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Vale da Morte, na Califórnia, tem mais de um milhão de hectares de estranhezas

Jesse McKinley

New York Times Syndicate

18/12/2011 07h00

Era pouco antes da meia-noite à beira do Vale da Morte, e eu estava em um quarto escuro no Amargosa Opera House and Hotel juntamente com cinco pessoas, que estavam certas que estamos conversando com fantasmas.

“Tem algo rolando”, disse um caçador de fantasmas que estava segurando um dispositivo para detecção de campos eletromagnéticos, que estava registrando algo. E apesar de eu não acreditar em fantasmas, eu estava sentindo arrepios.

O Parque Nacional do Vale da Morte não precisa de muita ajuda para ser assustador. Um dos locais mais baixos e áridos do planeta, o vale tem mais cidades fantasmas do que fantasmas de fato: pontos secos como Leadfield, Chloride City e Skidoo, cujos últimos moradores se mandaram tão logo acabou o ouro ou o rumor dele.

Mesmo os lugares que sobreviveram possuem nomes nefastos como Furnace Creek (riacho fornalha) ou reputações de assombrados, como Death Valley Junction, do lado de fora do portão leste do parque, onde os fãs do paranormal se reúnem para convocar os espíritos de garimpeiros, prostitutas e outros desajustados metafísicos. E há anomalias como a Racetrack Playa do parque, onde as rochas aparentemente se movem pela areia por conta própria.

Os mistérios e extremos do Vale da Morte sempre me intrigaram. Assim, no início deste ano, eu fiz a peregrinação até esta vastidão de mais de 1 milhão de hectares na divisa da Califórnia com Nevada, seguindo os passos de um número desconhecido de antigos garimpeiros e excêntricos.

Parte do atrativo para mim (e, sem dúvida, para muitos outros que visitam a cada ano) é o fato de ser remoto e a empolgação peculiar que estar em um local tão solitário pode inspirar. Esqueça ficar perdido no mar; eu raramente me senti tão isolado quanto no Vale da Morte, cuja ponta leste fica a cerca de 120 quilômetros (não em linha reta) a oeste de Las Vegas. Mas apesar de seu nome e reputação sinistra, o que encontrei foi um lugar repleto de bolsões de vida, de tartarugas tenazes a turistas igualmente durões.

O Vale da Morte pode aparentar sua idade – seu milhões de anos, não séculos – mas ele continua a atrair solitários à procura de silêncio e artistas à procura de inspiração na paisagem austera. Em janeiro passado, as temperaturas eram menos assustadoras do que as acima de 40 graus do verão, e foi quando decidi visitar, certo de que não derreteria e nem desmaterializaria.

Em Las Vegas, onde aluguei um carro, o agente, ao perguntar para onde eu ia, me promoveu de um sedan médio para um utilitário esportivo - algo que posteriormente me fez dar graças a ele, enquanto percorria as passagens estreitas e repletas de pedras do parque. (Suas estradas comuns são boas.) Em dois dias, eu cobri mais de 300 quilômetros, passando por dunas íngremes de areia, crateras vulcânicas, áreas planas de sal e picos cobertos de neve que dão para desfiladeiros de rochas avermelhadas.

Rhyolite

Eu comecei meu passeio do lado de fora da divisa leste do parque, na cidade há muito abandonada de Rhyolite, Nevada. A cidade de Rhyolite teve vida entre mais ou menos 1907 a 1916, durante a corrida do ouro.

As ruínas da cidade (um banco, uma cadeia, um armazém) são lembretes de quão básica a vida do garimpeiro podia ser. E perigosa: placas alertam sobre cascavéis e vigas brutas de madeira brotam de um poço de mina inativo. O cemitério inclui túmulos não marcados, onde a terra dura sugere que foi também foi um caminho pedregoso para o além.

