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Viajar pelas ilhas de San Blas, no Panamá, é viver como Robinson Crusoé

Tim Neville

New York Times Syndicate

22/12/2013 08h00

A rua estava vazia quando tranquei a porta da pousada e me estatelei no meio-fio. Eram quatro e meia da manhã e o ar estava parado feito um espelho d'água - melhor momento para estar na Cidade do Panamá, impossível. Na calçada silenciosa, fiz uma lista mental de tudo de que ia precisar nos próximos dias: repelente, protetor solar, salgadinhos, roupa de banho, uns dois shorts e muita, muita água.

Um carro veio pipocando pelos paralelepípedos na minha direção, mas não era a minha carona. Eu tinha passado os últimos dias na Cidade Velha da capital do Panamá, bebericando rum em bares de cobertura e batendo papo com artistas. Foi muito divertido, mas agora eu queria uma praia tranquila, corais onde mergulhar e uma rede entre duas palmeiras para relaxar.

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O Arquipélago de San Blas, ou Kuna Yala na língua nativa, se estende ao longo da costa norte do Panamá, a partir da fronteira com a Colômbia, por cerca de 240 quilômetros a oeste, no Golfo de San Blas. No total são mais de 360 ilhas, a maioria apenas com palmeiras, uma ou duas cabanas de pescador e lagoas de água verde.

Na área vivem cerca de 40 mil índios kuna, um dos grupos nativos mais poderosos do Hemisfério Ocidental; eles possuem autonomia quase completa sobre o território, 2.300 km² de selvas, praias e ilhas que protegem e controlam com rigor. É preciso mostrar o passaporte e guardar uma fichinha que o guarda lhe entrega antes de poder entrar na região. A mesma é devolvida na volta ao continente, talvez como uma forma de rastrear de longe os visitantes. Na verdade, a sociedade é tão insular que os próprios kuna não podem sair de Kuna Yala sem permissão do chefe.

"É isolada, mas não tanto como há vinte anos", conta Jason Post, criador de "Usnavy", a série animada mais popular do Panamá que mostra, através da comédia, os choques entre a vida urbana e a tradicional nativa, "mas ela ainda é uma das regiões mais autênticas do país".

O que isso significa na prática? Nada de hotéis grandes e pouquíssimos restaurantes ou lojas, quando existem. Ninguém de fora, incluindo panamenhos, pode abrir um negócio ali, nem levar grupos comerciais de turistas. Não é permitido o mergulho autônomo (provavelmente para limitar os danos aos recifes, embora haja vários lugares para a prática do snorkel). O que você pode fazer é passar alguns dias bem tranquilos imitando o estilo Robinson Crusoé: acordar ao raiar do sol, sair da cabana direto para a areia e passar o dia pulando de uma ilha para a outra absorvendo sua cultura.

Através de uma agência de viagens fiz reserva para três noites em Cabanas Coco Blanco, uma ilha/retiro em Lemon Cays que escolhi justamente por ficar perto de Dutch Cays, que está entre as ilhas mais remotas e intocadas do arquipélago. Normalmente só iates particulares vão até lá, além dos barcos de Coco Blanco. Minha intenção era usar meu snorkel, comer o que os kuna pescassem e conferir de perto como eles vivem.

Lá pelas cinco a minha carona chegou: uma picape preta com a bandeira kuna vermelha, amarela e verde pendurada no retrovisor. Não demorou e estávamos na Rodovia Pan-Americana - e quando o sol nasceu já ziguezagueávamos sobre as terras altas rumo ao litoral. Dois espanhóis, um alemão, um jovem casal de Chicago, Aislinn Froeb e Nick Kaltenbrun, e eu íamos embarcar em um tipo de excursão. Os norte-americanos tentaram ir para lá no dia anterior, mas o motorista não apareceu. Eu já tinha sido avisado de que coisas assim poderiam acontecer.

"A única coisa que dá para fazer é dizer aos kuna que você quer visitar a área. Aí depende deles", explicou Stuart Cunningham, dono da empresa que usei, a Panama Travel Unlimited. "Geralmente dá certo, mas parece que ninguém sabe bem qual o critério."

