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Conheça a Turquia em um roteiro pelos principais monumentos do Império Otomano

Andrew Ferren

New York Times Syndicate

23/09/2012 07h45

"O único jeito de se chegar à mesquita Semsi Pasha é pela água", disse o meu guia enquanto o nosso barquinho balançava ao passar por dois navios-tanque no Estreito de Bósforo. Na costa, os domos e minaretes de algumas das quase três mil mesquitas de Istambul se delineavam no horizonte dessa cidade inigualável.

Não demorou para que o capitão fizesse a primeira das várias tentativas de passar no meio dos pescadores que jogavam suas redes em alto-mar. Minutos depois, entre os gritos das gaivotas, desembarcamos em Uskudar, do lado asiático, e paramos na frente da Semsi Pasha, construída no século 16 e uma das menores mesquitas da cidade, micro versão de templos gigantescos como a Mesquita Azul. Com paredes simples de pedra e apenas uma amostra de vitral nas paredes, seu interior discreto é uma invocação reprimida e elegante do paraíso na Terra.

Eu tinha ido à Turquia para uma peregrinação arquitetônica. Depois de várias visitas para explorar o cenário energético da arte contemporânea e do design do país, queria saber mais sobre o trabalho de um arquiteto/engenheiro do século 16 chamado Sinan. Ele não pode ser encarado como um profissional qualquer - afinal foi arquiteto-chefe e engenheiro civil do Império Otomano durante seu apogeu; seus "patrões", o sultão Suleyman, o Magnífico e seus herdeiros, eram os homens mais poderosos do mundo.

Numa carreira que começou quando ele tinha uns 40 anos e durou cinco décadas, Sinan construiu cerca de 300 estruturas pela Europa Oriental e Oriente Médio. Uma vez que a maioria dos ocidentais que visitam a Turquia nunca ouviu falar de seu nome, os guias o comparam ao seu contemporâneo, Michelangelo; porém, dado o alcance, a proporção e a quantidade de prédios que fez, chega a ser um insulto ao turco. Michelangelo deu uma contribuição espetacular a alguns prédios em Roma e Florença; Sinan é responsável por centenas de estruturas monumentais ainda em uso, de Belgrado a Meca. Pode-se dizer que Sinan foi o primeiro "astro da Arquitetura" do mundo.

O Santo Graal de minha peregrinação estava em Edirne, antiga capital do Império Otomano, perto da fronteira com a Bulgária e a Grécia, onde a mesquita Selimiye, com seus quatro minaretes elegantes, se destaca no centro da cidade. Sinan considerava essa sua obra-prima e, em 2011, a UNESCO concordou com ele, declarando o complexo - conhecido em turco como um "kulliye", incluindo escolas, asilos, hospitais, banhos e um bazar coberto - patrimônio da humanidade.

"Sinan foi o Euclides de sua época", afirma Dogan Kuban, autor de mais de 70 livros sobre a arquitetura islâmica. "Em São Pedro, em Roma, o que chama atenção é o domo em si", explica ele numa entrevista recente, "mas os de Sinan, delicados, e com sua pintura abstrata, parecem flutuar. Em vez de contemplar a estrutura, você admira o espaço".

Para entender melhor o que verei em Edirne, pedi à agência de viagens Sea Song Tours, em Istambul, que me desse um curso relâmpago, de três dias, sobre Sinan. Ao visitar uma dúzia de suas obras em Istambul, posso entender melhor como seus experimentos com composições geométricas complexas transformaram grossas paredes de pedra em colunas, arcos, domos e semidomos, detalhes chamados tímpanos e trompas e como fez a transição vertical da base quadrada da mesquita para seu teto arredondado.

  • Piotr Redlinski/The New York Times

    A mesquita Sehzade foi concluída em 1548

Meu guia, Sinan Yalcin, chamou a atenção para os detalhes de cada obra em visitas que duraram de vinte a trinta minutos, em vários pontos de Istambul; ziguezagueamos entre a Ásia e a Europa de carro e barco - e embora nos deslocássemos com rapidez, comêssemos em lugares baratos e quase morrêssemos congelados por tirar o sapato para entrar em muitas das estruturas em pleno mês de março, essa foi talvez a viagem mais luxuosa que já fiz na vida – 72 horas dedicadas a uma maravilha arquitetônica atrás da outra.

Primeira parada: a mesquita Sehzade, em Edirnekapi, construída no início da carreira de Sinan. Quando foi concluída, em 1548, o arquiteto reconheceu que ainda tinha muito que aprender. No exterior das paredes laterais da construção, Sinan dividiu os pilares que suportavam o peso do domo em colunatas e, para criar simetria, colocou portas no centro delas. Acontece que, na prática, dentro da mesquita, os fieis passaram a entrar e sair pelo meio do templo e não por trás. "Um espaço sagrado feito para a oração e contemplação virou passagem", o guia explicou. "E esse foi um erro que ele jamais repetiu."

Perto dali fica a mesquita mais importante de Sinan em Istambul. Encomendada por Suleyman para ser sua tumba e concluída em 1558, a Suleymaniye fica no topo da colina mais alta do Golden Horn e é um dos monumentos da maior destaque da cidade. Ali, Sinan equilibrou com arte a altura dos quatro minaretes para reforçar a ilusão de que a mesquita flutua sobre a cidade. Recentemente foi reaberta depois de três anos de uma reforma que deixou o complexo brilhando. Ainda assim, sua grandiosidade me deixou gelado.