Há sinais de atividade mais recente em Rhyolite. No Goldwell Open Air Museum, onde não havia nenhum funcionário, instalações a céu aberto se sobrepõem de forma surreal à paisagem desolada.

Fundado em 1984 pelo escultor Charles Albert Szukalski, o museu exibe peças fantasmagóricas como “A Última Ceia” (13 figuras espectrais tendo como fundo as montanhas além). Várias outras peças, incluindo um pinguim de metal, um sofá gigante de cerâmica e um nu cubista, também se erguem como miragens.

  • Ann Summa/The New York Times

    Círculo de Meditação no Goldwell Open Air Museum, onde instalações a céu aberto se sobrepõem de forma surreal à paisagem desolada

Leadfield

Cerca de 25 quilômetros a oeste, nas Montanhas Grapevine, fica Leadfield, cujo acesso é apenas por uma estrada de cascalhos no leste. Não foi um percurso fácil: entrar em uma vala não era opcional; cair de um penhasco era. Por mais vagaroso que fosse o percurso, ao menos a viagem era colorida: as rochas vermelhas davam lugar para matacões em tons que variavam de verde da nota de dólar a cor-de-rosa de pétala. E finalmente, após quilômetros de zigue-zagues, eu cheguei a Leadfield, uma coleção de barracões de folha de flandres enferrujados, usados por alguns meses em 1926.

A estrada de saída é que era a verdadeira atração: uma rota de mão única descendo até a base arenosa de uma fenda profunda, larga o suficiente para um carro. Foi aqui que comecei a sentir a idade do local: os muros altos e suaves dos desfiladeiros abertos durante milênios pela água; os petróglifos indígenas que indicavam que pessoas já viveram nessas colinas áridas.

Eu fiquei feliz em sentir o pavimento da Rodovia 190, que leva a mais vistas no norte, tanto naturais – como a cratera Ubehebe, um entalhe ancestral deixado por um vulcão em atividade – quanto feitos pelo homem. Scotty’s Castle, por exemplo, é o que há de mais próximo de uma atração turística tradicional no Vale da Morte: uma insensatez dos anos 20 construída pelo Johnsons – um executivo de seguradora de Chicago e sua esposa – que foram seduzidos por Walter Scott, ou Death Valley Scotty.

Scott era um sedutor da era do jazz que persuadiu os Johnsons a construírem uma mansão ao estilo mediterrâneo, com estábulos, uma torre de relógio e uma fonte alimentada por um gerador, em um canto verde no extremo norte do vale. De certa forma, Scotty’s Castle também é uma cidade fantasma. O projeto nunca foi concluído, apesar de haver muito para se ver: uma casa principal impressionante e fileiras de palmeiras ao estilo Hollywood.

Eu passei a noite em Furnace Creek, no modesto Ranch at Furnace Creek, que tem três restaurantes, uma piscina alimentada por uma fonte, um museu da mineração e acesso ao campo de golfe na mais baixa altitude do planeta.

Ballarat

Eu não fiquei muito na manhã seguinte, já que não é fácil chegar a Ballarat, na base dos Montes Panamint, uma cordilheira rica em prata e ouro. Quando finalmente encontrei a saída, havia um dissuasor: alguém colocou um coelho recém morto no topo do marcador histórico identificando a cidade.

Eu descobri que Ballarat (uma ex-cidade fornecedora, fundada para “explorar os garimpeiros” ao seguirem para as colinas) voltou às suas raízes. Seu único morador em tempo integral era Rock Novak, o zelador da cidade de propriedade privada, que aluga vaga para trailers (US$ 3 por noite) para aqueles que trabalham na próxima Mina Briggs.

Pouco resta de Ballarat além dos escombros de sua cadeia e necrotério, e de Novak. Um fã de cerveja de lata, teorias de conspiração e pinups dos anos 50, Novak disse que os mineiros atualmente trabalham 24 horas por dia na mina, que reabriu em 2009, à procura de ouro, cujo preço está em alta. Se o governo não os impedir, é claro. “É mais fácil vencer a burocracia na China comunista do que aqui”, disse Novak. Como eu disse, ele vive sozinho.

