Topo

Conheça o hotel que inspirou a história de "O Iluminado", no Colorado

Amy Thomas

New York Times Syndicate

07/04/2013 08h15

"A Lucy é extremamente ativa", Keith, magrinho e de cabelo escorrido, explicou para mim e mais nove hóspedes sentados na frente dele, olhos atentos como se fôssemos alunos da escola dominical. Como estávamos reunidos a menos de dez quilômetros do Parque Nacional das Rochosas, em Estes Park, no Colorado, seria de se pensar que ao dizer "ativa" ele estivesse se referindo a montaria, ciclismo, rafting, montanhismo ou qualquer outra atividade ou atração radical que faz da região um ímã para quase 3,5 milhões de turistas por ano.

Em vez de estarmos ao ar livre, porém, nos encontrávamos sentados numa saleta banhada por uma lâmpada fluorescente, no porão do Hotel Stanley. Sim, "aquele" Hotel Stanley, que inspirou o livro assustador de Stephen King, "O Iluminado", e no qual o filme aterrorizante de Stanley Kubrick, de 1980, foi baseado.

A Lucy de que Keith estava falando era um fantasma, cujas atividades são do tipo paranormal - e como descobri ao longo da minha estadia de 48 horas, dividida entre o hotel e o parque, o peculiar e o sublime - há quase tantos curiosos à caça de fantasmas quanto alpinistas.

Quando meu namorado me enviou o link do Stanley, onde aconteceu a festa de casamento de um dos amigos dele e onde passaríamos duas noites, fiquei meio ressabiada. Posso acreditar em fantasmas, mas não me agrada a ideia de "vivenciá-los".

Entretanto, quanto mais eu lia sobre a história assombrada do lugar, mais fascinada – e animada – eu ficava. Embarcaríamos numa aventura no mínimo peculiar no Velho Oeste.

O Hotel Stanley é uma construção em estilo georgiano branca, que chama a atenção na Rodovia 34 rumo ao centro de Estes Park, uma cidadezinha a 112 km de Denver. F. O. Stanley que, junto com o filho, F. E. Stanley, inventou o automóvel a vapor Stanley Steamer, foi quem construiu a estrutura de 2.230 metros quadrados para que a mulher, Flora, pudesse receber a procissão infindável de amigos socialites - e foi um sucesso tão grande numa área tão bonita que o casal decidiu transformá-lo num hotel em 4 de julho de 1909.

Durante várias décadas, o Stanley foi uma acomodação elegante, recebendo desde políticos (como Theodore Roosevelt) a músicos (como John Philip Sousa) - até que, a certa altura, a coisa começou a ficar estranha.

Coisas inexplicáveis começaram a acontecer: luzes que acendiam e apagavam sozinhas; malas eram desfeitas misteriosamente. Quando não havia ninguém nos corredores, podia-se ouvir crianças brincando. O evento mais famoso ocorreu em 1974, quando o escritor Stephen King passou uma noite ali.

Diz a lenda que King era o único hóspede (até 1982 não havia aquecimento no Stanley, fazendo dele um negócio sazonal – e bem pouco rentável – durante as primeiras sete décadas) e ocupava o Quarto 217. Teve um pesadelo em que seu filho, na época com três anos, era perseguido pelos corredores e acordou com um sobressalto.

Durante o tempo que levou para fumar um cigarro e acalmar os nervos, admirando as Rochosas pela janela no meio da noite, encontrou a inspiração para escrever "O Iluminado", publicado em 1977.

Desde então, o Quarto 217 se tornou uma lenda. É o mais requisitado do hotel e celebridades como Johnny Depp e o Imperador do Japão já ficaram lá.

  • Patrick Andrade/The New York Times

    Chave para o quarto 217, suíte onde Stephen King passou a noite em 1974

Outros quartos também ganharam notoriedade: num deles, um casal percebeu, ao acordar, que estava completamente enfaixado com os lençóis. Em outro, o pessoal sentiu alguém fazendo cócegas no pé no meio da noite.

Em todas as áreas do hotel já aconteceram atividades paranormais. Quando descobrimos uma garrafa de água vazia no chão do nosso quarto depois de uma caminhada, já de cara culpamos os fantasmas – até admitirmos que era mais provável que, como a janela tinha ficado aberta, uma brisa mais forte a tivesse derrubado.

Apesar dos sustos – ou, pelo que vi no fim de semana, por causa deles – o Stanley é um sucesso. O Lodge, anexo de 40 quartos que oferece uma opção mais sossegada e pitoresca ao buchicho constante do prédio principal, foi reformado recentemente num estilo Western contemporâneo. Seu restaurante, o Cascades, é uma das poucas opções requintadas de Estes Park e oferece carne de carneiro e filé de costela. Já nos grandiosos salões de banquete da construção original são realizados muitos casamentos – motivo pelo qual estávamos ali.

Porém, por mais curiosa que estivesse a respeito das assombrações e por mais impressionada que estivesse com a sofisticação de um lugar que faz até 27 passeios por dia, era o playground natural que eu realmente estava a fim de explorar.

