald (como os nativos chamavam Fitzgerald) que comprou um barco a vapor em Lima e pediu para ser entregue na selva, desmontado. Na alegoria do cineasta, que mostra o homem dominando a natureza, o personagem título força os índios a arrastarem a embarcação através da lama, das montanhas e da mata até chegarem a Iquitos.

Dirigindo o filme, estrelado por Klaus Kinski e Claudia Cardinale, Herzog ficou famoso por fazer os atores transportarem um barco de verdade pela floresta, façanha tão extravagante e difícil que gerou um documentário sobre o making of do longa.

A Casa Fitzcarraldo, homenagem à produção, é um hotel idílico escondido por um portão de madeira situado em uma avenida movimentada perto do porto, na periferia. Seu proprietário é Walter Saxer, um suíço magrinho e de bigode branco que produziu os filmes de Herzog e comprou a propriedade nos anos 80 para acomodar os atores.

Em geral, quem visita Iquitos são turistas ocasionais que estão indo ou vindo da selva, mineiros, engenheiros de empresas petrolíferas ou pilotos que trabalham na indústria extrativista amazônica. De uns anos para cá, porém, cresceu o número de exploradores europeus e norte-americanos que, em busca da paz interior, se veem atraídos pelo ayahuasca, mistura de várias espécies que tem efeito purgativo e alucinógeno.

A coisa funciona mais ou menos assim: depois de sofrer com os espasmos de vômito e diarreia, o usuário passa por um período de seis horas de alucinação durante as quais, segundo reza a lenda, conhece "a mãe", em forma de cobra, que lhe revela o significado da vida.

Depois de uma semana na selva à base de ácido salicílico, a última coisa de que eu precisava era um purgante - ou uma alucinação, considerando a irrealidade da paisagem que me cercava, mas não podia ir embora sem visitar um xamã. Contratei uma guia, Carol, que concordou em me levar a um dos curandeiros. Aos 46 anos, mãe de cinco filhos, ela me confessou que estava pensando seriamente em fazer uma limpeza espiritual com a droga para descobrir como fugir de um casamento ruim.

Os turistas do ayahuasca geralmente se encontram com os xamãs no Karma Kafe, uma cafeteria no centro da cidade instalada em um prédio de seis andares de concreto e mármore do século 19, e só depois são levados de barco a um dos vários postos no meio da floresta para se submeterem à mistura em períodos que vão de alguns dias a algumas semanas. Carol e eu pegamos um moto-táxi que nos levou até a periferia; de lá, fomos caminhando por uma trilha coberta de lixo até Belén, onde quinze mil pessoas vivem em palafitas, casebres cobertos de sapé sobre uma mistura de esgoto, vitórias-régias e água do rio.

Para chegar à casa do nosso curandeiro era preciso atravessar uma tábua escorregadia de cem metros sobre um lamaçal; depois, subimos uma escada irregular e nos vimos em um cômodo longo e vazio, onde ele nos aguardava, descalço, usando uma calça feita à mão e uma regata. Sua mulher, sentada no chão perto dele, costurava uma gola de palhaço vermelha em uma camisa azul turquesa.

O homem, baixinho e de cabelos escuros, tinha 50 e muitos anos e se chamava Alfredo Cairuna. Pediu para que nos sentássemos contra a parede para um tipo de pré-consulta. Ajoelhou na nossa frente, cantando num dialeto indígena; a seguir, encheu a boca com o líquido que havia em uma garrafa (depois fiquei sabendo que era água de flores e ervas) e jogou sobre nossas cabeças. Pediu que lhe contássemos nossos problemas amorosos, o que Carol fez mais que depressa, confessando que gostaria de tomar a droga, sob sua supervisão, para saber o que fazer a respeito do marido mulherengo. Pelo visto, o divórcio estava fora de cogitação.

