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Passeio por celeiros históricos de Iowa revela tradição rural dos Estados Unidos

Ceil Miller Bouchet

New York Times Syndicate

22/09/2012 08h20

O Ford Ranger, todo enlameado, levantou uma nuvem de poeira ao passar pelo cascalho da estrada perto de Decorah, no nordeste de Iowa. "Está vendo aquele ali?", perguntou a nossa guia, Marlene Fenstermann, apontando para um telhado que mal se via entre uma floresta de pinheiros. "É bem raro, do tipo inglês." E, antes que eu pudesse ver direito, subimos a colina para ver uma paisagem que poderia muito bem estar numa das pinturas de Grant Wood: pedreiras de rocha calcária, plantações impecáveis, pilhas de madeira e celeiros. Muitos celeiros, por toda a parte.

Talvez porque eu seja neta de fazendeiros do Iowa, tenho uma queda por celeiros antigos. Pode ser por causa da vastidão do céu do Meio Oeste ou as vastas propriedades, mas os celeiros do meu estado parecem ser mais impressionantes. Por tradição, eles são o destaque de qualquer fazenda ali, estruturas solitárias que me lembram do trabalho árduo que as famílias do interior sempre tiveram antes mesmo de sonharem com o conceito de agronegócio.

Apesar disso - e dos comentários experientes de Marlene durante os dois dias de exploração dos celeiros históricos da região de Decorah - nunca consegui diferenciar os tipos diferentes de galpões (que são construídos dependendo de como o fazendeiro armazena o feno, ela explica) nem soube as vantagens e desvantagens de um telhado triangular em relação ao de duas inclinações.

Iowa é o lugar ideal para os fãs de celeiros históricos porque a topografia da região permitiu que os primeiros produtores, que se estabeleceram em meados do século 19, investissem em culturas variadas, moldando assim os celeiros de acordo com suas necessidades específicas, incluindo a produção de leite e a criação de gado.

Há três décadas Marlene vasculha essa região, primeiro como enfermeira da rede pública e agora como integrante da Iowa Barn Foundation (iowabarnfoundation.org), uma associação que oferece financiamento e apoio para a recuperação dessas "catedrais das pradarias", como um pedreiro da região os descreveu para mim.

Marlene e seus colegas têm que trabalhar rápido para preservar esse patrimônio rural, pois os celeiros de Iowa estão desaparecendo rapidamente: segundo a fundação, mais de mil são demolidos todos os anos.

Porém, os proprietários que se dão ao trabalho e ao gasto – Marlene disse que se chega a gastar até US$ 50 mil para recuperar um galpão decrépito – têm a chance de exibir sua "catedral" todos os anos no Passeio Estadual dos Celeiros que a fundação promove anualmente e que este ano acontece em setembro.

As visitações a celeiros é a versão do interior do Iowa dos passeios históricos ou paisagísticos urbanos. Instituições regionais como a de Marlene oferecem mapas (tanto on-line como num ponto de encontro central) e garantem que o dono do local esteja presente para mostrar tudo aos visitantes. Algumas até organizam piqueniques e festas beneficentes, oferecendo uma alternativa à agricultura.

  • Mark Hirsch/The New York Times

    O celeiro restaurado de Sherry Gribble abriga festas, como este baile anual de celeiros

Minha filha adolescente, Annie, conferiu comigo uma prévia do que Marlene vai mostrar a centenas de visitantes que percorrerem os celeiros do nordeste de Iowa, construídos por imigrantes noruegueses, alemães e tchecos.

A viagem teve um clima muito emocional para mim, afinal envolvia algumas das minhas lembranças mais queridas, como o esconde-esconde com meus primos no celeiro dos nossos avós. Minha família morava em Delaware, mas assim que eu e meu irmão víamos o telhado do grande depósito vermelho que meu avô construiu, em meados dos anos 30, em Cedar Rapids, parecia que estávamos voltando para casa.

Em 1979, soubemos que o antigo galpão deveria ser demolido, vítima de uma rodovia nova que passaria pelo meio dos milharais. Minha mãe, com a resignação típica dos nativos do estado, pouco disse, mas antes da demolição me levou para pegar groselha no pé pela última vez atrás da "nossa velha casa", como ela e as irmãs se referiam ao lugar.

