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Parque em GO abriga um dos maiores complexos de cavernas da América Latina

Eduardo Vessoni

Do UOL, em São Domingos (GO)*

16/07/2015 00h13

A 485 km de Brasília, o município goiano de São Domingos é a principal porta de entrada para o Parque Estadual de Terra Ronca (PETeR), uma área de 57 mil hectares, considerada uma dos maiores concentrações de cavernas da América Latina e um dos destinos deste tipo mais respeitados do planeta. 

A área protegida, com corredores subterrâneos formados há 600 milhões de anos, abriga 200 cavernas secas e outras 60 molhadas, cujo acesso exige cruzar rios interiores que rasgam a escuridão.

Dentro do parque, apenas 17 grutas estão abertas para visitação. E isso já é suficiente para vivenciar uma das experiências cênicas mais impactantes do Brasil. Só para ter a dimensão, o PETeR abriga sete das 30 maiores cavernas do País, com extensões que ultrapassam mais de 14km de canais interligados.
 
A formação rochosa que dá nome ao parque está a 50 km de São Domingos e tem números grandiosos. Sua entrada, uma das maiores bocas naturais de caverna no Brasil, tem 96m de altura - o mesmo que um prédio de 36 andares - e 120m de largura - equivalente ao comprimento de um campo de futebol. 
 
O local é acessado por uma trilha breve, com rochas de calcário e árvores típicas do Cerrado, como gameleiras. Cortada pelo Rio da Lapa, cuja transposição é obrigatória em alguns trechos, a caverna de Terra Ronca abriga salões iluminados naturalmente e outros mais profundos, que exigem o uso de luz artificial.
 
A 8 km dali, a caverna São Bernardo 2 faz o nível da adrenalina subir. Com 2km de extensão e dona de um dos cenários mais impactantes de um complexo de três grutas, o local tem boca de 40m de diâmetro com acesso por uma dolina, como são chamadas as depressões formadas pela infiltração de água ou pelo desmoronamento do teto de uma caverna. 
Vista do ?Salão dos Espelhos?, ambiente de teto baixo da Lapa da Angélica que abriga águas represadas pela calcita e dão forma a esse lago, em Terra Ronca, Goiás - Eduardo Vessoni/UOL - Eduardo Vessoni/UOL
Vista do 'Salão dos Espelhos', ambiente de teto baixo da caverna Lapa da Angélica
Imagem: Eduardo Vessoni/UOL
 
Passada a etapa da descida íngreme a 45º até o interior da São Bernardo, o visitante ainda precisa cruzar um rio pouco convidativo (tanto por sua velocidade quanto pela baixa temperatura), caminhar com água até a cintura e se equilibrar entre rochas para atravessar áreas mais perigosas. Tudo isso sob total escuridão: a única luz vem do capacete de cada um dos visitantes. 
 
Os destaques dali são o encontro das águas dos rios São Bernardo e Palmeira, dentro da própria caverna, e o Salão de Pérolas, onde repousa uma espécie de ninho de pedras brancas arredondadas, que dão nome ao local.
 
Já a Lapa da Angélica, com pouco mais de 14km de extensão, é a mais extensa de todo o parque e é uma das dez maiores do Brasil, segundo o Cadastro Nacional de Cavernas, divulgado pela Sociedade Brasileira de Espeleologia.
 
Ainda que seja uma das atrações de fácil acesso, essa caverna é exigente, sobretudo com quem não está acostumado a andar em terrenos escorregadios e de teto baixo. Em certos trechos, é necessário o uso de cordas.
 
A Angélica é conhecida pela grande quantidade de salões naturais e cortinas, com estalactites e estalagmites milenares de formas surreais. 
 