Eu atravessei os Panamints e segui para o ponto mais baixo nos Estados Unidos, nos arredores de Badwater, que é mais uma descrição do que uma cidade. A 86 metros abaixo do nível do mar, Badwater é o local mais visitado no Vale da Morte, e naquele dia o lago de água salgada refletia as montanhas ao redor em sua imobilidade.

  • Ann Summa/The New York Times

    A 86 metros abaixo do nível do mar, Badwater é o local mais visitado no Vale da Morte. Nessa área está esse lago de água salgada da foto

Ao leste fica outra curiosidade: a Amargosa Opera House, em Death Valley Junction, aberta em 1968 por Marta Becket, uma artista e atriz de 87 anos que se apresenta ali desde então. Parte dos prédios da propriedade são assustadoramente decrépitos, enquanto a casa de ópera em si foi adoravelmente restaurada por Becket, com murais elaborados, assentos antigos e bastidores repletos de figurinos.

Mas na noite em que estive lá, o drama era mais espiritual. Uma equipe de caça-fantasmas estava conduzindo um passeio de seis horas pelo hotel, que dizem ser assombrado. Várias dezenas de participantes ávidos se inscreveram, pagando US$ 125 cada.

E lá estava eu em pé no quarto da camareira com um grupo de crédulos, pedindo para que pessoas do além se comunicassem conosco. “Você se importaria em dizer seu nome?” perguntou Peaches Veatch, uma investigadora paranormal. “Você vivia aqui?”. Eu não ouvi nada, apesar de ter sentido um calafrio na nuca. Uma janela rangeu no quarto da camareira, é claro, e estava assustadoramente frio. Mas mesmo assim...

Meu grupo prosseguiu vagando pela noite, à procura de vestígios daqueles que passaram por ali antes: buscadores, excêntricos e sonhadores que foram atraídos pelo mistério e majestade do Vale da Morte. E, ao que parece, ainda são.

Se você for

O Serviço Nacional de Parques (www.nps.gov/deva; 760-786-3200) é a melhor fonte de informações a respeito de visitas ao Vale da Morte, incluindo boletim meteorológico, que pode ser assustador em ambos os extremos do termômetro, dependendo da época do ano.

As opções de hospedagem também são limitadas, assim como seus luxos. Para aqueles que não planejam dormir ao ar livre – há várias áreas de camping disponíveis o ano todo, e outras que abrem apenas sazonalmente – uma opção de preço acessível é o Ranch at Furnace Creek, um hotel de estrada confortável, surpreendentemente bem equipado com piscina, três restaurantes, bar e um museu dedicado à mineração de bórax (mais interessante do que soa). Ele também anuncia tênis, passeios a cavalo e o vizinho Furnace Creek Golf Course com 18 buracos, o campo em altitude mais baixa do mundo. Margeado por palmeiras, o campo não é para os fracos de coração e de tacada; a baixa altitude influencia muito. (Mas os hambúrgueres e bloody marys no bar fazem o aborrecimento passar.)

O Ranch é o primo mais barato do Inn at Furnace Creek, um resort mais luxuoso colina acima, com muitos confortos, incluindo uma piscina alimentada por uma fonte e um adorável jardim fechado. O restaurante não é requintado (apesar dos preços lembrarem o de uma casa noturna de luxo de Nova York), mas dois pratos merecem destaque, incluindo o cacto crocante (US$ 9,75) e a codorna marinada (US$ 11,75) com sálvia.

O Ranch fica aberto o ano todo; o Inn apenas de meados de outubro a meados de maio; as diárias no Inn variam de US$ 265 a US$ 470, no Ranch de US$ 144 a US$ 219. Informação sobre ambos no endereço: furnacecreekresort.com; reservas: (800) 236-7916.