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Tour noturno por becos da Cidade de Goiás tem poesia sob a luz de lampiões

Eduardo Vessoni

Do UOL, em Cidade de Goiás

26/05/2015 18h26

Os becos da Goiás Velho são como personagens que contam histórias. Não as oficiais, dos livros de escola, mas aquelas protagonizadas por personagens reais que circulavam por vias estreitas e de má fama, como lavadeiras, prostitutas e negros escravos.

Localizado no centro de Goiás, a 140 km de Goiânia, a histórica Cidade de Goiás – seu nome oficial - serve de cenário para uma inusitada visita guiada pelos becos da cidade natal de Cora Coralina, a mal compreendida poetisa que escreveu, entre tantas obras tardias, um livro de poemas dedicados àquelas vias de tons sombrios que pareciam funcionar como artérias de Villa Boa de Goyaz, o nome original do destino.

Neste roteiro noturno de três horas, os visitantes são guiados por nove becos e são surpreendidos por intervenções poéticas, em cinco pontos diferentes, onde são recitados, em plena rua e sob a luz de lampiões, poemas escritos por Cora, cujo aniversário de morte completou 30 anos em 2015.

“É um turismo poético que desconstrói os museus. O que contamos ao longo do tour não é a repetição da história, é a poesia no próprio espaço onde ela teve inspiração para escrever”, descreve Fábio Henrique Barbalho Gomes, historiador e turismólogo, criador do roteiro.

Embora seja guiado por um profissional da área de turismo e com intervenções esporádicas de uma atriz, quem conduz o passeio é a própria poesia de Cora.

Cidade de Goiás vista do interior do Palácio Conde dos Arcos, um dos cenários que compõem o roteiro literário dedicado à poetisa Cora Coralina - Eduardo Vessoni/UOL - Eduardo Vessoni/UOL
Cidade de Goiás vista do interior do Palácio Conde dos Arcos, um dos cenários do roteiro dedicado a Cora Coralina
Imagem: Eduardo Vessoni/UOL

Só pelo nome da experiência (“Becos Românticos e Pecaminosos”) já dá para ter uma ideia do que vem pela frente. “É um modo diferente de contar velhas histórias”, como já escreveria no texto de abertura do livro “Poemas dos becos de Goiás e estórias mais”, sua primeira obra a ser publicada, em 1965, quando já tinha quase 80 anos.

O nome do tour foi retirado do poema “Becos de Goiás”, onde a poeta se refere àquelas ruas de pedras como “Becos da minha terra.../Becos de assombração.../Românticos, pecaminosos... Têm poesia e têm drama.”, uma referência aos diversos personagens que passaram por ali, como casais apaixonadas e prostitutas em direção ao trabalho.

A visita guiada pelos becos de Goiás começa no Vila Rica, localizado no fundo da casa que Cora nasceu, uma construção de 1770, às margens do rio Vermelho e na esquina da famosa ponte da cidade. Essa via estreita é a representação da esperança da futura escritora, cujas portas traseiras foram cúmplices de sua escapada para São Paulo, em 1911, para acompanhar o marido Cantídio Tolentino de Figueiredo Bretas.

Cora Coralina, nascida Anna Lins dos Guimarães Peixoto, esteve fora da cidade entre 1911 e 1956. “A fuga para São Paulo representa o início de sua história poética”, defende Fábio Henrique.

Outra parada do roteiro que fez Cora, nostálgica, lembrar seu passado de menina pobre em suas obras, é o beco da Escola. O local é uma referência às suas primeiras memórias afetivas na cidade, onde estudou os três primeiros (e únicos) anos do que, atualmente, se conhece como Ensino Fundamental. 

O 'Beco da Escola', em Goiás Velho, é uma das paradas do tour literário em homenagem a Cora Coralina. É nessa via escura de dimensões discretas que os visitantes são surpreendidos com leituras de poemas dessa poetisa nascida na cidade - Eduardo Vessoni/UOL - Eduardo Vessoni/UOL
O 'Beco da Escola', em Goiás Velho, é uma das paradas do tour literário em homenagem a Cora Coralina
Imagem: Eduardo Vessoni/UOL

É ali, naquela via escura de dimensões discretas (que “brinca de esconder”, segundo Cora) que os forasteiros literários são surpreendidos com outra intervenção com a leitura do “O Beco da Escola”, sobre os poucos anos de educação formal.

O próximo beco é o maior, um dos 16 construídos na cidade, segundo contas não oficiais. Conhecida como Ouro Fino, essa via esteve associada à marginalidade e à comunidade de negros de passado escravo que ocupa o bairro até hoje. Assim como descreveu Cora, os becos da velha Goiás eram o local “onde família de conceito não passava”.

“A cidade é ela. O primeiro lugar que o visitante quer conhecer aqui é a casa de Cora Coralina”, conta Marlene Vellasco, diretora do museu que funciona na famosa Casa Velha da Ponte, a antiga residência da poetisa que abriga, atualmente, um museu com mobiliário e objetos pessoais, e um acervo com 10 mil documentos originais como fotos e cartas.

Declarada Patrimônio Histórico e Cultural Mundial da Humanidade pela Unesco, a cenográfica Cidade de Goiás é a típica cidade do interior que faz o visitante querer ficar mais um pouco, levando outro dedinho de prosa (como costumam dizer por ali), comer mais um doce de cajuzinho do cerrado (outra habilidade de Cora) e ver o tempo passar (ou não) diante do portão de casa.

O roteiro em homenagem a poeta passa também por atrações históricas dessa cidade fundada em 1727 como Arraial de Santana e capital de Goiás, até a década de 30 do século passado.

Casa Velha da Ponte, antiga residência de Cora Coralina que foi transformada em museu, em Goiás Velho - Eduardo Vessoni/UOL - Eduardo Vessoni/UOL
Casa Velha da Ponte, antiga residência de Cora Coralina que foi transformada em museu, em Goiás Velho
Imagem: Eduardo Vessoni/UOL

Entre lampiões acesos e portas residenciais abertas, os forasteiros conhecem ícones locais como o Chafariz de Cauda, uma das construções históricas mais antigas da cidade, e o Museu de Arte Sacra da Boa Morte que guarda acervo do artista Veiga Valle, considerado o 'Aleijadinho goiano'.

Como o roteiro é noturno, horário em que as atrações já se encontram fechadas, o tour é um convite para o viajante voltar no dia seguinte para visitar com calma essas e outras construções históricas como o Museu das Bandeiras, no Largo do Chafariz, uma antiga cadeia do século 18 que, atualmente, funciona como acervo histórico da cidade; e o Palácio Conde dos Arcos, antiga sede do governo dos anos em que o destino foi a capital daquele estado.

Dizem que falar de Cora é contar a própria história da Cidade de Goiás. E se seus poemas e relatos eram reais ou inventados, ela nunca deixou muito claro. E nem precisa. Que os becos ainda vivos da cidade contem o resto da história.

SERVIÇO

Tour “Becos Românticos e Pecaminosos”
Contatos: cerradoblueviagens@gmail.com / (62) 8558-0415

Museu Casa de Cora Coralina
Rua Dom Cândido, 20 (Cidade de Goiás)
Tel.: (62) 3371-1990

Site oficial do turismo de Goiás
www.goiasturismo.go.gov.br


* O jornalista viajou à Cidade de Goiás com o apoio da Goiás Turismo