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Parque Nacional Lauca é um pequeno paraíso perdido no meio dos Andes

MARCEL VINCENTI

Colaboração para o UOL Viagem, do Parque Nacional Lauca

23/08/2011 16h05

O Parque Nacional Lauca está localizado quase nas nuvens e sua paisagem remonta a um pequeno paraíso. Situado a uma altura média de 4.500 metros sobre o nível do mar, na fronteira do Chile com a Bolívia, o lugar reúne, dentro de seus 138.000 hectares, algumas das mais fascinantes visões da América do Sul. Alguém aí já viu um cenário que congrega, dentro do mesmo frame, vulcões, vicunhas, lagoas, flamingos, montanhas, lhamas, sítios arqueológicos, alpacas, igrejas ancestrais e muito mais? Pois bem, o Lauca o faz.

Os vulcões Parinacota (6.342 metros sobre o nível do mar) e Pomerape (6.280 metros sobre o nível do mar) são, sem trocadilhos, o ápice do passeio. Cercado por lagoas que espelham o céu azulado, o primeiro exibe, sobre sua superfície cônica perfeita, camadas de neve alvas e densas, a escorrer como marshmallow derretido. Logo ao lado, o Pomerape foge da simetria de seu vizinho, e se assemelha mais a um quadro abstrato: suas formas são acidentadas e, apesar do contéudo fervente, a neve que o cobre também é forte e marcante.

O terreno que se estende à sombra dos dois gigantes é fértil em vida e em histórias. Em meio ao solo árido e montanhoso do altiplano surgem, aqui e ali, os bofedales – gramados de cor esmeralda e textura espinhosa, permeados por córregos que matam a sede de famílias inteiras de lhamas e alpacas. Gansos andinos nadam ao lado de flamingos rosados e, mais tarde, vão botar seus ovos dentro de cavernas que, há quase 10 mil anos, abrigavam antigos habitantes humanos da região.

O Lauca, considerado Reserva Mundial da Biosfera, é atualmente o lar de mais de 130 espécies de aves e palco para o surgimento de curiosas formações vegetais - como a palha brava e a llareta (planta que crece apenas 20 milímetros por ano e embala rochas com sua cor verde vivo). A presença do homem, por outro lado, é hoje escassa: faz-se notável apenas nos veículos que cruzam as estradas que cortam o parque e nas poucas vilas erguidas nas redondezas.

Uma delas, chamada Parinacota, a exemplo do vulcão que a defronta, é como um rústico povoado medieval do meio do nada. A população é de cerca de 50 famílias, que vivem ao redor de uma misteriosa igreja construída no começo do século 17. Erigida com pedra vulcânica e barro, o templo tem o teto sustentado por vigas de eucalipto entrelaçadas por pele de lhama. Os crânios de duas pessoas, data de morte desconhecida, adornam, ao lado de quadros e pinturas sacras, uma das paredes do edifício. E uma antiga mesa, data de construção também desconhecida, amarrada ao lado ao altar, é personagem de uma história tão bizarra quanto macabra.

  • Marcel Vincenti/UOL

    Situado no norte do Chile, o Parque Nacional Lauca ocupa uma área de 138 mil hectares

Diz um dos anciãos de Parinacota que, há mais de cem anos, o móvel se movia sozinho pelas ruas da vila e ao, parar-se na frente das casas, causava-se a morte de um de seus habitantes. "A solução foi trazer a mesa para a igreja e amarrá-la aqui", diz ele, em espanhol marcado por forte sotaque aimará, o idioma indígena falado pela maioria dos habitantes da área do Lauca.

Seu rosto cor de cobre, de feições fortes e olhos puxados, não mente: o parque tem muito mais ligações com a Bolívia que com o Chile. E a tendência se torna patente quando um dos guias que conduzem passeios pelo parque, também descendente dos aimarás, se senta no alto de uma montanha, tira um charango – pequeno instrumento de cordas muito tocado no país de Evo Morales - de sua mochila e começa a entoar canções andinas.

A exibição faz parte do tour e é mais um agrado aos turistas que um arroubo artístico. Mas o cenário não podia ser mais adequado: ao fundo, o vulcão Parinacota brilha com sua corcova nevada e, lá embaixo, no lindo lago Chungará (com 21,5 km² e situado a 4.500 metros de altitude) a imagem se reflete junto com as nuvens que a cobrem. Ao visitante, só resta a constatação de que, no Lauca, o céu está mais perto.    

Dica de viagem
A cidade de Arica, situado no litoral norte chileno, a 150 km da entrada do Lauca, é usada por muitos forasteiros como base para visitar o parque. Mas melhor ainda é o turista ir por conta própria ao exótico vilarejo de Putre (localizado a 15 km da entrada do Lauca) e organizar de lá o passeio: gasta-se menos (na época da reportagem, as agências de Putre cobravam cerca de 60 mil pesos chilenos – 230 reais – para levar quatro pessoas em um tour de um dia) e o viajante tem a chance de se acostumar com o ar rarefeito das altitudes andinas. Os mais radicais podem escalar o vulcões Parinacota e Pomerape com a ajuda de guias.