Topo

Viagem a Machu Picchu oferece conforto e aventuras para todos os tipos de turistas

FELIPE FLORESTI

Colaboração para o UOL Viagem, de Machu Picchu *

06/10/2011 18h00

Falar em colocar uma mochila nas costas e rodar a América do Sul quase sempre envolve uma passada por Machu Picchu e o legado do Império Inca. Mas não é só de andarilhos com um grande senso de aventura que vivem os principais pontos turísticos do Peru. O turismo na região evoluiu, oferecendo opções que vão de uma extensa trilha com duração de quatro dias até trens luxuosos com direito a paradas em hotéis cinco estrelas.

Cusco

A jornada tem início em Cusco. Começa aí também a luta contra um vilão invisível: o soroche. Os 3.500 metros de atitude tornam o ar rarefeito, e logo nos primeiros passos dá para sentir a falta que o oxigênio faz. Um pequeno esforço, como carregar as malas ou subir escada, é o bastante para uma sensação incomum de cansaço, além de provocar enjôo e dor de cabeça. Existem formas de driblar os males da altitude, como as pílulas vendidas nas farmácias, mas, em geral, a regra é abusar das folhas de coca e seu chá, que possui propriedades que afastam os efeitos do soroche.

Superado o primeiro obstáculo, o que se vê é uma cidade avermelhada pelas casas de tijolos de adobe (barro cru e palha) que dominam a paisagem. Boa parte das casas carrega em seu topo sinais do sincretismo religioso proveniente da fusão entre as culturas andinas e a influência do catolicismo trazido pelos espanhóis. São pequenas estátuas de bois, representando a dualidade na cultura Inca, além da tradicional cruz católica.

Clique nos pontos do mapa e veja detalhes do roteiro

A cidade era o centro da capital Inca, com todos os caminhos rumando em sua direção. Lá que fica Qorikantcha, o Templo do Sol, local sagrado que servia como uma espécie de Vaticano para a cultura Andina.  Após a chegada dos espanhóis, em 1535, foi transformado no Convento de Santo Domingo. Ainda mantém exposta numa maquete como era o antigo templo, com seus muros cobertos com ouro, e outras histórias e relíquias arqueológicas.

A dez minutos do centro, no alto da cidade, fica Sacsayhuamán, que em quíchua (idioma Inca) quer dizer “cabeça manchada” ou “falcão satisfeito”, dependendo da tradução. A forma é da cabeça de um puma, seguindo a tradição de construir as cidades na forma de animais sagrados. É uma continuação da cidade de Cusco (que forma o corpo do puma), com o povo morando na parte baixa e a parte alta dedicada ao funcionamento de uma espécie de universidade, habitada pelos especialistas em matemática, geometria, astrologia, além dos sacerdotes que administravam a cidade.

Hoje, apesar de conservar o formato e grandes muralhas de pedras perfeitamente encaixadas, resta apenas 1/3 do que um dia foi conhecido como “A casa grande do saber”. Boa parte das gigantescas pedras foi transportada pelos espanhóis para a parte baixa e usada em outras construções. Até poucos anos atrás, aliás, a exploração por empresas ainda era permitida pelo governo peruano.

De volta à parte baixa, o centro turístico é a “Plaza de Armas”, com diversos restaurantes, butiques com roupas de lã de alpaca, pequenas lojas de souvenir, e albergues e hotéis de todos os tipos, dos mais baratos aos mais luxuosos. Lá também se encontram a Catedral de Cusco e a Compañia de Jesús, construídas pelos espanhóis no século 16.

Do centro de Cusco é possível utilizar transporte para Ollantaytambo, cidade pré-inca que ainda é habitada, e de onde sai o trem rumo a Águas Calientes, povoado mais próximo de Machu Picchu. A opção mais comum é pegar vans ou micro-ônibus que fazem o trajeto por cerca de 80 soles. Também há a opção de partir de trem de Poroy, mais perto de Cusco, mas a passada por Ollantaytambo vale a viagem.

Ollantaytambo

O trajeto de cerca de 1h30 é parte da atração. Subir a cadeia de montanhas que cerca Cusco, passando pelas casas simples do subúrbio da cidade, até o alto, de onde é possível uma visão panorâmica da cidade. O percurso segue às margens do rio Urubamba, passando por pequenas cidades como a que dá nome ao rio, até Ollantaytambo. A região que vai até a cidade de Pisac é conhecida como o Vale Sagrado dos Incas, pela fertilidade das terras na região.

  • Felipe Floresti/UOL

    Mulher indígena toma táxi em Ollantaytambo, povoado encontrado no caminho a Machu Picchu

Ollantaytambo está perdida no tempo. Tirando os sinais de modernidade caracterizados pelo comércio de apelo turístico ao redor da praça principal e nos albergues, a arquitetura do período pré-inca ainda se mantém. Apesar de a invasão espanhola ter destruído diversas cidades, Ollantaytambo sempre permaneceu habitada, com as casas feitas sobre fundações de pedras, e guardando parte da cultura autóctone, que foi mesclada com a espanhola.

Algumas casas, que mantém características de séculos atrás, são abertas à visitação pelos moradores em troca de algumas moedas. Seguindo a tradição Inca, na parte alta está a região de estudos e administração da cidade, além de silos para o armazenamento de alimentos e templos de adoração das representações sagradas.