Para fazer o sangue voltar a circular nos nossos pés congelados, caminhamos até a próxima parada, a Rustem Pasha, situada no mercado de especiarias da cidade, onde os comerciantes lotam a calçada e verdadeiras multidões de consumidores, principalmente mulheres, invadem as ruas. Sinan resolveu o problema do barulho e do movimento da área elevando o complexo acima do nível da rua, com duas escadarias discretas que levam a uma praça serena acima de toda a agitação. O verdadeiro tesouro, porém, fica dentro dela, onde as lajotas Iznik do século 16 oferecem aos fiéis um verdadeiro jardim de tulipas em cobalto, turquesa e cornalina com folhas de esmeraldas verdes.

O dia seguinte começou cedo, na mesquita Mihrimah Sultan II em Edirnekapi, encomendada pela filha de Suleyman, Mihrimah. Entrar ali depois das orações numa manhã cinzenta de março foi como entrar numa caixa cheia de luz. Decorada com vitrais, as paredes do templo são uma verdadeira maravilha da construção do século 16. Dizem que Sinan era apaixonado por Mihrimah, mas como era casada com Rustem Pasha, o Grão-Vizir de Suleyman, ele se contentou em construir a mesquita com o máximo de luminosidade possível, para refletir o nome dela, que significa "sol e lua". No solstício de verão, é o lugar ideal para ver o sol se pôr e a lua nascer em lados opostos do céu.

Sinan, o guia, sabia detalhes interessantes sobre a vida na época de Sinan, o arquiteto: por exemplo, apesar da sociedade patriarcal dos otomanos, as filhas, Mihrimah inclusive, eram mais ricas e viviam mais do que os filhos do sultão. No dia que um novo líder era proclamado, seus irmãos eram mortos para evitar disputas pelo poder.

  • Piotr Redlinski/The New York Times

    Interior da mesquita Mihrimah Sultan II, em Edirnekapi

Esse último comentário foi feito enquanto admirávamos as tumbas de Selim II, situadas entre Hagia Sofia e a mesquita Azul, onde turbantes estilizados, feitos de tecido branco, enfeitam os caixões que guardam os corpos dos homens da família do sultão. Ao lado, os recém reformados banhos de Hurrem, feitos para a adorada esposa eslava de Suleyman, Roxelana, que acabaram de ser reabertos.

Depois de um almoço mais que simples de kofte (carne moída com especiarias) e feijões vermelhos numa lanchonete simples, caminhamos dez minutos para chegar à mesquita Sokollu Pasha, também famosa pelo belíssimo piso Iznik. A disposição das lajotas oferece uma vista dramática e abrangente do teto que abriga fontes de ablução no primeiro plano e da repetição infinita de domos e arcos da mesquita em si. No meio da tarde, éramos os únicos visitantes.

Depois, pegamos o barco para Semsi Pasha e caminhamos até a mesquita Mihrimah Sultan I (1549), também em Uskudar. Um elemento que Sinan alterou ali foi o pórtico duplo, largo, que cobre a área onde os fiéis tiram os sapatos e onde os atrasados podem se ajoelhar em oração protegidos pelos elementos. Drasticamente maior para incluir as fontes de ablução, a inovação foi usada em mesquitas rurais espalhadas pelo Oriente Médio.

O último dia começou com três horas de estrada rumo noroeste, para Edirne, onde o domo e os minaretes da mesquita Selimiye eram vistos a quilômetros de distância. Conforme íamos nos aproximando, o templo se transformou num punhado de formas – esferas, cones e cilindros – envolvidas em arenito cor de mel ou argila cinzenta. Porém, depois de passarmos pela pesada cortina verde que protege a entrada de todas as mesquitas, a complexidade artística das paredes exteriores, impenetráveis, se transforma em colunas e arcos de pedra que rodeiam um espaço vasto e harmonioso.

Apesar de gigantesco – o domo da Selimiye supera, ainda que por poucos centímetros, o de Hagia Sofia – nenhum detalhe era pequeno demais para escapar à atenção de Sinan, desde os entalhes intricados do minbar (púlpito), até uma tulipa invertida escondida numa coluna, talvez referência ao dono do terreno cuja fazenda de flores foi desapropriada para que se pudesse construir a catedral.

Além da história e da arquitetura, Edirne é conhecida hoje com a Cidade do Fígado – todos os restaurantes servem a iguaria, cortada em tiras, empanada e frita, sem acompanhamentos. Depois de conversar com vários comerciantes, Sinan, o guia, encontrou um lugar com que simpatizou e nos apertamos entre os moradores para almoçar.

Com o estômago e o cartão de memória da câmera cheios, caminhamos ao longo do Rustem Pasha Caravanserai, que hoje tem um hotel, a caminho do carro. A uma hora de Istambul, paramos para admirar a Ponte do sultão Suleyman, construída por Sinan em 1567, ainda firme, apesar do tempo e dos prédios novos atrás de si. Quando escureceu, voltamos para a cidade que, cinco séculos depois, ainda pertence a Sinan.