De volta ao centro, paramos para um drinque em um bar de expatriados chamado Yellow Rose of Texas. O dono, Gerald Mayeaux, um engenheiro do setor petrolífero texano atarracado, vive no meio da selva desde a década de 90. Seu estabelecimento, um bar e restaurante distribuídos em vários andares, é dez por cento casa de diversão e 90 sótão de maluco com TOC. Há uma verdadeira floresta de objetos pendurados no teto - piranhas empalhadas, bolas de futebol americano, crânios de animais, manequins de vitrine, casco de tartaruga gigante, ferraduras… os bancos do bar são selas e as garçonetes usam o uniforme laranja das animadoras de torcida do Longhorn da Universidade do Texas.

Em uma das paredes dei de cara com Alfredo Cairuna e sua mulher - com a tal da blusa azul-turquesa - em um pôster que anunciava o "Hospital da Natureza". Ele não tinha dito que era famoso.

Como todos os expatriados que conheci em Iquitos, Mayeaux não era só simpático, mas parecia desesperado para conversar, o que era de se esperar dos moradores da selva cujos contatos com a civilização eram raros. Ele jura que não se sente solitário nem tem saudade. "É mais saudável viver aqui. Oxigênio puro. A comida não é processada, a água não é poluída. É tudo orgânico."

Mayeux aprecia o turismo que o ayahuasca atrai para a cidade, mas é cético em relação ao seus efeitos. "E eu lá vou pagar alguém para vomitar e ter diarreia?" E me aconselhou a visitar outro norte-americano, Alan Shoemaker, se quisesse saber mais coisas a respeito da droga.

Lá fui eu de novo de moto-táxi para visitá-lo. Sapateiro, nativo de Harkin, no Kentucky, Alan se mudou para a floresta há vinte anos por causa de "forças místicas". Autodenominado o Timothy Leary do ayahuasca, ele foi um dos propagadores internacionais do alucinógeno e conta que já deve tê-la consumido umas duas mil vezes. Seu livro, "Ayahuasca Medicine: The Shamanic World of Amazonian Sacred Plant Healing", será publicado no ano que vem. Há nove anos Shoemaker organiza a Conferência Internacional do Xamanismo Amazônico que reúne centenas de pajés de todos os cantos do mundo e pretende organizá-los em um sindicato para profissionalizar a prática.

Shoemaker, que não pratica no Peru em deferência aos xamãs nativos, diz que o influxo de turistas gerou também o surgimento de um grande número de charlatães. Quatro pessoas já morreram no Peru nos últimos anos e várias garotas foram estupradas.

Depois de me despedir do "curandeiro blanco", voltei para o centro. Passei batida por um dos inúmeros "chifas", restaurantes chineses-peruanos com nomes como Nueva Yingbing que servem pollo con rolinhos de ovo e me dirigi a um restaurante minúsculo que anunciava "Pizza y Vino". Enquanto esperava pela comida, dei uma olhada no Iquitos Times, guia de viagem que listava as atrações da cidade para anglófonos. Em destaque na primeira página a notícia: "Garoto de oito anos sobrevive a ataque de cobra". Nos classificados, uma destilaria de rum à venda por US$800 mil, com direito a barco Yamaha e tudo.

À noite, acordei com um barulhinho misterioso. A princípio pensei que estivesse sonhando, mas depois percebi que, no silêncio absoluto, era possível ouvir o sino da igreja marcando cada quarto de hora.

Na manhã seguinte voltei à realidade quando, com Carol, fui visitar a feira de Belén. O melhor horário para isso era pela manhã ? e com um guia para se defender dos batedores de carteira e explicar o desconhecido. Alguns produtos eram facilmente reconhecíveis, como o morango e os inúmeros tipos de batatas peruanas, mas outros pareciam mais misteriosos, dezenas de frutas e legumes nunca vistos além do Canal do Panamá - como o buriti (que, segundo os moradores, faz as mulheres locais dar à luz sete vezes mais meninas que meninos).

