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Chef de Ratatouille já existiu e dá nome a restaurante estrelado na França

Adriana Nogueira

Do UOL, em Salieu, na França

18/05/2017 04h00

Na animação “Ratatouille” (2007), o chef Auguste Gusteau é um cozinheiro parisiense famoso, com direito a programa de TV e linha de produtos com seu nome, que morre após seu restaurante ser negativamente avaliado por um crítico gastronômico. O mote do desenho tem raízes na história verídica do chef francês Bernard Loiseau, cujo restaurante foi visitado pelo UOL, no começo deste mês.

Loiseau suicidou-se em fevereiro de 2003, aos 52 anos, logo após a imprensa noticiar que ele poderia perder a terceira estrela no “Guia Michelin”, publicação referência para a gastronomia mundial. De 1991 a 2016, a casa ostentou essa classificação máxima, tendo perdido uma estrela no ranking de 2017.

O restaurante Relais Bernard Loiseau –antigo La Côte D’Or—fica em Saulieu, a cerca de quatro horas de carro de Paris. A cidadezinha de 2.479 habitantes está situada no coração da antiga região da Borgonha –hoje Borgonha Franche-Comté--, famosa pelos seus vinhos e por sua gastronomia. O lugar foi um dos estabelecimentos visitados pela produção de “Ratatouille”.

O chef francês Bernard Loiseau, que se suicidou em 2003 - AFP - AFP
O chef francês Bernard Loiseau, que se suicidou em 2003
Imagem: AFP
A reportagem foi recepcionada por Dominique Loiseau, viúva do chef. É ela quem, desde a morte de Bernard, está à frente do grupo com o nome do marido e que inclui o Relais Bernard Loiseau –que é ainda um hotel cinco estrelas—, e mais quatro restaurantes, sendo um deles o Loiseau des Vignes, em Beaune, também em Borgonha Franche-Comté, uma estrela no “Guia Michelin”.

Segundo o livro “The Perfectionist – Life and Death in Haute Cuisine” (“O Perfeccionista – Vida e Morte na Alta Gastronomia”, em tradução livre do inglês), do jornalista Rudolph Chelminski, a arma de fogo com a qual Bernard matou-se –dando um tiro na cabeça—foi presente de Dominique.

A restauratrice é uma elegante mulher de 62 anos. Na visita do UOL, falou com entusiasmo da missão que tem de proporcionar uma experiência inesquecível a quem come e/ou se hospeda no Relais Bernard Loiseau, honrando a incansável busca do marido pela perfeição. A fala de Dominique foi permeada de reverência a Bernard, cujo rosto é onipresente em muitas fotos espalhadas pelo hotel/restaurante.

Maratona com 8 pratos

De fato, uma refeição no Relais Bernard Loiseau passa longe de ser somente um bom almoço ou jantar. E não é só pelo preço (um menu de jantar –composto por oito pratos—custa 245 euros por pessoa ou R$ 840), mas também pelo ar de ritual que cerca a experiência. É preciso fôlego para encarar a maratona à mesa e não temer sabores estranhos à culinária brasileira.

O chef Auguste Gusteau, personagem da animação "Ratatouille" - Divulgação - Divulgação
O chef Auguste Gusteau, personagem de "Ratatouille" inspirado em Loiseau
Imagem: Divulgação
A refeição começou com um aperitivo, composto, entre outras iguarias, por escargot frito e espumante rose com a marca Bernard Loiseau. Nessa primeira parte, a reportagem teve a companhia de Dominique, que falou com orgulho do envolvimento das filhas, Bérangère e Blanche, na paixão familiar pela gastronomia (ela e Bernard ainda são pais do rapaz Bastien). A primeira atua na área de marketing do grupo de empresas do pai e a segunda faz estágio na cozinha de um restaurante três estrelas Michelin na Espanha.

Já no salão do restaurante propriamente dito foi a vez da entrada, uma mistura de embutidos envoltos por uma crosta de pão e de mais três pratos principais (escalope de foie gras --fígado de pato--, posta de peixe saint-pierre na manteiga com ervilhas e algas e carré de cordeiro com feijão branco).

Tudo regado a dois vinhos –um premier cru branco (o segundo melhor na classificação dos vinhos da Borgonha) e um tinto de apelação regional (classificação mais simples) --servidos e explicados pelo sommelier da casa--, e acompanhados por pães frescos, ofertados de tempos em tempos pelos garçons.

Entre um prato e outro, o grupo no qual o UOL estava ainda recebeu a visita na mesa do chef Patrick Bertron, atual comandante das caçarolas no Relais Bernard Loiseau e que trabalhou com o próprio.

Festival de doces

Não bastasse a honra de deixar a cozinha em um momento crucial do serviço, Bertron ainda convidou a todos para um tour pela área, dando a oportunidade de ver in loco as sobremesas que seriam logo mais degustadas serem preparadas.

De volta à mesa, os doces foram trazidos e, pasme, mais uma surpresa: o chef presenteou o grupo com quatro sobremesas diferentes, para que os comensais pudessem experimentar um pouco de cada uma delas. Na lista, rabanada com framboesas e sorbet de estragão; morangos com biscoito e sorbet a l’oseille; crepe de ruibarbo e hibisco e torta de chocolate da República Dominicana com sorbet de laranja kinkan e “telha” de gergelim.

Um cafezinho acompanhado de mais uma rodada de docinhos lindos de ver e de comer encerrou a noite –entre os quais uma fina “telha” de amêndoas, deixando no ar que o Relais Bernard Loiseau não deve desistir de trazer de volta a estrela perdida no “Guia Michelin” de 2017.

Uma cidade para amantes da gastronomia

A cidade de Salieu respira gastronomia e não só pela presença do Relais Bernard Loiseau. Há outras experiências gastronômicas possíveis para orçamentos mais modestos, do perfumado frango assado vendido na tradicional feira de sábado –que acontece na praça em frente ao estabelecimento estrelado— a bons restaurantes com comida de bistrô (pratos da culinária tradicional francesa e vinhos regionais servidos em ambiente rústico com boa relação custo/benefício), como o Le Bistro Charolais, onde se pode comer o famoso boeuf bourguignon (carne de boi cozido no vinho com legumes).

*A jornalista viajou a convite da Atout France e da Air France.