UOL Viagem

25/09/2008 - 21h18

Camboja, o céu e o inferno na terra do povo khmer

MARCEL VINCENTI
Colaboração para o UOL, do Camboja

Fotos Marcel Vincenti/UOL

O templo Bayon, construído no século 13 d.C., é uma das obras-primas da era Angkor

O templo Bayon, construído no século 13 d.C., é uma das obras-primas da era Angkor

A vontade de ser Deus gerou uma das mais belas obras já criadas pelo homem: o monumento Angkor Wat. Erguida nas profundezas do Camboja, essa construção representa o ápice do Império Khmer, uma civilização que, entre os séculos 9 e 15 d.C., dominou grande parte do Sudeste Asiático. Seus governantes, ao levantarem templos, mausoléus e cidades, tinham uma missão: tornar material a sua conexão com o poder supremo.

A arquitetura de Angkor Wat é inspirada no lendário Monte Meru, a montanha cósmica que, segundo os textos hindus, é o eixo do universo. As cinco torres que definem seu perfil, com a edificação central quase a tocar o céu, são uma representação poética do mito. O rei Suryavarman II, mandante do projeto, prezava por seu título de devaraja: deus-rei.

Glórias e delírios passados... O mesmo Camboja se transformaria, 543 anos depois, em uma franquia do inferno na Terra. Em 1975, após guerrear contra tropas governistas, o Khmer Vermelho tomaria o poder do país e faria o solo do antigo império virar uma grande fazenda coletiva.

As cidades seriam esvaziadas e seus habitantes enviados ao campo para trabalhar em cooperativas agrícolas. A divisão de classes, a propriedade privada, o dinheiro estavam abolidos. Um projeto comunista de timbre romântico, mas cujo resultado foi trágico: cerca de 1,7 milhão de mortos, segundo os cálculos mais moderados. Os templos deixavam de ser erguidos, as covas começavam a ser abertas.

Império absoluto

Angkor Wat é apenas a fração mais conhecida do que foi o Império Khmer (khmer, vale dizer, é a etnia à qual pertencem a maioria dos cambojanos). A palavra angkor, derivada do sânscrito nagara (cidade), é usada para nomear um centro político que, entre os anos 802 e 1432 d.C., liderou uma das mais poderosas e criativas civilizações da história da Ásia.

Surgido a partir da unificação dos reinos Funan e Chenla, que até o século 8 dividiam o domínio do que é hoje o Camboja, Angkor iria, em seus 630 anos de existência, erguer centenas de templos, conceder status de devaraja a seus regentes e conquistar territórios que atualmente são conhecidos como Tailândia, Laos e Vietnã.

A Índia, na época em contato comercial com a região, teria influência decisiva na cultura do império. Bramanismo e hinduísmo iriam fazer a cabeça dos futuros governantes e inspirar a religião e a arte Khmer.

Um dos melhores retratos da gênese de tal civilização pode ser visto no templo Bakong. Construído pelo rei Indravarman I no século 9, e dedicado à divindade hindu Shiva, o edifício é inspirado, assim como Angkor Wat, no lendário Monte Meru. Passar por sua gopura (torre de acesso) e subir ao santuário central é voltar a um passado remoto e, ao mesmo tempo, subir a um altar divino.

Bakong foi o principal templo da cidade de Hariharalaya, um dos primeiros assentamentos da era Angkor. Desde o seu cume é possível colocar-se na perspectiva de um devaraja. Os quatro níveis que sustentam o santuário central são decorados por elefantes de pedra e torres que, acredita-se, guardavam pequenos lingas (estátuas de formato fálico a representar Shiva). O Império Khmer começava a se expandir e o mundo ao redor, visto deste ângulo, parecia não ter barreiras. As planícies do Camboja se estendem ao infinito e o portal de entrada do templo, lá embaixo, virado intencionalmente para o leste, está pronto para receber mais um fantástico nascer do sol.

No interior milenar do santuário central, o cheiro rançoso de umidade se mistura ao incenso que alguém colocou aqui há não mais de uma hora. Angkor ainda existe.