De lá, o trajeto de trem até o povoado de Águas Calientes leva mais 1h30. É uma das únicas formas de acesso à Machu Picchu. Alternativa é a caminhada de quatro dias pela trilha de 42 km a altitudes que ultrapassam 3.000 metros, que era utilizada pelos Incas, e também sai da cidade, mas exige disposição e preparo físico.

Águas Calientes

Duas companhias operam no trajeto, a Peru Rail, que dominou o transporte na região por um bom tempo, e a mais nova Inca Rail. As duas oferecem opções das mais luxuosas, com direito a refeição a bordo e bebidas liberadas, as mais simples, porém sempre confortáveis. Os preços vão de 95 a 330 soles. O difícil é prestar atenção na parte interna do vagão enquanto o trem serpenteia pelos vales desenhados na rocha pelo rio Urubamba.     

O povoado de Águas Calientes oferece diversas opções de hospedagem, dos mais variados tipos. São diversos albergues e hotéis, incluindo um luxuoso cinco estrelas. Os trens até a cidade operam nos sete dias da semana durante todo o dia (o último parte às 19h sentido Ollantaytambo), sendo um dia o suficiente para desfrutar de Machu Picchu. Porém a hospedagem no povoado é uma ótima opção para quem dispõe de um pouco mais de tempo e deseja dormir com o relaxante barulho das águas do rio e acordar com o impressionante visual das montanhas que cercam a região.

Machu Picchu

Pequenos ônibus vão e voltam por entre as tortuosas curvas da estrada de terra batida que liga o povoado à cidade sagrada dos Incas durante todo o dia, ao custo de U$ 15,50 ou 42 soles. Antes da sete da manhã, a fila já está formada na entrada da cidade. Apesar do dia já claro, os turistas querem assistir ao nascer do sol por detrás das montanhas que cercam Machu Picchu. O acesso às construções deixadas pelos Incas custa 126 soles.

  • Felipe Floresti/UOL

    Construção de Machu Picchu, realizada no século 15, é creditada a Pachacutec, que expandiu o império inca além das redondezas de Cusco

A cidade, construída em meados do século 15, é creditada ao primeiro imperador Inca, Pachacutec, que expandiu o império além das redondezas de Cusco. Durante um longo tempo Machu Picchu ficou praticamente desabitada, até que o explorador Hiram Bingham redescobriu a cidade em 1911. Apesar de ter encontrado duas família no local, foi ele que revelou ao mundo os encantos de Machu Picchu. Bingham foi por muito tempo considerado um ladrão das relíquias da cidade, pois levou cerca de cinco mil artefatos para os Estados Unidos. Com o tempo, foi perdoado e hoje é homenageado nomeando a estrada que leva até a cidade.

Durante muito tempo acreditou-se que a população da cidade morreu por doença ou foi exterminada pelos espanhóis. Nem uma coisa nem outra, embora a segunda alternativa seja mais próxima da verdade. Os espanhóis nunca invadiram Machu Picchu, embora provavelmente soubessem da existência da cidade “no alto de uma montanha”. Hoje a teoria mais aceita é de que os incas que lá viviam fugiram para outros povoados temendo uma ofensiva do conquistador Francisco Pizarro, que já havia chegado a Ollantaytambo. Provavelmente o destino foi Vilcabamba, o último refúgio Inca.

O que ficou para trás é uma complexa cidade, que vista do alto assume o formato de um condor, o representante do mundo espiritual. A cidade ganhou atenção especial principalmente por sua localização, já que está encravada na montanha em uma zona de convergência entre as zonas de mata e dos Andes, concentrando maior biodiversidade.

Assim como a parte alta de outras cidades, era considerada uma universidade pelos Incas. Lá concentravam diversos especialistas em astronomia, geografia, matemática, além dos sacerdotes administradores Incas. A cidade se divide em moradias, com cerca de 200 casas, região agrícola em degraus, além de construções para a observação astronômica, com reflexos da movimentação das estrelas ou da movimentação solar ao longo do ano, como Intihuatana, onde fica o relógio solar. Também não faltam templos em homenagem às representações sagradas, como Pachamama (natureza), Mama Cocha (águas) e o mais famoso Templo do Sol.

A última parte da viagem é indicada para os que trazem consigo um gosto a mais por aventura. A subida à montanha de Waynapicchu exige preparo físico e uma disposição para lidar com a altitude. Os 370 metros na vertical que separa o topo da montanha de Machu Picchu não são facilmente percorridos. O caminho é repleto de degraus rudimentares, mantidos da época dos Incas. O esforço, porém, compensa. Do alto a vista é deslumbrante, não somente da cidade Inca como das cadeias montanhosas que cobrem a região.

Acredita-se que os sacerdotes passavam dias e noites no topo da montanha para entrar em contato com o mundo superior. O topo das montanhas é chamado de Apus, que significa lugar onde ficam os espíritos dos deuses. Em contato com os deuses ou não, o repouso sobre as pedras no cume faz qualquer um rapidamente esquecer a dificuldade da subida.

Na descida, que vai pelo outro lado da montanha, o perigo está na escada extremamente íngreme, e qualquer vacilo pode resultar numa queda com consequências catastróficas. Porém, com tranquilidade e um pouco de sangue frio, o que fica é a paisagem deslumbrante do penhasco que termina no vale por onde corre o rio Urubamba e a sensação de ter feito um dos melhores passeios de sua vida.  

* O jornalista Felipe Floresti viajou a convite da LAN e empresas associadas