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Um Éden para pássaros raros no Havaí

GUSTAVE AXELSON

New York Times Syndicate

10/07/2011 08h00

Os ventos alísios estavam empurrando a névoa entre as copas das árvores em Alakai – uma floresta nebulosa no alto das montanhas no interior de Kauai – quando o meu guia avistou algo amarelado voando rapidamente entre os galhos de uma árvore ohia.

“Pássaro!”, ele exclamou. Eu olhei pelo meu binóculo e vi um pássaro lima-limão com uma leve máscara preta. Era um akekee, uma dos pássaros mais raros do mundo.

Pássaros raros não são uma raridade no Havaí, que lidera no país com 35 aves na lista de espécies ameaçadas de extinção. A ilha verde e tranquila de Kauai perdeu quase metade de suas espécies nativas de pássaros de floresta. Apenas oito dos 13 pássaros de floresta originais da ilha ainda existem, dos quais seis podem ser encontrados apenas em Kauai. Entre eles estão o akekee, o akikiki e o puaiohi, três espécies que estão à beira do desaparecimento.

Esse perigo é um atrativo mórbido para os observadores de pássaros: uma oportunidade para observar pássaros extremamente raros que, como o pombo-passageiro, podem em breve existir apenas em exposições de museu e fotografias – motivo suficiente para eu destinar algum tempo para observação de pássaros durante recentes férias em família em Kauai.

As populações de aves nativas em extinção não são promovidas pela indústria do turismo de Kauai. Em um balcão de aluguel de automóveis no Aeroporto de Lihue, pilhas de cadernos estavam recheadas de anúncios para excursões de pesca e observação de baleias. Mas encontrar um guia de observação de pássaros é um pouco como tentar descolar um charuto cubano: continue perguntando até encontrar alguém que conhece um cara. Meu cara mandou um e-mail enigmático na noite anterior à nossa viagem planejada – “gostaria de te encontrar na quinta-feira às 6h30, no Mirante Puu Hinahina”.

Na manhã seguinte, eu dirigi 56 quilômetros na escuridão da madrugada de Poipu, no litoral, até a Garganta de Waimea, no meio da ilha. O amanhecer revelou um mundo diferente – os coqueiros e as placas de estrada anunciando luaus desapareceram. Eu estava em meio a uma densa floresta de árvores cinzentas. No estacionamento do mirante eu me encontrei com David Kuhn, um homem de meia-idade com uma barba grisalha, colete cáqui e bermuda. Ele tinha me encaixado em uma agenda lotada: 10 dias seguidos de passeios de observação de pássaros. Sua clientela é composta em sua maioria de turistas ricos, ele disse, “observadores de pássaros de todo o mundo em busca das espécies mais raras, próximas da extinção”.

Eu subi em sua picape para uma viagem de meia hora até a Reserva da Floresta de Alakai, uma viagem trepidante por uma estrada de terra. Ele estacionou no início da Trilha do Pântano de Alakai, em um cume acima de um vale verdejante de rio. O ar estava úmido e fresco.

Eu vesti uma capa de chuva e segui por um calçadão de tábuas até a última área remanescente de floresta nativa em Kauai. Era uma manhã silenciosa, sem o canto de pássaros. Após 30 minutos de caminhada sem pássaros, Kuhn passou a empunhar sua bengala de bambu como um facão e saímos fora da trilha. Nós escalamos raízes de árvores e andamos na ponta dos pés em meio a samambaias frondosas, até chegarmos a uma pequena clareira na floresta. Lá nós avistamos um único akekee que pousou em um galho de árvore retorcida, 15 metros acima de nossas cabeças. Ele voou sobre um aglomerado de folhas até a ponta do galho. “Veja como ele está tentando forçar a abertura do broto de flor da ohia?”, ele sussurrou. “O akekee tem um bico cruzado que é especializado para a abertura dos botões e pegar os insetos em seu interior.”

De repente, ele parou de falar e levantou a cabeça. Ele beijou a palma de sua mão, produzindo um rangido que atraiu um curioso elepaio de Kauai, um pequeno pássaro cinza com barras escuras nas asas. Em seguida, ele me alertou para um anianiau amarelo-limão em um galho de árvore acima de nós. Então ele apontou para um apapane vermelho como carro de bombeiro, pulando entre as flores igualmente vermelhas de ohia. “Os apapanes lembram as flores das quais obtêm néctar”, me disse Kuhn. Em um intervalo de tempo de 10 minutos, eu tinha quatro novos pássaros na lista da minha vida.