O auge e a queda

A maioria dos turistas que vêm a Siem Reap, cidade no noroeste do Camboja cujas redondezas abrigam a maioria das ruínas, tem o símbolo do país na cabeça: Angkor Wat (que, vale dizer, merece seu status de obra-prima).


Bakong foi um dos primeiros templos com arquitetura inspirada no lendário Monte Meru
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Estudiosos calculam que sua construção, realizada na primeira metade do século 12, tenha durado 30 anos e exigido o suor de mais de 50 mil pessoas. O arquiteto? Talvez Divakarapandita, um brâmane que foi ministro do rei Suryavarman II. O objetivo da edificação também não é claro. Hoje considerado o maior monumento religioso do mundo, o local pode ter sido erigido como mausoléu. Sua entrada principal está virada para o Oeste, a comunhão com o pôr-do-sol seria uma simbologia para a morte. O que se tem de concreto e irrefutável, no entanto, é a magnitude da obra.

Angkor Wat ocupa uma área de 210 hectares e, ao redor de sua torre central de 65 metros de altura, feita de arenito, estendem-se galerias com baixos-relevos feitos sob grande inspiração artística. Cenas dos épicos hindus Mahabharata e Ramayana e das guerras promovidas pelo exército khmer contra seus vizinhos (os cham e os thais, principalmente) fazem o observador sentir o ritmo frenético das batalhas corpo-a-corpo promovidas no passado.

Sim, para conquistar poder, o Império Khmer derramou muito sangue. E interpôs, lado a lado com o testemunho da brutalidade, a delicadeza das apsaras, ninfas celestiais cuja missão é entreter os deuses. Sua dança dá movimento e graça à rigidez das rochas cinzentas.

O rei Suryavarman II pensava estar no centro do mundo. E, a exemplo de obras mais antigas do período, construiu um enorme fosso, 190 metros de largura, ao redor de Angkor Wat. A água simboliza o oceano cósmico hindu, de onde todo o universo de originou.

Não é preciso muita sensibilidade para se deslumbrar com tal lugar. E, a menos de dois quilômetros dali, está outra prova de inspiração do período: Angkor Thom, a Grande Cidade, que foi o centro administrativo do Império Khmer entre o final do século 12 e o século 13. Das torres de seu principal edifício, Bayon, emergem 216 rostos de Avalokitesvara (o Buda da compaixão) talhados em arenito. Tais esculturas, porém, lembram muito a face de Jayavarman VII. O rei pode ter feito o templo à sua imagem.

Acredita-se que um milhão de pessoas tenham vivido sob a administração de Angkor Thom. Uma sociedade agrária que, para atingir tal dimensão, contou com a fundamental ajuda do Tonlé Sap, o maior lago do Sudeste Asiático. Situada a três quilômetros de Siem Reap, essa fonte de vida chega a ocupar, durante a época das chuvas, uma área de até 16 mil km². O abastecimento dos sistemas de irrigação estava garantido.

O Império Khmer caiu quando, enfraquecido em seu poder político e militar, não pôde impedir que o reino de Ayutthaya, localizado na hoje Tailândia, tomasse Angkor no ano de 1432. Os templos, porém, ficaram de pé. Mais de 40 deles estão abertos para visita no Parque Arqueológico de Angkor, que ocupa uma área de 400 km² nas redondezas de Siem Reap. Algumas obras se encontram em ótimo estado de conservação, como Banteay Srei, construção do século 10 famosa por seus intricados baixos-relevos. Outras, como Ta Prohm, começam a ser engolidas pelas árvores, o que, de alguma maneira, realça sua beleza.


Construção do século 10, Banteay Srei é uma das mais belas artes da era Angkor
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Angkor também é, cada vez mais, fonte de identidade para uma nação que, há apenas 30 anos, foi destruída em nome de uma ideologia macabra.

A era Khmer Vermelho

Os relatos do que aconteceu no dia 17 de abril de 1975 em Phnom Penh, capital do Camboja, são unânimes em um ponto: a população recebeu de braços abertos aqueles homens de preto que, com fuzis nas mãos, entravam em bandos na cidade.