Fazia anos que eu não punha o pé numa fazenda e a nossa primeira parada me causou um forte impacto. Um celeiro vermelho escuro se levantava nos campos da propriedade, ao lado de cercado quase cheio de espigas douradas, um moinho de vento e um chiqueiro de madeira.

Lá dentro, Marlene fez questão de mostrar o trabalho artesanal da junção das vigas, os cochos e as baias. Annie ficou acariciando um bezerrinho e passou o resto da visita com Karl, "o cachorro mais simpático do mundo" de acordo com Alice Palmer, a dona da fazenda, construída pelo avô em 1921.

O celeiro de Alice ainda é funcional, mas a maioria dos outros que visitamos foi remodelada ou reformada - como o da próxima parada que fizemos, que era usado para ordenha. Depois de uma reforma de dez anos, Roger Kruger, de 69 anos, aluga o espaço para reuniões religiosas e familiares. Tem até uma carroça antiga na parte superior.

Ele se confessa orgulhoso do que os seus antepassados construíram. "No último ano, cinco celeiros num raio de sete quilômetros foram demolidos", conta ele. "Acho que temos que preservar para as futuras gerações." E acrescenta: "O bom é que geralmente uma reforma tem um 'efeito cascata', ou seja, os vizinhos se sentem motivados a fazer o mesmo."

De volta à estrada, comecei a entender por que a readaptação é essencial na preservação das comunidades rurais. Ao nos aproximarmos da próxima sede do nosso itinerário, Marlene mostrou um celeiro baixo, elegante, em destaque contra a encosta. Ela explicou que as construções desse tipo, comuns na área, são utilizadas para separar os animais, que são levados do andar térreo para o superior, utilizado para armazenagem e debulha. Quatro cúpulas simétricas no telhado desviaram minha atenção da casa de pedra por trás das árvores. Buzinando alto, estacionamos na frente da casa. (No interior é mais fácil buzinar que tocar a campainha, já que os donos raramente estão dentro de casa.)

  • Mark Hirsch/The New York Times

    Celeiro do casal John e Meghan Palmer. Os tataravós da proprietária eram os donos do espaço

Mark e Cheryll Mellenthin, os proprietários, disseram que compraram a StoneHaus Farm (stonehausfarm.com), sede em estilo norueguês com mais de 165 anos, em 2009. Apontando para a base sólida de pedras do celeiro, Mark me disse que a parede estava desmoronando, cheia de lama, antes da reforma. "Os pedreiros são verdadeiros salva-vidas dessas construções", disse ele. A casa também estava sendo modificada para se tornar um espaço elegante com paredes de pedras expostas, pisos de madeira e um candelabro de cristal. (A StoneHaus estará disponível para aluguel de férias a partir de julho.)

No fim da tarde, voltamos para a estrada. Quando a picape nos ultrapassou, o motorista levantou o dedo indicador solenemente e meneou a cabeça – um detalhe da etiqueta local que aprendi com meu tio, que foi quem me ensinou a dirigir nas estradinhas perto da nossa fazenda.

Não demorou para chegarmos à última parada. O celeiro era uma beleza, com um telhado largo sobre a fachada decorada com uma pintura colorida. Fomos recebidas por Meghan Palmer, de 29 anos, que levava nas mãos três ovos que tinha acabado de recolher. Ela explicou que a propriedade era de seus tataravós.

John, seu marido, deixou um pouco o gado de lado para me mostrar o monstruoso celeiro, reformado com a ajuda da fundação e atualmente usado para a ordenha orgânica. Mais uma vez, o aroma adocicado do feno me levou de volta ao passado. Annie estava ali, ao meu lado, com uma cachorrinha recém nascida chamada Lilly no colo.

Perto dos cochos, John descalçou as pesadas luvas. "Teria sido mais barato demolir tudo e construir um novo", explicou ele, "mas acho que uma fazenda sem um celeiro antigo fica meio pelada. Para mim, a agricultura tem tudo a ver com as tradições e o passado."