Essa e todas as outras cavernas da região de Terra Ronca ainda são ilustres desconhecidas do viajante brasileiro com alma mais aventureira. Inclusive entre os próprios goianos, que ainda veem o destino como um paraíso distante e exótico. E olha que Goiás está entre os cinco estados com o maior número de cavernas do País: são 718, para ser mais exato, segundo o Cadastro de Cavernas do Brasil. 
A caverna São Bernardo 2, em Terra Ronca, tem 2km de extensão e é dona de um dos cenários mais impactantes de um complexo de três grutas, no extremo nordeste de Goiás - Eduardo Vessoni/UOL - Eduardo Vessoni/UOL
A caverna São Bernardo 2, em Terra Ronca, tem 2km de extensão
Imagem: Eduardo Vessoni/UOL
 
O guia que tem uma caverna como quintal
Sabe aquele anfitrião que recebe as visitas com café no bule, bolo assado e que sai logo mostrando os cômodos da casa para o recém-chegado? Na casa de 'seu' Ramiro é quase assim. O café tem, mas em vez do tour residencial ele leva visitantes para dentro daquilo que costuma chamar de sua segunda casa: as cavernas de Terra Ronca.
 
O guia Ramiro Hilário dos Santos nasceu ali mesmo, em uma casa rural de chão batido, localizada a poucos metros da caverna que dá nome à região: a impressionante Terra Ronca. “A caverna é o quintal da minha casa”, conta, orgulhoso. 
 
Não seria exagero dizer que Ramiro é o próprio homem das cavernas. Foi batizado e se casou dentro de uma, tem no currículo a descoberta de 159 delas (11 com rio e 148 secas) e é considerado o primeiro goiano a explorá-las. Ele não tem pressa em apresentar cada uma das formações rochosas e conduz visitantes de acordo com o ritmo dos forasteiros. 
 
Antes das primeiras instruções para a empreitada caverna adentro, Ramiro ajoelha-se diante do altar construído pelo avô Antônio Hilário dos Santos, o Antoninho da Lapa, e pede proteção para aquela sequência de imagens religiosas, dispostas bem na porta de sua segunda casa. 
 
É ali, diante de uma construção desbotada, que culmina a Romaria do Bom Jesus da Lapa de Terra Ronca, manifestação católica que enche o local de romeiros entre os dias 5 e 6 de agosto.
 
Durante a visita guiada, Ramiro ajuda turistas a se equilibrarem sobre a pedra estreita que interrompe a passagem e, quando a gente se dá conta, está imerso no interior da caverna escura e com água batendo no peito, em certos trechos da travessia. 
Ramiro, considerado o primeiro goiano a explorar cavernas em todo o estado de Goiás, observa a entrada da Terra Ronca, uma das atrações impactantes da região - Eduardo Vessoni/UOL - Eduardo Vessoni/UOL
Ramiro é considerado o primeiro goiano a explorar cavernas em Goiás
Imagem: Eduardo Vessoni/UOL
 
De tanta intimidade com a região, ele teve até seu nome incorporado ao de um peixe raro descoberto pelo próprio guia, o ituglanis ramiroi (uma espécie endêmica da Caverna São Bernardo, que é encontrada em canais superiores alimentados por água de infiltração na rocha). 
 
Nas cavernas, para cada formação que mereça ser vista, Ramiro lança a potente lanterna de LED que traz no bolso do macacão. É ali que ele prepara uma das experiências mais marcantes de toda a visita.
 
O guia pede que meu acompanhante coloque a mão sobre meu ombro, antes que todas as luzes dos capacetes sejam apagadas. Ramiro se afasta e nos sugere ouvir o silêncio e aproveitar o escuro total. Sem nos avisar, o guia se dirige até a parte posterior de uma das cortinas e dá início a um show de luzes com sua única lanterna, iluminando, ele mesmo, todas aquelas formações milenares.
 
E é só naquele momento que a gente consegue entender o nome oficial daquela imensa sala de tetos altos: Salão das Cortinas. 
 
Serviço
O CAT (Centro de Atendimento ao Turista) fica no centro de São Domingos, onde os guias podem ser contratados. As diárias custam R$120**, aproximadamente. Tel.: (62) 3425-1110 / (62) 9632-9498.
 
Site oficial do turismo de Goiás: www.goiasturismo.go.gov.br
 
* O jornalista viajou com o apoio da Goiás Turismo
** Valores consultados em junho de 2015