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Na Virgínia, visitando locais menos conhecidos da Guerra Civil

JONATHAN VATNER

New York Times Syndicate

17/07/2011 08h00

Doze de abril marcou o 150º aniversário do ataque ao Forte Sumter, que deu início à Guerra Civil americana. Nos próximos quatro anos, o Forte Sumter, assim como Fredericksburg, Manassas e outros grandes campos de batalha da Guerra Civil verão um afluxo pesado de pessoas. Gettysburg sozinho espera mais de 4 milhões de visitantes em 2013, no 150º aniversário daquela batalha e do Discurso de Gettysburg. Mas para cada história contada nos livros de história e nas trilhas de turismo, outras dezenas são em grande parte ignoradas.

“Enquanto grandes batalhas como Gettysburg e Fredericksburg recebem toda a atenção, a guerra foi na verdade vencida e perdida em um grande número de pequenas ações em cada canto do Sul”, disse Mike O’Donnell, autor e editor de livros para colecionadores militares. “E os sítios maiores foram desenvolvidos, já que foram transformados em parques. Muito dos lugares menores não mudaram nada.”

Mike O’Donnell, eu preciso acrescentar, também é meu tio. Por ter crescido em Massachusetts, eu conhecia o tio Mike como um apaixonado contador de histórias que, quando vinha nos visitar da Virgínia, chegava em uma grande van branca cheio de livros que catalogavam relíquias da Guerra Civil: fivelas de cinto, cantis, insígnias de uniformes. Ele contava histórias instigantes de honra militar para mim e meus irmãos. Desde aquela época, eu aprendi que ele é uma espécie de líder dos caçadores de relíquias – às vezes conhecidos como “arqueólogos amadores”, às vezes como “saqueadores” – que reviram os campos de batalha com detectores de metal.

No ano passado, ele foi meu guia em quatro sítios – todos na Virgínia – que a maioria das pessoas ignora, mas que são tão importantes quanto os campos de batalha mais conhecidos e talvez com sua autenticidade mais bem preservada. (Caminhadas com guias estão disponíveis na maioria dos sítios.)

Slaughter Pen Farm

Nós começamos dirigindo pela Lee Drive, ao sul do centro de Fredericksburg, uma estrada arborizada de 8 quilômetros que segue a principal linha confederada durante a Batalha de Fredericksburg, se juntando à Rota 17 para chegar à Slaughter Pen Farm, um sítio de 84 hectares que o Civil War Trust, uma organização de preservação sem fins lucrativos, comprou em 2006 por US$ 12 milhões. A organização diz que foi a compra mais cara de um campo de batalha pelo setor privado da história.

Uma trilha de caminhada de 3 quilômetros foi aberta em 2009, levando os visitantes por eventos da batalha. A partir deste mês, o Trust está oferecendo um aplicativo por GPS para iPhone que cobre toda a Batalha de Fredericksburg, incluindo Slaughter Pen Farm (civilwar.org/battleapps).

A maioria das pessoas familiarizadas com a Batalha de Fredericksburg sabe sobre a derrota da União no muro de pedra dentro da cidade. A batalha foi muito mais de igual para igual a poucos quilômetros de distância, em Slaughter Pen Farm, explicou Mike. A ala esquerda do Exército da União avançou por esta fazenda para atacar a linha de Stonewall Jackson. A batalha foi dura.

“Se os Yankees tivessem sido reforçados, eles poderiam ter rompido a linha de Stonewall Jackson”, disse Mike. “Mas eles não foram e os confederados conseguiram rechaçá-los naqueles campos.”

(11232 Tidewater Trail, Fredericksburg, Virgínia; 202-367-1861)

Graffiti House

A maior batalha de cavalaria na história norte-americana ocorreu em Brandy Station, em Culpeper County. (O Trust protege aproximadamente 690 hectares do campo de batalha.) A Graffiti House, um armazém geral construído em 1858, situado no campo de batalha, foi usada como hospital, primeiro pelos confederados e depois pelas forças da União. Em 1993, pouco antes da construção ser demolida, o proprietário descobriu, sob camadas de papel de parede e estuque, desenhos em carvão, assinaturas e anotações dos soldados em recuperação.

  • Brendan Smialowski/The New York Times

    As trilhas do campo ficam abertas durante os horários de funcionamento do sítio e um intérprete está presente na Gilmore Cabin nos fins de semana durante o verão

A casa agora é um museu, com exposições no andar de baixo e as paredes rabiscadas originais no andar de cima. Os curadores apontam as assinaturas de soldados e oficiais conhecidos, incluindo possivelmente o general confederado J.E.B. Stuart. A Maryland Scroll, uma lista da artilharia a cavalo do general Stuart que foi recortada da parede, talvez seja o artefato mais notável da casa.

(19484 Brandy Road, Brandy Station, Virgínia; 540-727-7718; brandystationfoundation.com)

Montpelier e Gilmore Cabin

“O foco sempre é nos campos de batalha, uma forma sexy de promover algo”, disse Eric Mink, um historiador do Serviço Nacional de Parques em Fredericksburg e do Parque Nacional Militar de Spotsylvania. “Só que mais homens morreram de doenças em seus campos do que nos campos de batalha. Recentemente surgiu um tremendo interesse em ver esses sítios preservados.”

A maioria desses campos de inverno fica em propriedades privadas ou são inacessíveis. Mas Montpelier, a casa de James e Dolley Madison, abriu alguns dos campos próximos para visitantes. Do outro lado da rua da propriedade fica a Gilmore Cabin, uma casa minúscula com uma chaminé de pedra construída por George Gilmore, um escravo emancipado. Na mata atrás dela, uma trilha leva aos acampamentos de cinco regimentos da Carolina do Sul liderados pelo general Samuel McGowan. O Exército Confederado construiu esses acampamentos após sua derrota em Gettysburg e permaneceu até o inverno de 1863-64. Segundo Matthew Reeves, diretor de arqueologia de Montpelier, é a maior coleção de acampamentos da Guerra Civil em terras protegidas.

