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Em safári chique, turistas desbravam Amazônia com conforto

Marsílea Gombata

Do UOL, na Amazônia

25/07/2013 07h59

Quando o tema é Amazônia, a primeira imagem que vem à cabeça é a de uma região longínqua e um tanto inóspita, na qual o turista tomará banho gelado, usará o toalete do meio da floresta e passará noites mal dormidas ao relento, devorado por mosquitos capazes de transformar a experiência em um verdadeiro perrengue, certo? Errado. Seus padrões podem estar defasados: hoje, uma viagem para a região mais exótica do país consegue reunir toda infraestrutura e requinte necessários para um tour exclusivo.

Dentro de uma embarcação fluvial planejada para poucos, desbravar um rio pode ser uma vivência única de contato com o intocado, que inclui desde visitar um sítio caboclo, passear por grutas no alto do rio Negro e até dormir em um bangalô localizado em um ponto da floresta com vista para a imensidão dos rios da região. 

Não ficam de fora também o contato com indígenas acostumados a receber visitas, o encontro com belezas naturais excêntricas como vitórias-régias, botos cor-de-rosa, jacarés e espécies típicas da fauna local, como tucanos vermelhos, gaviões malhados e araras coloridas na travessia pelo rio Jauaperi. Para complementar o toque rústico, a visita a espaços totalmente preservados, como igarapés e águas cristalinas, conta com auxílio de canoeiros, uma vez que o uso de motores de explosão de alguns barcos é proibido.

Segundo Ruy Tone, sócio da Katerre, que oferece pacotes de ecoturismo de luxo pela região, a ideia é conseguir atingir a verdadeira cultura e atmosfera do lugar. "Hoje é tudo muito pasteurizado, feito para você chegar ao lugar sem sofrer e conhecer sem passar calor ou ver sujeira. A gente tenta preservar o que há de mais autêntico", explica. Para isso, buscou construir os próprios barcos que levam o turista à sede da empresa em Novo Airão, a quase 200 kms de Manaus. "Queremos fugir desse tipo de excursão que começa em Manaus e vai até Novo Airão. O nosso roteiro começa onde terminam os mais usuais. Trata-se de um tipo de turismo mais autêntico, em que se está menos ‘protegido’ e mais em contato com o lugar".

A ideia das viagens baseadas nos chamados "cruzeiros de charme caboclo" tem origem na outra empresa de Tone, a Mundus, que faz viagens pouco usuais pela Ásia e África, em territórios como Tibete, Uzbequistão, Mianmar, Chade, Quênia, Rajastão, Tanzânia e Butão. A busca por um lugar tão exótico dentro Brasil levou-os para a Amazônia, onde exploram o rio Negro e suas imediações em uma atmosfera intimista, com grupos de, no máximo, 16 pessoas.

Estrutura

Dentre as embarcações rústicas, mas de requinte, a chamada Jacaré-Açu oferece três andares e é usada para expedições mais longas. São cinco áreas de lazer -- como sala de estar e solarium, que dispõe de espreguiçadeiras e bar de onde saem as regionais caipirinhas de cupuaçu. Já o barco Awapé foi planejado para levar até oito passageiros em dois andares, enquanto o Kalango é uma lancha para traslados de três ou quatro dias para casais. As viagens podem ser de caráter regular (na qual turistas se juntam a outros passageiros) ou privativo (quando a embarcação é fretada para um grupo seleto).

  • Divulgação/ Katerre

    Opção de passeio fluvial pela Amazônia, barco Jacaré-Açu desbrava região do médio Rio Negro

O mais curto dos roteiros oferecidos dura quatro dias e busca explorar o arquipélago de Anavilhanas. No pacote, atrações como visita ao lago Janauary, ecossistema onde aves, répteis, plantas exóticas e árvores gigantes convivem com as águas do rio Solimões; visualização de botos, jacarés e aves como maguari, garça, arirambas; encontro das águas dos rios Negro e Solimões; e intercâmbio com indígenas Tuiuka e Tukano.

Já o roteiro que inclui o Parque Nacional do Jaú acrescenta trilhas pelo território com árvores de 35 metros de altura, cachoeiras pouco exploradas, mergulhos nos rios Unini, Carabinani do Sul e Jaú, contato com comunidades ribeirinhas e jantar ao pé da fogueira. Esteja preparado para sons intensos vindos da floresta à noite. É uma sensação que marcará a viagem excêntrica.

