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Passeio faz uma prévia olímpica no East End de Londres

Elaine Glusac

New York Times Syndicate

11/03/2012 07h00

Mesmo em dias de sol (coisa rara em Londres), a caminhada da estação do metrô mais próxima até o Parque Olímpico é solitária, mas depois de chegar ao estádio - que vai acomodar 80 mil pessoas, embora ainda esteja no esqueleto, aguardando a cobertura exterior - encontrei centenas de outros curiosos atravancando a calçada.


Parece que era a invasão dos turistas que o Comitê Olímpico tinha em mente quando sugeriu o East End, a cerca de pelo menos dez ou doze estações do metrô de atrações como o Big Ben, como o epicentro da competição, que começa em 27 de julho. Embora as competições aquáticas sejam realizadas em Weymouth e Portland (e o futebol, em todo o país), a maioria das disputas acontecerá nessa região outrora decadente que ganhou uma repaginada.

Muito antes, porém, de os Jogos chegarem à cidade, ela já tinha um papel importante, senão obscuro, em sua história: décadas atrás, poucos turistas se animariam a visitar uma região conhecida por seus galpões abandonados, conflitos raciais e o banho de sangue de Jack, o Estripador; já hoje, é concorrida não só por ser a sede principal dos Jogos, mas por ser o local que absorveu a maior parte dos bombardeios da Segunda Guerra Mundial, o berço do Exército da Salvação, ter servido de inspiração para George Orwell e Jack London e ser uma fusão rica de imigrantes e artistas.

"A intenção era mesmo trazer as Olimpíadas para um área da cidade que precisava muito de ajuda" disse Steven Back, guia Blue Badge da Tour Guides, que levou a mim e outros doze visitantes a um Passeio Olímpico de duas horas, saindo da estação de metrô Bromley-by-Bow. "Essa é a única região em que a cidade ainda pode crescer."

Na frente da 1776 House Mill, reformada, Steven descreveu a área durante os anos anteriores à Revolução Industrial como "o celeiro de Londres", onde as plantações dependiam do rio Lea e os moinhos processavam grãos. A industrialização mudou tudo, e ali se instalaram fábricas de sabão, curtumes e fábricas de produtos químicos que poluíam o ar e a água, mas pelo menos estavam longe dos bairros nobres do oeste.

Bolsões de valorização em East London vêm de muito antes das Olimpíadas: com um tripé no ombro, um cinegrafista parou para perguntar como chegar ao 3 Mills Studio, o maior de Londres, usado pelas equipes de "Não Me Abandone Jamais" e "Sherlock Holmes 2" e que atualmente se prepara para as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos. Apesar de alguns prédios de apartamentos e casas-barcos interessantes ao longo dos canais, as redondezas do Estádio Olímpico continuavam vazias, dando a impressão de que havia mais guindastes do que gente.

A sensação de abandono mudou conforme subimos a Greenway, a via de sete quilômetros que acompanha o sistema de esgoto da área e circunda o Parque Olímpico ("Às vezes vem aquele bafo, mas hoje até que não tem cheiro", comentou o nosso guia). A cerca de 1,5 quilômetro do início da caminhada, nós nos unimos a outros grupos na frente da zona em construção para admirar o estádio, o centro aquático projetado por Zaha Hadid (que mais parece uma arraia) ao longe e a Orbit Tower, uma plataforma de observação projetada pelo escultor Anish Kapoor. Seguindo rumo ao norte, pudemos ver o cubo branco que vai abrigar os jogos de basquete e o velódromo elíptico da Hopkins Arquitetos, apelidado de "Pringle".

O passeio terminou no View Tube, um contêiner de carga que virou centro comunitário, iluminado por luzes de neon verdes. Seu Container Cafe, decorado com exemplares de arte local e cheio de gente bebericando café tranquilamente, oferece a única oportunidade durante a caminhada de ver os moradores da área olímpica, uma mistura de artistas ensebados, idosos tranquilos e mães tentando carregar os filhos para o parquinho adjacente.

Depois dos Jogos, o plano é converter o estádio na casa de um dos times de futebol locais; o centro aquático, em piscina comunitária e a vila dos atletas em moradia a preço acessível - mas o tour revela muito pouco sobre a vida local de East London, considerado o portal dos imigrantes, com grande concentração de bengaleses, africanos e caribenhos.

Para ter uma ideia melhor do que era o East End, entrei em contato com o pessoal do London Greeters. Criado há um ano, o serviço oferece passeios grátis, individualizados e feitos por moradores, e podem durar de uma a quatro horas. Os 22 guias voluntários da organização percorrem os cinco distritos de East London, além de Camden, no centro.