Sem explicação, os campos não parecem grande coisa – apenas irregularidades no terreno em fileiras ao longo da encosta, um pouco como obstáculos de esqui. Mas aos olhos de Mike, a área é rica em histórias e fantasmas. Durante nossa visita, ele seguia de um lugar para outro, apontando pedras que provavelmente foram usadas em fogueiras, um ponto que deve ter sido uma latrina, uma vala de escoamento, um buraco de lixo próximo e o platô onde os oficiais provavelmente viviam.

“Este solo estava coberto de pequenas cabanas”, ele disse. “Os rapazes viveram aqui por seis meses, sonhando em voltar para casa.”

No final da trilha, entretanto, reencenadores da Guerra Civil construíram duas cabanas com a aparência que tinham durante a guerra. No terceiro sábado de cada mês durante o verão, os reencenadores voltam para retomar a construção, usando apenas ferramentas da época da guerra. Duas vezes por ano, em abril e agosto, Montpelier recebe fins de semana da Guerra Civil, que consistem de reencenação de combates e desfiles de trajes de época. As trilhas do campo ficam abertas durante os horários de funcionamento do sítio e um intérprete está presente na Gilmore Cabin nos fins de semana durante o verão.Quatro vezes por ano, Montpelier também realiza tours com tema da Guerra Civil pela propriedade e acampamentos.

“Nós queríamos interpretar os acampamentos como uma forma de destacar seu relacionamento com os campos de batalha”, disse o dr. Reeves, “mas também contar uma história, relacionada à experiência do soldado comum”.

(11395 Constitution Highway, Montpelier Station, Virgínia; 540-672-2728; montpelier.org)

White Oak Museum

  • Brendan Smialowski/The New York Times

    Reencenadores da Guerra Civil no campo em Montpelier, casa de James e Dolley Madison

O melhor lugar para ver relíquias dos acampamentos de inverno é o White Oak Museum, perto de Fredericksburg. O museu, com curadoria de D.P. Newton, contém uma vasta coleção de relíquias, a maioria escavada por Newton e seu pai nos campos próximos por 30 anos: balas, moedas, garrafas de vidro, fivelas, armas e botões.

“Há certa honestidade naquilo que você encontra no solo”, disse Stephen W. Sylvia, editor da revista “North South Trader’s Civil War” e do “Civil War Collector’s Price Guide”. “E ser o primeiro a tocar em algo que foi tocado pela última vez por um soldado – isso provoca arrepios na espinha. É algo quase espiritual.”

Um mostruário no museu guarda balas que soldados entediados transformaram em peças de xadrez. Ao lado da entrada, uma estrada escavada, feita de troncos, foi remontada. E em outra sala, tendas foram montadas para recriar como era a vida em um acampamento.

“O mesmo exército em Gettysburg esteve acampado aqui”, explicou Ann Rolls, uma voluntária. “Este museu captura onde estavam, o que faziam, que ar respiravam e que águas eles viam.”

(985 White Oak Road, Fredericksburg, Virgínia; 540-371-4234; whiteoakmuseum.com)

Tratores X Campos de Batalha: Salvando os sítios da Guerra Civil

Há um século e meio, as batalhas na Virgínia foram travadas entre a União e a Confederação. Agora as linhas de batalha são traçadas entre os preservacionistas e os empreendedores imobiliários.

A Virgínia, onde ocorreram aproximadamente 60% das batalhas da Guerra Civil, está perdendo rapidamente seus campos de batalha para os tratores. A Batalha da Igreja Salem, por exemplo, foi reduzida a um mar de rodovias e shoppings. A única parte intocada é a própria Igreja Salem, atualmente próxima de uma farmácia CVS.

“Rappahannock costumava ser o bastião final de defesa, mas mesmo ele está riscado agora”, disse Stephen W. Sylvia, editor da revista “North South Trader’s Civil War”.

Por outro lado, segundo Jim Campi, um porta-voz do Civil War Trust, o sesquicentenário trouxe um maior interesse na proteção dos sítios da Guerra Civil – em grande parte devido ao fato de representar um maior potencial de turismo.

“Quanto mais terra é protegida e interpretada, mais tempo as pessoas permanecerão nas comunidades locais e mais dinheiro gastarão”, ele disse.

O Trust trabalha para comprar os campos de batalha considerados importantes pela Comissão Consultiva para Sítios da Guerra Civil. Até o momento, o Trust preservou mais de 12 mil hectares em todo o país.

Doações são aceitas no site da organização, civilwar.org. (O Estado da Virgínia oferece doações equivalentes para cada doação feita para preservação.)

Campi teme que a oportunidade para salvar os campos de batalha esteja chegando ao fim. “Provavelmente até o final do sesquicentenário, ou os terrenos terão sido perdidos para empreendimentos imobiliários ou serão caros demais para privatização”, ele disse.

O Serviço Nacional de Parques também compra sítios da Guerra Civil, mas apenas aqueles dentro dos limites que foram autorizados pelo Congresso. Nenhuma legislação foi apresentada até o momento para ampliação dos limites em Fredericksburg e Spotsylvania.

“Esta possivelmente será a última vez que poderemos expandir”, disse Eric Mink, um historiador do Parque Nacional Militar de Fredericksburg e Spotsylvania. “Em 10 ou 20 anos, esses sítios não estarão mais disponíveis para preservação, da forma como as coisas estão se desenvolvendo agora.”