Peixes-gato gigantes e outras iguarias amazônicas eram mantidas em baldes por causa de um sem-fim de cachorros famintos. Por alguns dólares era possível comprar uma tartaruga inteira para o jantar - e inclusive escolher uma na pilha horrenda disposta na barraca. Tucanos e macacos eram vendidos a 50 soles ou o equivalente a não mais que US$20.

Várias bancas ofereciam plantas medicinais para todas as doenças imagináveis, desde artrite e malária até câncer, desidratadas, frescas ou misturadas em xaropes escuros. Óleo de cobra, ou "grassa" de jiboia, uma substância esbranquiçada, era boa para acabar com dores nas costas e fortalecer os músculos; minúsculas porções de ovas de caracol secas eram vendidas para acne e esperma de golfinho, para atrair um parceiro.

Por fim, chegamos ao fim da feira e descemos para as margens do rio Itaya, onde nosso guia e condutor do barco, Lito, cobrou 30 soles, ou cerca de onze dólares, para navegar os canais do que ele chamava - com a maior seriedade do mundo - de "Veneza peruana". Dava para ver que estávamos entrando em uma área de esgoto a céu aberto, usada pelos moradores das favelas de Belén como banheiro. Os golfinhos brincavam ao lado das balsas, lotadas de madeira, que seguiam a caminho do Brasil e do mar.

Os visitantes que se cansarem da bizarrice da cidade podem conferir um dos santuários naturais da região. Eu fui a um centro de resgate do peixe-boi onde foi possível até alimentar um filhote órfão, resgatados depois que suas mães são mortas, geralmente por causa da carne.

Eu me despedi da Capital da Amazônia depois de três dias. No moto-táxi a caminho do aeroporto, vi um arco-íris que rasgava o céu - e embora soubesse que era muito pouco provável que voltasse a passar por ali, o estranho sonho de Iquitos permaneceria comigo durante muito tempo.

Onde ficar
Se você procura luxo excêntrico (e o cineasta hipster ocasional) dentro dos limites da cidade, mais o quarto que Mick Jagger ocupou quando fez uma ponta no filme de Werner Herzog, nos anos 70, a diária da Casa Fitzcarraldo (Avenida la Marina, 2153; 51-65-601136; casafitzcarraldo.com) custa 280 soles, cerca de US$105 com o dólar a 2,7 soles.

Para os viajantes que querem luxo na selva, vários complexos possuem guias que organizam passeios diários pelo rio e pela feira de Belén; em um deles, o Amazon Reise Eco Lodge (Calle Nauta, 262; 51-65-797219) a diária chega a 750 soles, mas geralmente há descontos.

A menos que você tenha perdido a carteira no aeroporto, não há motivo para procurar as acomodações mais baratas de Iquitos - só se você quiser sentir o cheiro do Albergue Flying Dog (Malecón Tarepaca 592; 51-65-223755) por curiosidade. Diárias a 75 soles.

Eu fiquei no Marañón Hotel (Fitzcarrald/Nauta 289; 51-65-242673; hotelmaranon.com), convenientemente situado perto do Malecón e das casas dos barões da borracha. Limpíssimo, tem uma piscina minúscula. Diária de 166 soles.

Onde comer
Yellow Rose of Texas (Putumayo Street 180; (51-65-23-1353)). Em plena Cidade Velha, ótima opção para conferir o movimento bebericando uma cerveja gelada em uma das mesas externas de pinho. Os vários salões internos servem pratos da cozinha Tex-Mex, peruana e italiana a preços moderados, além de aperitivos no bar. O dono, Gerald Mayeaux, pode complementar as refeições com seu coquetel favorito, a margarita de camu-camu, feita a partir do suco ácido da fruta.

Al Frio y Al Fumego (Avenida La Marina 18; 51-65-96560-7474). Um restaurante flutuante exclusivo com uma vista fantástica e piscina, com bar, servindo café da manhã, almoço e jantar de 25 a 65 soles. No cardápio, as especialidades incluem sete tipos de cérvice e peixe em folha de palmeira. A balsa pega/leva os clientes na margem do rio, a cinco minutos de distância. 

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