Soldados do grupo rebelde Khmer Vermelho, eles acabavam de vencer uma guerra de cinco anos contra o governo do general Lon Nol. A tomada de Phnom Penh era o atestado de sua vitória e o início de uma nova era para a nação.

Felizes pelo fim dos conflitos, os cambojanos logo sentiriam o gosto amargo dos "tempos de paz". Guiado por uma radical doutrina maoísta, o Khmer Vermelho iria transformar o país em uma sociedade agrária onde dinheiro, propriedade privada e divisão de classes estavam abolidos. A população das grandes cidades teria que se mudar para o campo, que a partir daquele momento estava "coletivizado" e, portanto, deveria ser cultivado por todos.

Phnom Penh foi um dos primeiros locais a serem evacuados. Para tirar as pessoas de suas casas, os novos chefes da nação usaram o pretexto (falso) de que os norte-americanos iriam bombardear a cidade. Todos acreditaram, lógico: desde 1965, os Estados Unidos, na caça de bases norte-vietnamitas que operavam na região, já haviam despejado 2,75 milhões de toneladas de material explosivo sobre o interior do Camboja. A capital, que abrigava aproximadamente dois milhões de seres humanos na época, virou uma cidade-fantasma de 40 mil pessoas.

Ao êxodo, seguiu-se o terror. Militares e políticos ligados ao regime de Lon Nol foram sumariamente executados. À classe intelectual (possível núcleo de idéias contra-revolucionárias) foi reservado o mesmo destino. Monges budistas foram perseguidos, tachados de "parasitas". E o resto da população urbana logo se viu em meio a seus compatriotas camponeses que, já sob o comando do Khmer Vermelho, suavam "coletivamente" nos arrozais do país. O Camboja, então chamado República Khmer, foi rebatizado Kampuchea Democrática. Angkar (ou "A Organização", como todos se referiam ao novo governo) faria seus cidadãos trabalharam exaustivamente nas lavouras e na construção de represas.

Hoje, conversar com qualquer cambojano com mais de 30 anos é ouvir histórias em primeira pessoa do que ocorreu durante a padevath (revolução, no idioma khmer). Yun Thy, 33, motorista de táxi em Phnom Penh, conta que sua família foi enviada a uma cooperativa agrícola logo após o 17 de abril. Seus pais labutavam o dia inteiro nos arrozais, mas no final do dia todos estavam passando fome. "Minha mãe caçava sapos enquanto trabalhava e os trazia para me alimentar à noite. Mas era sempre escondido. Se a pegassem, não sei o que poderia acontecer".


Phnom Penh, capital do Camboja, foi evacuada após o Khmer Vermelho subir ao poder em 1975: a população se viu obrigada a viver em cooperativas agrícolas no interior do país
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Sim, ao terror seguiu-se a fome. Anos de guerra haviam acabado com o estoque alimentar do Camboja e, apesar de agora ralarem arduamente no cultivo da terra, milhares de pessoas começaram a morrer de inanição. Ajuda internacional foi oferecida à Kampuchea Democrática, mas o novo governo, obcecado pela auto-suficiência, não aceitou.

Prisão S-21

Uma paranóia stalinista começou a tomar conta dos líderes do Khmer Vermelho. Todas as pessoas começaram a ser vistas como "conspiradoras em potencial" e punições injustificadas não demoraram a ocorrer. Vann Nath, 62, tem no episódio de sua detenção uma história de cinema. Ele é um dos sete prisioneiros que conseguiram sobreviver ao Sistema de Segurança 21 (S-21), o mais temido cárcere da era Khmer Vermelho, que recebeu, entre 1975 e 1979, mais de 14 mil desafortunados.

Nath, hoje um senhor de cabelos brancos e rosto sereno, conta que foi preso no dia 28 de dezembro de 1977, enquanto cortava madeira na cooperativa número 5. Acusado de instigar camponeses contra o governo, ele foi enviado à S-21 (localizada em Phnom Penh) com mais duas dezenas de pessoas. À sua esposa e aos seus dois filhos só restou a angústia de um súbito sumiço. E ele garante: nunca se envolveu com atividades contra-revolucionárias.