  • Divulgação/ Katerre

    Mulher indígena é fotografada durante passeio pelo rio Negro

Para quem tiver seis dias disponíveis, vale explorar o arquipélago Mariuá, que tem aproximadamente 700 ilhas, no roteiro das praias de Barcelos, antiga capital do Estado do Amazonas. O passeio inclui uma visita às ruínas históricas de Velho Airão, cidade comandada pela família Bizerra, que governou a região através da dinastia dos Coronéis Brancos nos anos 50. Há ainda pacotes que duram oito dias, como o da Reserva do Xixuaú, lar intocado de espécies deslumbrantes como ariranhas, peixes-boi, jaburus, quatipurus, macacos arborícolas, antas e queixadas.

Na região, que faz fronteira com o território indígena Waimiri-Atroari, já no Estado de Roraima, o turista toma café da manhã na maloca da comunidade e passa a noite no tapiri (espécie de casa onde são armadas redes).

Outros itinerários mais longos, como de nove dias pelo alto rio Negro ou o de dez dias pela serra do Aracá buscam trazer uma experiência ainda mais intensa para quem quer conhecer a Amazônia "profunda". Enquanto o primeiro navega 1.000 km a partir de São Gabriel da Cachoeira, município brasileiro que concentra a maior diversidade de etnias indígenas, o mais longo tem como público alvo os amantes de esportes radicais. A aventura pela serra que fica localizada entre o Monte Roraima e o Pico da Neblina tem como objetivo a conquista de Eldorado, a cachoeira mais alta do Brasil. O refúgio, explica Tone, talvez seja um dos pontos mais preservados do mundo. "A Amazônia é a última fronteira da natureza. Há lugares muito puros ali, onde nenhum homem ainda pisou. É uma região com algo de muito especial"

Cardápio

Com o objetivo de tornar a imersão ainda mais genuína, os turistas contam com um cardápio baseado em iguarias regionais. Enquanto no café da manhã se deparam com geleias e frutas típicas (como cupuaçu), tapioca e tucumã (palmeira nativa do norte do Brasil), no almoço e jantar desfrutam de pratos elaborados com produtos frescos e escolhidos de acordo com a época do ano. Dentre as especialidades, supervisionadas pelos chefs Cláudio Fortes e Zizélia Pacheco, estão caldeirada de tucunaré, pato no tucupi, feijão com jerimum, creme de cupuaçu e o bolo de macaxeira. A maior parte das refeições é acompanhada por pirão, quando não frutas desconhecidas em outras regiões do país, como bacuri, piquiá, pequi, murici e a gigantesca banana pacovã.

Em alguns passeios é possível ainda se deparar com outras peculiaridades como a carne de tartaruga, que era antes proibida e vem ganhando manejo sustentável, e entender a importância da mandioca e seus diferentes modos de uso na culinária local. Estes vão desde a farinha para fazer o beiju ou a tapioca, até o caribé (espécie de mingau) ou o tucupi (molho que mistura o caldo da mandioca ralada com pimenta). Os menus também podem ser customizados, segundo o gosto do cliente, e se enquadrar nas opções regional, internacional, vegan ou de baixa caloria.

  • Divulgação/ Katerre

    Pôr-do-sol no arquipélago de Anavilhanas é visto durante roteiro fluvial pela Amazônia

Vale lembrar que o estilo das embarcações visa proporcionar a sensação de se viajar em barcos de linha como os nativos da região, porém com conforto, segurança e serviço de bordo. Assim, além do regime completo de três refeições, o passageiro tem à vontade água mineral, sucos, refrigerantes, cerveja e caipirinhas.

Tudo isso a preços nada promocionais. Os roteiros oferecidos pela Katerre vão de R$ 2.499 a R$ 6.600, sem contar a parte aérea (uma passagem de avião ida e volta São Paulo–Manaus, por exemplo, dificilmente sai por menos de R$ 1.300). "Existe um custo para não haver turistas em volta e oferecermos toda essa infraestrutura", explica Tone. Apesar dos valores, a nova frente de turismo que cresce na região tem atraído não apenas os habituais "gringos" à selva brasileira, mas também os compatriotas, conta o sócio da empresa. "Vemos que há mais brasileiros indo para a Amazônia, mas são aqueles acostumados a viajar o mundo todo e não apenas pela Europa e Estados Unidos. Quem vai para a África e paga entre US$ 10 mil e US$ 20 mil para ficar no meio do mato, percebe que a Amazônia é barata".

A ideia, entretanto, não é levar cada vez mais gente para a região. A construção de um hotel boutique sustentável em Novo Airão, por exemplo, ilustra bem o foco da empresa. O Hotel Mirante do Gavião, que terá serviços exclusivos como spa e massagens, funcionará como um hub para poucos viajantes. "Nosso público é a classe A, no máximo a B. Não queremos criar um volume muito grande de pessoas, pois iria contra o conceito das pequenas comunidades com as quais trabalhamos nos roteiros".

Mais informações: www.katerre.com/portal/