  • Andrew Testa/ The New York Times

    A área bastante arborizada de London Fields, na capital da Inglaterra


Para contratar o serviço, é preciso mandar um e-mail para a sede da empresa, em Greenwich, com pelo menos duas semanas de antecedência. Eu avisei que me interessava por arte, pensando em passear por Shoreditch ou Hoxton. Três dias depois, recebi uma proposta que não parecia ser lá grande coisa: um homem chamado Graham Woods estava disponível na data que especifiquei e poderia me levar para conhecer Hackney, um bairro de classe operária praticamente ignorado pelos livros. Nos e-mails que trocamos antes do nosso encontro, porém, Woods descreveu em detalhes, muito animado, os três itinerários. Acabei optando por um de duas horas para o qual acabei me atrasando vinte minutos - e encontrei o meu acompanhante alto e barbudo, um engenheiro aposentado que fazia maquetes, me esperando pacientemente na porta da estação Hackney Central.

A minha primeira impressão de Hackney foi de abarrotamento: restaurantes étnicos de todos os tipos, de africanos a vietnamitas; uma igreja ortodoxa grega ao lado de uma escola de moda; um teatro vitoriano com uma árvore (?) crescendo no telhado.

Comecei a ter uma ideia melhor da área no Hackney Museum, onde os artefatos expostos incluíam a recriação de um abrigo contra os bombardeios da Segunda Guerra (incluindo camas dobráveis e máscaras de gás) e quadros que mostravam as ondas migratórias de judeus e asiáticos.

Depois, cruzando o London Fields (antigo campo em que pastavam as vacas que iam para o abatedouro e hoje um parque muito arborizado), chegamos a um bairro de apartamentos construídos depois da guerra. Enquanto observávamos um garoto batendo bola num gramado, Woods explicou que as casas de tijolinhos substituíram as áreas bombardeadas pelos pilotos nazistas que queriam acabar com as fábricas do East End. Ele conta que a casa de sua família foi destruída também.

"Dizem que eu voei pela janela", Woods contou, descrevendo o bombardeio que deixou a família ilesa, mas sem ter onde morar. "Eu tinha dois anos, não me lembro de nada".

Passamos por três adolescentes do Oriente Médio com as cabeças cobertas pelas toucas dos moletons, um pedreiro terminando o serviço num apartamento de onde pendia uma placa de "Vende-se" e casais elegantes descendo as ruas residenciais a caminho da Dalston Lane, onde Woods me pegou pelo braço para evitar que eu fosse atropelada pelos ônibus de dois andares.

Agora estávamos num bolsão boêmio conhecido como Dalston, onde paramos para analisar um café chamado FARM:shop, que planta quase tudo o que consome, cria os próprios peixes em tanques ao redor das mesas e atrai gente jovem com seus laptops na hora do almoço. Fizemos outro pit stop para apreciar o florido Dalston Eastern Curve Garden, um jardim comunitário num pátio abandonado; depois, subimos quatro andares, até o topo do que já tinha sido uma fábrica de tintas e hoje é o descolado Dalston Roof Park, com temperos plantados por todos os lados e um bar azul turquesa brilhante que servia chopp e margaritas.

Na antiga fábrica ao lado, demos uma olhada no Arcola Theater, para ver dois atores suados coreografando uma cena de luta no palco e um clube de música eclética chamado Cafe Oto, onde hipsters vestidos em calças capris axadrezadas e camisetas justas batiam papo ao som de jazz. Embora o passeio de duas horas tenha se estendido para três, Woods insistiu em me acompanhar, de trem, até Shoreditch, onde eu tinha outro compromisso.

 

  • Andrew Testa/ The New York Times

    O cinema Hackney Empire, na Mare Street, na região de East End, em Londres


Pelo que aprendi no meu primeiro passeio pela região, as Olimpíadas já tinham transformado o East End num destino turístico - mas o Greeters deu um rosto ao lugar.

Se você for
Para organizar um passeio com a London Greeters (visiteastlondon.com/london-greeters) em East London, mande um e-mail para greeters@greenwich.gov.uk duas semanas antes da data planejada. Os tours grátis ficam limitados a seis pessoas e duram de uma a quatro horas.

A Tour Guides oferece uma caminhada de duas horas ao Parque Olímpico todos os dias, às onze da manhã, saindo da estação de metrô Bromley-by-Bow por nove libras ou US$ 13,65 a US$ 1,50 pela libra, por um adulto. Reservas no tourguides2012.co.uk.