Lá pelas oito chegamos à pequena área de embarque chamada Barsukum, que fica ao longo do rio Cartí, próximo do Golfo de San Blas. Um barco pequeno com toldo azul veio nos buscar e seguimos para Coco Blanco sob um céu da mesma cor. As ilhas mais próximas da costa eram lugares inóspitos e áridos; alguns tinham verdadeiras favelas, as casas de madeira e telhado de chapa tão juntas umas das outras que parecia que a terra estava cedendo ao seu peso e que a qualquer momento uma onda mais alta poderia jogá-las longe. De fato, mais tarde fiquei sabendo que os kuna, como toda a população ilhoa e de áreas baixas, temem que a subida do nível do mar os faça desaparecer. O lixo também é um grande problema e me encolhi ao ver sacolas plásticas, copos e até pedaços de móveis flutuando no canal.

"Eles têm tão pouco espaço em algumas das ilhas que, muitas vezes, não têm nem onde jogar o lixo", disse Duane Silverstein, diretor da Seacology, uma ONG situada em Berkeley, na Califórnia, que trabalha para proteger a cultura e o meio ambiente das ilhas. "Não querem e não gostam, mas acabam não tendo escolha a não ser jogar o lixo no mar."

  • Tito Herrera/The New York Times

    No total são mais de 360 ilhas no arquipélago de San Blas, no Panamá

Depois de uma hora chegamos a Coco Blanco, um trecho de areia do tamanho de um campo de futebol com palmeiras e um grupo de cabanas rudimentares cobertas com sapé, estacas de madeira em vez de paredes e nenhum ângulo reto. Uma nativa chamada Ligia Sanchez foi quem nos recepcionou. Ela tinha as maçãs do rosto salientes e a pele cor de caramelo, mas não usava as miçangas que outras mulheres levavam nos pulsos e tornozelos.

"Sejam bem-vindos", disse ela em espanhol, seu segundo idioma. "Vamos tomar o café da manhã?"

E nos levou para uma cabana maior, com piso de areia e duas mesas longas de madeira. A ilha estava sob a guarda de sua família há várias gerações, mas ela abriu o Cabanas Coco Blanco há apenas três anos. Nas paredes, faixas coloridas chamadas "molas" retratavam baleias, peixes e tartarugas. Duas adolescentes trouxeram suco, pão frito e ovos mexidos. Tudo tem que ser trazido do continente, até a água - por isso que levar a própria garrafa e empacotar o próprio lixo ajuda um bocado.

"Nossa, isto aqui é mesmo autêntico", comentou Froeb. "Totalmente diferente de Bocas del Toro, que parece até sofisticado em comparação."

O barco estava saindo para fazer um passeio pelas ilhas, então deixei minhas coisas no quarto - que basicamente era um terço de uma cabana de sapé retangular. Tinha um beliche, uma bateria de carro para ajudar a ligar a lâmpada movida a luz solar e uma divisória que me permitia ver o que acontecia do outro lado com a maior facilidade. Todos nós dividiríamos o banheiro e o chuveiro que ficava do outro lado da cabana e que também oferecia o mínimo de privacidade. "O pessoal às vezes reclama que não tem ar condicionado ou que as luzes não funcionam, mas estamos em uma ilha", desabafou Roberto Martinez, sócio de Sanchez, responsável pelos passeios de barco, o enchimento das cisternas com água não tratada do rio Cartí (mais uma razão para levar sua própria garrafa) e o funcionamento da geladeira. "Só vamos para a Cidade do Panamá para atividades urbanas; por aqui, tudo é natural."

Martinez direcionou o barco para uma ilha próxima, chamada Dog Island, onde tivemos que pagar US$2/cabeça pela visita. Foi assim que descobri que os kuna cobram uma taxa para cada ilha em que se atraca. Martinez diz que até ele tem que pagar a taxa quando volta para sua ilha natal, Cartí, porque não está lá "para ajudar na sua sobrevivência", explica. De qualquer forma, me senti meio explorado porque Dog Island era maior que Coco Blanco, talvez o dobro em área, mas ali viviam centenas de pessoas. Parecia que o Panamá inteiro tinha se espremido ali para passar as férias. Vi vários churrascos e bolas de futebol. Havia tanta criança brincando no mar que mal dava para ver a água entre elas. Não era para aquilo que eu estava ali.

A coisa logo melhorou. Comi bem aquela noite em Coco Blanco (peixe fresco, banana-da-terra e salada de repolho) e bebi rum Abuelo sob as estrelas com dois romenos que estavam a duas cabanas da minha. A ilha podia receber, no máximo, vinte pessoas e ser uma delas era um privilégio. Dormi feito um bebê no beliche de cima, braços e pernas esticados mais parecendo uma estrela-do-mar, ouvindo a brisa passando pela divisória de bambu como se fosse um pente pelo cabelo.