A beleza do Colorado é famosa, graças aos picos nevados de suas montanhas, vales luxuriantes e lagos imaculados - e os mais de 1.070 quilômetros quadrados do Parque Nacional das Rochosas não eram exceção. Eu e meu namorado queríamos explorá-lo ao máximo entre as festividades nupciais e começamos com um passeio de bicicleta organizado por uma das muitas agências de viagens regionais especializadas em aventura, a New Venture Cycling.

Pensei que a proximidade de Longs Peak, a montanha mais alta da região (4.346 m) se traduziria numa trilha superpuxada, mas quando nosso dois guias pararam a van para começarmos, vimos apenas várias propriedades espalhadas pela vastidão. Em vez de uma vereda montanhosa, cercada de abetos e pinheiros, estávamos num descampado.

Na primeira parte fizemos muitos ziguezagues, usando os freios o tempo todo (o que resultou numa queda de mais de 300 metros de altitude em questão de minutos). Sem dúvida, foi a parte mais intensa do passeio porque com a parada em Glen Haven (cuja população é de 165 habitantes), onde compramos os pãezinhos de canela "mais famosos do mundo" no armazém geral e o piquenique realizado no fundo do cânion cor de areia, foi tudo muito tranquilo.

O que a atração não tinha de vigorosa não lhe faltou de instrutiva. Elliot Demos, nosso guia de 25 anos, era especialista na flora indígena da área (pinheiros ponderosa que exalam aroma de baunilha) assim como na fauna (o rio Big Thompson está recheado de trutas-verdes, o peixe símbolo do estado), no folclore e na história da região. Em 1976, por exemplo, uma enchente-relâmpago no cânion por que tínhamos acabado de passar matou 144 pessoas. Percebendo que ele conhecia tudo ali, perguntei o horário que seria melhor para fazer caminhadas. "Quanto mais cedo, melhor", foi seu conselho.

  • Patrick Andrade/The New York Times

    A assustadora Mary lidera um tour pelo Stanley Hotel, a inspiração para o romance "O Iluminado" de Stephen King

Assim, por volta das dez da manhã do sábado – depois do "aquecimento" para o casamento no Ed's Cantina & Grill, o melhor mexicano da cidade, e cochilando em frente de "O Iluminado" (que é repetido 24 horas por dia num dos canais do hotel – pagamos nossos US$ 20 para entrar no Parque Nacional das Rochosas.

O tempo estava perfeito, com um sol brilhante e céu azul pontilhado de nuvens brancas. Cada curva no caminho oferecia uma vista maravilhosa dos picos nevados das montanhas ou vales floridos. Durante mais de duas horas fomos subindo, subindo e subindo a puxada Trilha Lawn Lake, passando por baixo de rochas imensas, ao lado de riachos cristalinos e apreciando a visão espetacular de campos, morenas e florestas - algumas verdes e exuberantes, outras marrons e destruídas pela epidemia do besouro-da-montanha. Antes, porém, de apreciarmos a beleza do lago subalpino que leva o mesmo nome da trilha, tivemos que voltar e começar nossa descida. Os deveres do casamento (e dos passeios fantasmagóricos) nos chamavam.

E foi assim que nos vimos sentados no porão do Concert Hall, um dos prédios que F. O. Stanley construiu no complexo de 64,6 hectares, inspirado na Sinfônica de Boston e palco de inúmeros concertos ao vivo oferecidos pelo casal dono do lugar. Nos anos 70, foi desativado e uma jovem fujona chamada Lucy se apossou do lugar. Como Keith explicou, foi o lugar onde foi mais feliz durante sua vida curta e, depois de morrer na cidadezinha, passou a "viver" no porão, na sala em que ocupávamos naquele momento.

"Lucy se comunica conosco das mais diferentes formas", ele contou, imitando o assobio, o canto e a respiração pesada ouvidos por ali. Às vezes, a mulherada sentia ondas de calor ou vertigem. "De vez em quando acontece alguma coisa inesperada."

Como se fosse ensaiado, a porta se fecha à nossa frente com um estrondo. A adolescente sentada próxima a ela pula e resolve sentar duas fileiras para trás, com os pais. Keith ficou roxo, e começou um riso nervoso ou de triunfo, não soube dizer. Virei para meu namorado, que não acredita em fantasmas, e quase pude ver o mecanismo do cérebro dele, tentando decidir se o que tínhamos acabado de testemunhar era legítimo. Será que era mesmo a Lucy tentando se comunicar conosco?

Verdade ou não, foi o final perfeito do nosso fim de semana. Tínhamos ido para o Velho Oeste e conquistamos não só a natureza como o desconhecido.

Se você for

Hotel Stanley (333 Wonderview Ave.; 800-976-1377 ou 970-577-4000; stanleyhotel.com). Quartos duplos a partir de US$ 159 no inverno.

Restaurante Cascades (no Stanley). Jantar para dois, sem vinho, cerca de US$ 75.

Ed's Cantina & Grill (390 East Elkhorn Ave.; 970-586-2919; edscantina.com). Jantar para dois por cerca de US$ 35.

New Venture Cycling (2050 Big Thompson Ave.; 970-231-2736; newventurecycling.com). Passeios de 2,5 a 8 horas: de US$ 55 a US$ 145 por pessoa.