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Cena gay de Berlim é feita para visitantes de todas as tribos

Eduardo Vessoni

Do UOL, em Berlim*

06/08/2013 13h56

Contraditória como deve ser uma digna cidade mutante, a capital alemã é dona de uma das cenas gays mais liberais da Europa.

Berlim não perde tempo em erguer bandeiras coloridas em defesa de minorias, não se esconde em guetos monotemáticos, não se importa com códigos de vestuário e se exibe sem esnobismos (ou afetação) em locais que vão de estabelecimentos alternativos a casas voltadas para experiências, digamos assim, mais profundas.

Seja qual for o endereço ou o dia da semana, a cidade parece sempre disposta a celebrar a diversidade. E para cada perfil de viajante existe um bairro diferente. Para alguns moradores locais, o turístico Schöneberg é o lado mais clichê da cena gay de Berlim, onde estabelecimentos como bares e restaurantes reforçam suas tendências com bandeiras de arco-íris penduradas do lado de fora.

Declarada, historicamente, a meca gay de Berlim, a região começou a ficar conhecida, já nos anos 20, como um bairro exclusivo de artistas. Atualmente, Schöneberg abriga endereços clássicos como a residência de Christopher Isherwood, renomado escritor britânico que ficou famoso pelo relacionamento com um garoto trinta anos mais novo, e o antigo teatro Eldorado onde se apresentaram símbolos da cena gay mundial como Marlene Dietrich e Claire Waldoff em um local que hoje funciona como um mercado de comida orgânica (www.speisekammer-naturkost.de).

Outra instituição gay do bairro é o Café Berio (www.cafeberio.de), estabelecimento sisudo com decoração retrô que costuma receber belas exposições fotográficas com temática gay. As cadeiras voltadas para a rua são a tradução literal da manjada expressão “ver e ser visto”.

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    A parada gay de Berlim é realizada nas ruas da capital alemã no final de junho, desde 1979

No entanto, é em Kreuzberg que o público jovem se encontra. Este famoso bairro, espaço da contracultura desde a Queda do Muro de Berlim, em 1989, abriga restaurantes e lojas moderninhas frequentados pelo público gay. Conhecida como Little Istanbul devido à concentração de moradores e comerciantes turcos, a região é endereço de bares e cafés como o Melitta Sundström (www.melitta-sundstroem.de) e o Barbie Bar (www.barbiebar.de), estabelecimento de interior glamouroso e iluminação baixa.

O bairro também conta com o SchwuZ (www.schwuz.de), uma das casas noturnas mais antigas de Berlim e conhecida pelas noites temáticas com nomes sugestivos como “Pêssego e Creme” e “Madonna Mania”, e o SO36 (www.so36.de), casa onde o público gay pode ouvir sons como punk, metal, hip-hop, tecno e drum.

Outros destinos

Friedrichshain é o bairro dos estudantes e destino para os que procuram endereços inusitados como a festa mensal Kino International (www.klub-international.com) que ocorre em uma construção em forma de caixote do período em que a Alemanha esteve dividida pelo famoso Muro de Berlim; e a Berghain (www.berghain.de), casa noturna localizada em uma antiga usina com paredes de 18 metros de altura e capacidade para 1500 pessoas.

A valorização imobiliária e a chegada massiva de novas famílias transformou Prenzlauer Berg em um bairro onde gays se misturam entre casais de héteros e carrinhos de bebês. Ainda assim é considerado a mais jovem cena gay de Berlim com um público com idade que varia entre 20 e 45 anos.

É por este motivo que este bairro, situado ao lado do famoso Mitte, abriga estabelecimentos mistos que dedicam alguns dias da semana ao público LGBT. É ali que se encontram ícones da cultura gay como o Schoppenstube (www.schoppenstube.de), o primeiro bar gay da cidade ainda em funcionamento. No entanto, não é de hoje que a cidade sustenta sua fama de capital gay.

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    Vitrine de uma loja de Schöneberg, um dos bairros de Berlim com atrativos para o público gay

Em 1897, o pioneiro Magnus Hirschfeld fundou em Berlim a primeira organização de defesa dos direitos de gays e lésbicas, conhecida como Wissenschaftlich-Humanitäre Komitee (Comitê Científico Humanitário, em português) para combater as duras regras do famoso parágrafo 175 da lei alemã que criminalizava as relações entre pessoas do mesmo sexo.

Coincidência ou não, duas décadas mais tarde, Berlim contava com mais de 100 endereços como bares, clubes e cabarés voltados, exclusivamente, para o público homossexual.