Nos dias seguintes a rotina começou a tomar forma: eu acordava cedo, nadava até o banco de areia habitado por um molusco solitário, comia pão frito, ovos e geleia e saía pelas ilhas levando pedaços de abacaxi ou melancia para beliscar. Visitamos Dog Island II, um punhado de cabanas cobertas pelas sombras das palmeiras, muito mais tranquila que Dog Island I, e Pelican Island, onde pratiquei snorkel sobre o coral. Voltávamos para o almoço, que era sempre um peixe inteiro, e saímos pelas ilhas novamente até a hora do jantar: mais peixe, embora eu tivesse a opção de pedir lagosta por US$15 a mais. A noite acabava com todo o pessoal do lado de fora observando os navios e os satélites passarem, geralmente da rede, talvez um dos melhores aspectos da vida dos kuna.

"Nascemos na rede, dormimos na rede e morremos na rede", disse Sanchez. "É assim que somos."

No meu último dia finalmente fomos a Dutch Cays. A viagem não foi fácil. Tivemos que brigar com as ondas durante umas duas horas para chegar lá, passando por iates alemães, holandeses e norte-americanos. O esqueleto de um navio naufragado em meio à rebentação parecia um fantasma no horizonte. Às vezes os pescadores encontravam sacolas cheias de cocaína boiando, muitas vezes perdidas das embarcações do narcotráfico, e faziam uma pequena fortuna vendendo de volta para os traficantes. Recentemente os kuna decidiram que todo o dinheiro ganho nesses acordos seria usado na melhoria das comunidades.

Porém, as ilhas não precisavam de melhorias. Eram caricaturas perfeitas de si mesmas, com as folhas das palmeiras gigantes fazendo sombra sobre lagoas cercadas de areia branquíssima. Ali não havia choças, nem taxas, nem festas na praia. Uma arraia passou por debaixo do barco e eu mergulhei com os peixes-trombeta.

Naquela noite, conversei com Martinez sobre o lugar. Apesar da natureza independente dos kuna e suas regras rígidas de preservação cultural, eu achava difícil acreditar que, nos dias de hoje, qualquer lugar conseguisse se manter isolado - só que meu espanhol não me ajudou e Martinez ficou com cara de quem não entendeu. Depois de uma pausa, ele falou algo no idioma kuna para uma das meninas na cozinha, que respondeu em espanhol. Ele suspirou.

"Elas preferem falar o espanhol à nossa língua nativa. Aliás, todos os jovens."

Naquele momento, porém, o isolamento era sólido e completo; assim, fiz o que os nativos fazem - olhei para o céu, satisfeito de sentir o tempo passar ao ritmo do balanço da rede.

  • Tito Herrera/The New York Times

    Cabanas Coco Blanco é uma ilha/retiro em Lemon Cays, em San Blas, no Panamá

Se você for
É possível organizar sua própria viagem ao Arquipélago San Blas ligando diretamente para as propriedades das ilhas (algumas estão no sanblaspanamavacations.com), mas é preciso ser fluente em espanhol, organizar seu próprio transporte e se preparar para mal-entendidos e dores de cabeça.

Uma opção mais rápida (embora não seja livre de problemas) é comprar o pacote que começa e termina na Cidade do Panamá através de uma agência terceirizada. A Panama Travel Unlimited é especializada em viagens a San Blas. A acomodação varia desde cabanas simples a opções sofisticadas (panamatravelunlimited.com; 507-395-5014).

O Panamá usa dólares norte-americanos, mas, às vezes o povo se refere a eles como "balboas".

A diária do pacote com tudo incluído para Coco Blanco, que é uma ilha bem rústica, começa a US$170/pessoa ou US$390/pessoa por três noites. É possível também acampar por três noites em Dutch Cays (US$280). Na verdade, eu comprei essa opção, mas acabei sendo levado para uma cabana em Coco Blanco. Desconfio que tenha sido por razões logísticas, já que não havia mais ninguém acampando.

O Coral Lodge oferece uma experiência bem mais luxuosa, com chalés no melhor estilo taitiano, construídos sobre a água. Fica fora de Kuna Yala, mas perto o suficiente. As diárias variam de US$150 a US$385/pessoa. Com o translado da Cidade do Panamá, são mais US$240/pessoa.

Prepare-se para pagar US$10 para entrar na área protegida de Kuna Yala e US$2 por cada ilha que visitar. Você vai receber uma fichinha (US$2) ao embarcar para as ilhas e deve devolvê-la quando voltar. Se perder, deve pagar uma multa equivalente ao seu valor.

É preciso passaporte para entrar e sair de Kuna Yala.