De volta à trilha, nós descemos algumas poucas centenas de passos em uma escada de madeira até o vale do rio, saltamos como em um jogo de amarelinha pelas pedras espalhadas pela corrente e então subimos a encosta do outro lado. Lá, a trilha serpenteava sob os esqueletos de madeira de postes telegráficos da época da Segunda Guerra Mundial. Em seguida, ouvimos um zumbido estridente ecoando na floresta. “Iiwi!” exclamou Kuhn. O pássaro escarlate brilhava como uma sirene vermelha enquanto pulava em um galho de árvore nas proximidades. Lá, o iiwi permaneceu onde estava, me permitindo admirar seu bico longo, com curvas delicadas, que evoluiu especialmente para sugar o néctar das flores. Os iiwis não são uma espécie em extinção, me disse Kuhn, mas como muitos dos outros pássaros de floresta da ilha, sua população está diminuindo em Kauai.

  • Marco Garcia/The New York Times

    David Kuhn guia os turistas durante o passeio de observação de pássaros no Havaí. Na foto, ele carrega um equipamento utilizado para gravar os sons dos pássaros

O problema, disse Kuhn, não é apenas um habitat esparso, mas doenças. Nas últimas décadas, o tempo está quente o suficiente por dois meses do ano em Alakai para que a malária aviária seja transmitida por mosquitos. Se as projeções de mudança climáticas para Alakai, publicados na revista científica “Nature”, estiverem corretas, poderá ficar quente o suficiente por todo o ano para transmissão de malária em duas décadas, o que poderia representar o fim do akekee ameaçado de extinção. Sua população caiu para poucas milhares de aves individuais, o ponto em que se encontrava o tordo de Kauai, que já foi o pássaro mais abundante da ilha, antes de ter sido dizimado por um único evento catastrófico – o furacão Iniki em 1992.

Enquanto Kuhn e eu caminhávamos para fora de Alakai, eu perguntei a ele quanto tempo ele achava que poderia continuar guiando passeios como este. “A população provavelmente vai durar mais duas ou três décadas”, ele disse. “Eu talvez possa trazer pessoas para vê-los por mais ou menos 10 anos.”

Dois dias depois eu embarquei em outra picape com Carl Berg para outro passeio de observação de pássaros, este um mais tranqüilo no lado norte de Kauai. Berg é um professor de ecologia aposentado do City College of New York e pesquisador da Universidade de Harvard que se mudou para cá há 20 anos. Mas, assim como Kuhn, ele conta a mesma história terrível de pássaros de Kauai à beira da extinção.

“Nós não temos nenhuma área alagadiça real restante, então é isso o que os pássaros usam”, ele disse enquanto dirigia sua picape por uma estrada de terra sem sinalização, que levava a campos de inhame-coco inundados. Não havia nenhuma placa de boas-vindas, mas estávamos entrando no Refúgio Nacional da Vida Selvagem de Hanalei, que é fechado ao público, mas aberto a pesquisadores como Berg. O refúgio consiste principalmente de zonas alagadas que lembram plantações de arroz, onde os agricultores cultivam inhame-coco, uma planta de folhas verdes usada para fazer poi. Poi é um alimento nativo havaiano, uma pasta de raiz de inhame-coco cozida e amassada. A demanda por poi está crescendo, o que sustenta este conjunto de fazendas de inhame-coco no vale do Rio Hanalei, que serve como hábitat substituto para as aves aquáticas nativas.

Carquejas e patos havaianos nadam nos campos alagados. Frangos-d’água havaianos (quase idênticos aos frangos-d’água do continente) perambulavam pelas valas de drenagem. Nós penetramos mais profundamente no refúgio, atraindo olhares de trabalhadores rurais sem camisa, e paramos em uma lagoa com uma figura de pernas finas e plumas pretas e brancas – um pássaro aquático em trajes formais. Era um pernilongo, que como o pato, o frango-d’água e a carqueja, é uma espécie ameaçada de extinção em todo o país.

O fato de vê-los facilmente (eu nunca desci da picape) me fez pensar que esses pássaros eram comuns, mas Berg disse que eles são tão ameaçados quanto os pássaros de floresta de Alakai. “Dos cerca de 2 mil frangos-d’água restantes, talvez 500 estejam aqui”, disse Berg. “Agora, e se ocorrer um tsunami? E se o nível do mar subir dois metros” – um cenário possível da mudança climática até o final do século – e tudo isto for inundado por água salgada? Para onde irão estes pássaros?”

Ele disse que quando um tsunami atingiu as ilhas do noroeste do Havaí depois do terremoto japonês, em março, os pássaros aninhados ali não tinham para onde ir. Cerca de 110 mil filhotes de albatroz e milhares de adultos foram levados no Atol de Midway.