Pintor desde jovem, sua história na prisão está gravada nos quadros que hoje decoram seu ateliê na capital. Os edifícios da S-21 abrigavam uma escola primária antes da revolução. Quando chegou, Nath foi colocado em uma antiga sala de aula, onde, segundo ele, já havia 32 pessoas, e teve suas pernas atadas a grilhões. Ficou lá, sentado no chão, por quase um mês. A comida era escassa (mingau de arroz duas vezes ao dia), os banhos, raros e, para urinar e defecar, ele usava um balde. "Algumas pessoas que estavam presas comigo começaram a morrer de fome ao meu lado. Outras eram levadas para interrogatório e não voltavam mais", diz ele, com a frieza de quem convive com essas memórias há 30 anos.

As pessoas nos campos e prisões da Kampuchea Democrática viviam como animais, mas, para a sorte de Vann Nath, os chefes do governo ainda mantinham uma egocêntrica natureza humana. A vaidade de Pol Pot, o líder máximo do Khmer Vermelho, iria salvar sua vida. Retirado de sua cela em uma manhã de fevereiro, Nath seria levado por dois guardas a um ateliê que havia na prisão. Camarada Duch (nome real: Kaing Guek Eav), o temido chefe da S-21, estava à sua espera. "Ele queria que eu pintasse quadros de Pol Pot", conta o artista.

Vann Nath, por sua nova função, começaria a receber tratamento especial dentro do cárcere. Mas os gritos dos torturados, a ecoar pela antigas salas de aula, o faziam lembrar constantemente que a morte ainda estava por perto.


O pintor Vann Nath, 62, é um dos sete sobreviventes do cárcere S-21, que recebeu, entre 1975 e 1979, mais de 14 mil prisioneiros
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O quase fim do Khmer Vermelho

Havia poucos prisioneiros na S-21 no dia 7 de janeiro de 1979 e nenhum deles sabia que a era Khmer Vermelho estava chegando ao fim. O Vietnã, em guerra com a Kampuchea Democrática por disputas territoriais, acabava de invadir Phnom Penh e estava prestes a derrubar o regime de Pol Pot. Vann Nath conta que ouviu explosões vindas das ruas e, de repente, as portas do presídio estavam abertas. Os guardas da prisão estavam batendo em retirada e levavam consigo os detentos que haviam restado. O pintor aproveitou o caos que se instalara na cidade e fugiu. Reencontrou-se com sua esposa na sua cidade natal e soube que, doentes, seus dois filhos haviam morrido na cooperativa.

O Khmer Vermelho, porém, sobreviveu. Após ser retirada do poder, a organização voltou a se recolher no interior do país, de onde iniciou uma campanha de guerrilha contra o novo governo, empossado pelo Vietnã. Iria aceitar sua derrota só em 1998, após despejar milhões de minas terrestres por toda a antiga Kampuchea Democrática (ao redor dos templos de Angkor, inclusive).

O Centro de Documentação do Camboja (DCCAM, na sigla em inglês) foi uma das entidades que se propuseram a investigar o legado desta conturbada era para o país. Seu diretor Dara Vanthan calcula que bem mais de 14 mil pessoas tenham sido assassinadas quando prisioneiras da S-21. "Esse é o número que contabilizamos nos arquivos da prisão. Provavelmente mais gente foi morta", diz ele.

Hoje, entrar nesse cárcere desativado é voltar a um passado recente e, ao mesmo tempo, descer a um inferno que tem a forma de uma velha escola. Os locais de tortura não são calabouços. São salas abertas, tingidas por um amarelo sujo que aquece e sufoca. Uma foto envelhecida na parede mostra a função da enigmática cama que se destaca no meio do espaço. Os que deitavam ali provavelmente não se levantavam mais.

O DCCAM compilou as fotos tiradas dos detentos no momento em que eles chegavam à S-21. As imagens estão em exposição em um dos edifícios do antigo presídio. A expressão das pessoas, realçada pelo filme preto-e-branco, comunicam uma mistura de pavor e resignação. Há mulheres, crianças, idosos. Um homem ri. "É por que ele sabe que está morto", diz uma jovem cambojana, cheia de firmeza, que também observa os retratos.