Para ir a fundo na história, não deixe de visitar o obrigatório Schwules Museum  (www.schwulesmuseum.de), considerado um dos maiores acervos mundiais sobre a história e a cultura das comunidades LGBT. Com belas exposições permanentes compostas por quadros e fotografias, o local aborda as transformações em diversas cidades do mundo ao longo da história.

Sério e discreto, ainda que os controversos bonecos Teletubbies façam a recepção logo na entrada da primeira sala, o museu surpreende em espaços como a galeria com fotos de transformistas do final do século 19 com títulos curiosos como Frauen in Hosen (“Mulheres com calças”) e Frau mit Bart (“A mulher barbada”, de 1890); e imagens históricas de protestos a favor dos direitos homossexuais como os da Casa Branca, em 1965, e a passeata de 1973, em Berlim.

Hotéis

Não é apenas na hora do entretenimento que Berlim se pinta de rosa. Lançado em março deste ano, o Pink Pillow (www.pinkpillow-berlin.de) é um programa que reúne 52 hotéis com serviços voltados para hóspedes gays. Diferentemente de outros hotéis que ganharam fama com bandeira gay e serviços, exclusivamente, orientados para homossexuais, os estabelecimentos desse projeto são hotéis de redes internacionais como Mercury e InterContinental que recebem hóspedes independentes de sua orientação sexual.

O termo de compromisso contra qualquer tipo de atitude homofóbica assinado pelo gerente, exposto com orgulho ao lado do balcão, dá uma ideia de como devem ser os próximos dias de hospedagem. Isso significa dizer que os funcionários vão além do turismo tradicional e estão preparados para orientar seus hóspedes com opções de entretenimento e atrações específicas, contam com propagandas de serviços voltados para esse tipo de viajante e, a melhor notícia, não perguntam se são duas camas de solteiro quando você chega com seu parceiro para fazer o check in.

E se algum desavisado soltar a pergunta “Este é um hotel gay?”, será surpreendido com a resposta: “Não, isto é um hotel”.

Berlim não perde tempo mesmo em erguer bandeiras coloridas, mas sabe tratar as diferenças como ninguém.

Dicas e eventos

A noite de Berlim é agitada de quarta a domingo (tradicionalmente, as terças são conhecidas como o dia do descanso). Abuse do excelente serviço de trens e metrô da cidade que funciona 24 horas nos finais de semana e fecha entre uma e quatro da manhã, de segunda a quinta.
O Teddy Award (www.teddyaward.tv) acontece, anualmente, em fevereiro durante o Berlinale (www.berlinale.de), o festival de cinema internacional de Berlim, e premia produções cinematográficas com temática gay em categorias como documentário e curta-metragem.
A agência Berlin Agenten (www.berlinagenten.com) é especializada em tours desenhados para viajantes que estão interessados em conhecer o mundo gay da cidade.
A parada gay de Berlim é conhecida como Christopher Street Day (www.csdberlin.de) e acontece no final de junho, desde 1979.
Schöneberg abriga uma das livrarias gays mais respeitadas da Alemanha, a Prinz Eisenherz Buchladen (www.prinz-eisenherz.com), que comercializa souvenirs gays como cartões postais, DVDs, revistas e 17 mil títulos em alemão, inglês e francês.
A concentração de bares e restaurantes gays de Schöneberg está nas ruas Motzstrasse e Fuggerstrasse. Destaques para os concorridos Hafen Bar (www.hafen-berlin.de) e o Heile Welt (www.heile-welt-berlin.de).
Os mais animados contam também com a ultramoderna sauna Boiler (www.boiler-berlin.de) e a Badeschiff (www.arena-berlin.de), piscina flutuante sobre o rio Spree com a segunda-feira das 22h às 3h fechada apenas para o público masculino e transformada em sauna, durante o inverno.
Evite os estabelecimentos com fachadas escuras ou sem janelas e entrada controlada por campainha. Segundo empresários do bairro e guias turísticos, esses locais costumam funcionar como clubes altamente liberais conhecidos também pela venda de drogas e prostituição de garotos.
A cidade é conhecida também pelos bares com darkroom ('Sala escura') e ambientes voltados para o cruising (termo usado para se referir a lugares por onde os frequentadores caminham em corredores em busca de parceiros). Estes estabelecimentos costumam indicar esses serviços nas portas ou em anúncios luminosos bem visualizados. No entanto, recomenda-se atenção redobrada com seus pertences nesses ambientes de iluminação quase inexistente.

Mais informações: www.germany.travel e www.visitberlin.de

* O jornalista Eduardo Vessoni viajou à Alemanha com o apoio do DZT e do Visit Berlim