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Conheça as ilhas Solentiname, na Nicarágua, lugar de lindas florestas, arte naif e pessoas felizes

Steve Bailey

New York Times Syndicate

10/06/2012 09h25

Quem se interessa por arte primitivista conhece as ilhas Solentiname, na Nicarágua. As pinturas dos artistas locais mostram a região como um paraíso de florestas luxuriantes, pássaros exóticos e o povo, feliz, ocupado em suas tarefas diárias.

Na verdade, visitar as ilhas é entrar numa dessas obras.

O arquipélago Solentiname reúne 36 ilhas perto da porção sul do Lago Nicarágua, próximo o suficiente para permitir que os caiaqueiros remem de uma para a outra, mas longe para quem está às margens do lago e precisa de um barco ou a balsa para chegar lá. Apenas quatro ilhas são habitadas permanentemente e a população atual é de cerca de 750 habitantes. Apesar disso, e graças em grande parte ao esforço de um padre católico chamado Ernesto Cardenal, a arte produzida pelos ilhéus pode ser encontrada em todo o país e já foi exibida internacionalmente.


As ilhas já eram bem conhecidas antes dos anos 1960, quando o padre Cardenal, natural de Granada, chegou a Mancarron, a maior das Solentinames, para estabelecer uma igreja - e acabou despertando não só a consciência política como fez surgir uma comunidade de artistas que, décadas depois, continua próspera.

"Quando Cardenal veio para Solentiname, o povo não tinha nada", explica Maria Guevara Silva, que tinha quinze anos quando chegou e hoje cuida de uma pousada e pinta. "Não tinha escola, não tinha barco", diz ela, referindo-se aos barcos a motor. A maioria dos moradores era de agricultores tentando tirar algo do terreno íngreme e rochoso. O padre Cardenal, escultor e poeta, se propôs a melhorar a vida dos habitantes, encorajando-os a se expressar através da arte."

"Os primeiros pintores fomos eu, meu irmão Alejandro e José Arana", diz Maria, explicando o projeto do padre, que começou em 1967. "Ele comprou todo o material e disse para a gente pintar o que quisesse." E assim nasceu o estilo inconfundível das Solentinames: obras detalhadas em óleo e acrílico de selvas tropicais e das águas, onde se veem garças-brancas, azuis e japus, os pássaros pretos cujos ninhos, sempre pendurados, também aparecem nos quadros. "O pessoal descobriu que as pinturas podiam ser vendidas", ela explica, falando dos turistas que visitavam a ilha e dos colecionadores, interessados em arte naif.

Essa, porém, não foi a única inovação implantada pelo religioso. As missas realizadas em sua igreja aberta se pareciam mais com sessões de estudo da Bíblia: ele lia uma passagem das Escrituras e convidava os "campesinos" (moradores pobres da ilha) a interpretá-la. E começou a registrar essas reuniões. As transcrições foram reunidas numa coleção chamada "The Gospel in Solentiname", ("O Evangelho em Solentiname", em tradução literal), publicada na Espanha em 1975 e em inglês em 1978, e que hoje se tornou referência para os interessados na Teologia da Libertação.

O ponto de partida para as ilhas é em San Carlos, uma cidadezinha na margem sul do Lago Nicarágua. Foi ali que minha mulher, Jane, e eu conhecemos Ernesto Alaniz, um garoto de 18 anos que pretende se tornar guia turístico profissional. Ele foi enviado pelo nosso hotel para nos recepcionar e garantir que tomaríamos a balsa. Nós não falamos espanhol, por isso Ernesto foi também nosso intérprete. Felizmente, ele sabe tudo sobre a história do padre Cardenal e das ilhas (Maria é sua tia-avó).

Perguntei a ele o que os ilhéus tinham aprendido com o padre. "Se você tem trinta tomates e seu vizinho precisa de dois, você deve dar a ele esses dois", ele disse. "Comunidade é isso. Foi o que o padre Ernesto Cardenal ensinou."

As missas e discussões na igreja de Mancarron geralmente caíam nas escolhas políticas e morais feitas pelos nicaraguenses que, na época, viviam sob a ditadura de Anastasio Somoza. "Conforme os camponeses de Solentiname foram se aprofundando nos Evangelhos", o padre escreveu no último capítulo do livro, "não puderam deixar de se identificar com os irmãos e irmãs que estavam sendo perseguidos e aterrorizados. (...) Para essa solidariedade ser real, eles tiveram que arriscar não só a segurança como também a vida".

Em 1977, foi exatamente o que os homens da ilha fizeram, invadindo o posto da Guarda Nacional do General Somoza em San Carlos. As forças do governo capturaram e mataram um dos invasores, Elvis Chavarria, e destruíram a maioria das propriedades e casas das ilhas. Dois anos depois, o movimento sandinista depôs a ditadura e o padre Cardenal foi nomeado Ministro da Cultura do novo governo, cargo que ocupou até 1987 - e formou a Associação de Desenvolvimento das Solentinames para criar as comunidades que os visitantes veem hoje em dia.