Após visitar algumas praias à procura de aves marinhas, Berg e eu fizemos uma última parada no Refúgio Nacional da Vida Selvagem de Kilauea Point – um ponto turístico com vistas deslumbrantes do mar sem fim e com um farol. Eu respirei a maresia, aproveitando a folga após dois dias atrás de espécies de pássaros perto da extinção para observar. Pontos brancos, numerosos como as estrelas, salpicavam a encosta do penhasco – aves marinhas aos milhares. O ar era um carnaval grandioso de atobás-de-pé-vermelho e albatrozes-de-laysan esticando suas asas de 1,80 metro de extensão. Rabos-de-palha-de-cauda-vermelha – aves brancas elegantes com longas caudas como varas vermelhas – navegavam ao vento fazendo voltas para trás.

Berg começou a expor os perigos que estas aves enfrentam, perigos como a acidificação do oceano. Eu me desliguei dele. Meus ouvidos já tinham se cansado. Então eu notei um ganso-do-havaí – um parente menor dos gansos-do-canadá, mas com pescoço listrado – pastando no gramado do farol. O ganso-do-havaí quase foi extinto há 60 anos, mas um esforço de recuperação fez com que prosperassem novamente em Kauai. Eles estão retornando porque as pessoas se importaram, a ponto do ganso-do-havaí ter sido declarado pássaro oficial do Estado do Havaí.

Enquanto um ganso-do-havaí andava perto dali, eu me perguntei se as pessoas também se preocupavam com os outros pássaros de Kauai.

“Quantas pessoas sabem que muitos dos pássaros da ilha estão morrendo?” Eu perguntei a Berg.

“Olhe ao seu redor”, ele me disse. Estávamos em meio a um bando de turistas usando bonés e tirando muitas fotos de pássaros. “Você é provavelmente o único aqui que sabe.”

  • Marco Garcia/The New York Times

    “Os apapanes (foto) lembram as flores das quais obtêm néctar”, me disse Kuhn

Se você for

Reserva da Vida Selvagem de Alakai

O acesso à floresta pode ser feito pela Trilha do Pântano de Alakai com 5,5 quilômetros, no Parque Estadual de Kokee (808-241-3444; hawaiistateparks.org/parks/kauai). David Kuhn dirige uma empresa chamada Sounds Hawaiian, que faz CDs de sons da natureza, mas também guia passeios para observação de pássaros em Alakai quando sua agenda permite (808-335-0398; soundshawaiian.com; US$ 250 para um passeio de um dia). Saiba mais sobre os pássaros de floresta de Alakai no Projeto de Recuperação dos Pássaros de Floresta de Kauai (kauaiforestbirds.org).

Kauai Norte

O Refúgio Nacional da Vida Selvagem de Hanalei é fechado ao público. O Refúgio Nacional da Vida Selvagem de Kilauea Point (808-828-1413; fws.gov/kilaueapoint; entrada, US$ 5) é uma parada turística com um mirante com vistas para o oceano e com um farol. Carl Berg (808-639-2968; hawaiianwildlifetours.com; US$ 200 por quatro horas) realiza passeios para observação de pássaros em ambos os refúgios e em outros locais no lado norte de Kauai.

Observando pássaros em Kauai por conta própria

Encontrar um guia conhecedor disposto a levar você para observar pássaros em Kauai pode ser difícil. Aqui está uma lista de bons lugares recomendados por Lucas Behnke, um ecologista de campo do Projeto de Recuperação dos Pássaros de Floresta de Kauai, para sair para observar pássaros nativos por conta própria.

1. Refúgio Nacional da Vida Selvagem de Kilauea Point (Litoral Norte): Fácil acesso para observação de aves marinhas.

2. Parque Estadual de Kokee (Altitude Elevada): Procure pelo akekee perto do cruzamento das trilhas do Pântano de Alakai e Pihea. Elepaio, apapane e amakihi podem ser encontrados ao longo da trilha natural que começa atrás do Museu Kokee.

3. Lagoas Salgadas de Hanapepe e Santuário de Pássaros da Mina de Areia de Kawaiele, a oeste de Kekaha (Lado Oeste): Excelente para aves aquáticas nativas, como pernilongos, e aves migratórias de inverno. Ambos são destinos para ir de carro e descer para observar os pássaros.

4. Qualquer campo de golfe na ilha: Ótimo para gansos-do-havaí, que podem ser facilmente encontrados em estacionamentos, sedes de clube ou em qualquer corpo de água.

5. Poipu (Litoral Sul): A trilha entre Kukuiula e Spouting Horn é uma caminhada fácil com algumas aves aquáticas, como pernilongos e patos havaianos, assim como um ocasional ganso-do-havaí.