O destino da maioria desses rostos tem nome: Choeung Ek, um campo de extermínio a 15 quilômetros de Phnom Penh. Em 1980, 129 covas coletivas foram descobertas no local. Exatamente 8.975 cadáveres emergiram das escavações. A maioria deles prisioneiros da S-21, levados ali para serem eliminados e enterrados logo em seguida.

Mas Phnom Penh é só um microcosmo do que foi o Camboja durante a padevath. Estudo realizado pelo Programa do Genocídio Cambojano, da universidade norte-americana Yale, identificou 19 mil covas coletivas espalhadas por todo o país, algumas delas com até 70 mil corpos. A instituição calcula que aproximadamente 1,7 milhão de pessoas tenham morrido como conseqüência das políticas do Khmer Vermelho.

O comando e a defesa


Os crânios de mais de oito mil pessoas estão hoje em exposição no antigo campo de extermínio Choeung Ek, descoberto após a queda do Khmer Vermelho
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E quem é o rosto do Khmer Vermelho? Pol Pot, o Irmão nº 1, cujo nome real era Saloth Sar, foi primeiro-ministro e líder máximo da Kampuchea Democrática até 1979. Abaixo dele, entretanto, houve um tabuleiro cheio de peças que jamais deixaram de estar no jogo: Nuon Chea foi presidente da Assembléia Nacional; Khieu Samphan, presidente da Kampuchea Democrática; Ieng Sary, ministro das relações exteriores; Ieng Thirith, ministra dos assuntos sociais; Son Sen, ministro da defesa e responsável pela prisão S-21.

Todos eles, além de terem dirigido um regime que promoveu o genocídio de seu próprio povo, dividem outro ponto em comum: estudaram, à exceção de Nuon Chea, em Paris durante os anos 1950. Khieu Samphan, considerado o mais brilhante do grupo, chegou a defender tese de doutorado em Sorbonne.

O contato com o Partido Comunista Francês iria ter grande influência sobre esses jovens: logo eles iriam voltar a seu país e se juntar ao Partido Revolucionário Popular da Kampuchea, que se opunha ao instável governo do príncipe Norodom Sihanouk. O caminho para a chegada ao poder estava aberto.

Uma defesa da era Khmer Vermelho pode ser lida no livro "Reflexão sobre a História Cambojana até a Era da Kampuchea Democrática", publicado por Khieu Samphan no ano passado. De acordo com reportagem do jornal Herald Tribune de 18 de novembro de 2007, na qual trechos da obra são destacados, Samphan diz que, durante a era Khmer Vermelho, nunca houve "política de subjugar as pessoas pela fome e tampouco houve instruções para a condução de assassinatos em massa".

Samphan, ainda segundo a matéria, afirma que o Khmer Vermelho estava engajado "no esforço de defender a soberania nacional" e que "sempre houve forte consideração pelo bem-estar das pessoas". Porém, "coerção foi necessária", e o povo teve que trabalhar "exaustivamente" no combate à escassez de comida que assolou o país após a guerra civil. Ele também diz que, quando chegou ao poder, o Khmer Vermelho acabou com a corrupção e as injustiças sociais existentes nos regimes anteriores.

Pol Pot também ganha elogios na obra: ele foi um líder que "sacrificou toda a sua vida... para defender a soberania nacional".

Hoje, Samphan, Nuon Chea, Ieng Sary, Ieng Thirith e Camarada Duch (o ex-diretor da S-21) estão tendo que se defender perante os juizes. Detidos em 2007 (Duch está preso desde 1999), todos eles são acusados de crimes contra a humanidade por um tribunal instaurado, em 2001, pelo governo do Camboja e pela ONU. Caso considerados culpados, podem passar o resto da vida na prisão. Pol Pot, o Irmão nº 1, morreu em 1998, sem jamais ter entrado em uma corte.

Veja mais: Mais fotos da passagem de Marcel pelo Camboja

* O mochileiro Marcel Vincenti, 25 anos, partiu dia 9/4/08 para uma volta ao mundo de 12 meses e mostra todo mês em UOL Viagem o que tem visto por aí. Saiba mais

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