O padre deixou os sandinistas em 1994; hoje, aposentado, vive em Manágua e é figura importante de oposição. Além de "Os Evangelhos em Solentiname", ele publicou várias outras obras, principalmente de poesia, e é descrito como um dos escritores latino-americanos vivos mais importantes.

  • Steve Bailey /the New York Times

    Vista do arquipélago Solentiname, na Nicarágua


Jane e eu ficamos no Albergue Celentiname de Maria, o primeiro a se estabelecer nas ilhas, construído por sugestão de Cardenal para acomodar os estrangeiros que chegavam para ouvir seus sermões. Fica na ilha de San Fernando, oficialmente rebatizada de ilha Elvis Chavarria, embora os moradores insistam em usar o nome antigo.

A pousada - que tem uma varanda enorme de onde se pode admirar o por-do-sol mais belo da região - fica no extremo oeste de um calçadão chamado Corredor de los Pintores, onde moram muitos artistas da ilha. Os turistas podem observá-los durante o trabalho e, é claro, comprar suas pinturas. As menores são vendidas a partir de US$ 40, sendo que as maiores e mais elaboradas podem chegar a US$ 500 ou mais (o dólar americano é moeda oficial da Nicarágua).

No mesmo calçadão fica a outra pousada da ilha, Cabanas Paraiso, a doca da comunidade, a única loja e os degraus que levam à pequena galeria de arte cooperativa. Do lado oposto do boulevard, a leste, fica a trilha para a entrada no Musas, um museu minúsculo que mostra a história natural e cultural do arquipélago. Ao longo do caminho, é bem provável que você veja pescadores remando em suas canoas ou em pangas.

Também em San Fernando fica a trilha que leva a um petróglifo pré-colombiano, uma rocha vulcânica onde foi gravada a imagem de duas cobras entrelaçadas. A caminhada, que leva uma hora e meia com um guia local, atravessa a floresta tropical onde árvores fantásticas são cobertas de bromélias e orquídeas e o barulho dos passos faz os pássaros coloridos saírem voando.

A única outra Solentiname que oferece acomodações para visitantes é Mancarron, a que levamos alguns minutos para chegar no barco do Albergue Celentiname. Numa comunidade chamada El Refugio, os artesãos entalham e pintam a madeira para criar peixes coloridos, pássaros, sapos e tartarugas. Entre o El Refugio e a doca da comunidade fica a igreja do padre Cardenal, uma edificação de pedra a céu aberto com janelas pintadas para parecer vitrais, bancos sem encosto multicoloridos, um altar simples, mais parecendo um bloco, e paredes caiadas enfeitadas com pinturas de peixes e outros animais. Também ali perto fica um minúsculo museu arqueológico com vários entalhes pré-colombianos interessantes.

  • Steve Bailey /the New York Times

    Peça do estilo inconfundível das Solentinames


Ernesto fala sobre a trilha para uma cachoeira em Mancarron. "É uma caminhada longa e difícil", ele diz, olhando para as nossas sandálias. O recado foi bem claro; assim, optamos por subir a pequena colina que leva à cabana modesta em que o padre vivia. Como ele está em Manágua, está tudo fechado, mas pudemos apreciar a vista do Lago Nicarágua de sua varanda, ligada à da casa vizinha, que pertence a parentes de Ernesto. Eu fiquei com a minha cerveja gelada, na cadeira de balanço, apreciando a vista, enquanto Jane e o garoto tentavam chegar perto de duas pacas que estavam escondidas ali perto.

Na volta a San Fernando, para nossa segunda e última noite, contamos com a companhia de um casal francês, um professor espanhol que vinha da Bélgica e um professor costarriquenho aposentado de História na varanda da Celentiname, onde Maria exibe e vende suas pinturas e os trabalhos de artesanato da família. Eu perguntei a ela o que atraía os turistas a Solentiname. Ela disse: "Alguns vêm ver a natureza ou comprar as obras, mas a maioria quer ver onde "Os Evangelhos em Solentiname" foram criados. Praticamente todo mundo que vem para cá está interessado em Cardenal."

Nas Ilhas Solentiname
É mais fácil chegar às Solentinames a partir de San Carlos, uma cidadezinha onde o rio San Juan se funde ao Lago Nicarágua. Há um voo diário da La Costena Airlines (lacostena.com.ni) de Manágua para San Carlos, onde você pode pegar o barco das três da tarde (505-8828-2243; US$ 10) para as ilhas.

Por causa dos pernilongos, é melhor sair de Mancarron no máximo até as cinco da tarde; nós não tivemos problemas com os insetos em San Fernando em janeiro. Os hotéis da ilha oferecem pensão completa, já que não há restaurantes.

O Albergue Celentiname (505-8893-1977; celentiname7@yahoo.es), em San Fernando (Ilha Elvis Chavarria) oferece oito quartos simples, com chuveiros de água fria e pensão completa por US$ 35 por pessoa, baseado em ocupação dupla. Só aceita dinheiro.

A Cabanas Paraiso (505-8894-7331; solentiname.info) também fica em San Fernando e é um pouco menos rústica que o Celentiname, mas seus 14 quartos também não têm água quente. As diárias começam a US$ 45 por pessoa, baseadas em ocupação dupla, e incluem pensão completa. Aceita cartão de crédito.