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Passado colorido de George Town, na Malásia, atrai turistas

ROBYN ECKHARDT

New York Times Syndicate

01/04/2011 18h13

Atrás do Templo da Deusa da Misericórdia em George Town, a capital do Estado malasiano de Penang, um renascimento está em andamento. Desde quando qualquer um consegue se lembrar, a ponta oriental da Stewart Lane, que passa atrás do templo, era maculada pelas carcaças escurecidas de sete casas históricas com terraços. Há vários anos, um incêndio suspeito deixou as casas sem telhado. Mas em seu interior, permaneciam lembranças de seu grande passado: esqueletos de escadarias de madeira, pedaços de lajotas de terracota, trechos em anil de paredes caiadas com 7,5 metros de altura.


Em junho de 2010, os símbolos do renascimento começaram a aparecer: andaimes, placas de metal corrugado e uma placa de autorização de construção surgiram diante das estruturas. Logo, tiveram início as obras de uma cara restauração, que verá as casas reencarnarem como um hotel-butique de luxo chamado Seven Terraces, com previsão de abertura em meados de 2011. O projeto está sendo supervisionado por Chris Ong e Karl Steinberg, co-proprietários do Galle Fort Hotel, no Sri Lanka. Eles também estão sendo restaurando os estábulos de carruagens históricos de George Town, que também planejam abrir como outro hotel-butique e café.

George Town, na costa leste da ilha de Penang, está passando por uma espécie de renascimento e o Seven Terraces é apenas o mais recente sinal. Em 2008, a cidade foi transformada em Patrimônio da Humanidade pela Unesco e agora há uma energia palpável nas ruas, particularmente em seu centro histórico - uma grade ordenada de ruas e becos estreitos de estruturas na maioria de baixa estatura, em uma variedade de estilos arquitetônicos que reflete sua história como cidade colonial britânica e posto comercial.

As casas com terraços foram construídas no final do século 19, quando George Town passava por um boom como centro exportador no norte da Malásia, mas posteriormente foram abandonadas e começaram a se deteriorar. O estado delas refletia o declínio geral de George Town na segunda metade do século 20. Essa deterioração, causada por uma série de eventos, incluindo a perda pela cidade de seu status de porto livre no final dos anos 60, o desenvolvimento de um porto rival, próximo de Kuala Lumpur, e o êxodo da população para os subúrbios.

Apesar de tudo isso, George Town há muito é um ímã para malasianos e cingapurianos por sua vibrante cena de restaurantes. Ela também atrai o tipo de viajante para o qual a cultura de rua e a arquitetura de época encantadoramente decrépita superam a disponibilidade de um cappuccino bem feito. Animados com o status concedido pela Unesco, empreendedores como Ong e Steinberg estão realizando empreendimentos que visam ampliar o apelo da cidade.

Para Ong, que nasceu em Penang, partiu em 1978 e voltou há apenas três anos para viver em George Town, a chave é explorar o passado histórico da cidade. “Para mim, trata-se de criar beleza nesta cidade e fazer as pessoas apreciarem esses prédios antigos”, ele explicou no Kopi Cine, um café e bar próximo do futuro endereço do Seven Terraces. “Trata-se de mostrar às pessoas que é possível voltar e viver nesta cidade.”

O Seven Terraces é apenas um dos vários novos hotéis impressionantes e outros projetos que antecipam a cidade como um destino mais popular de turismo. Três hotéis-butique já abriram neste ano, e pelo menos mais seis, incluindo o Seven Terraces e os estábulos convertidos, deverão abrir em 2011, juntamente com dois hotéis de luxo e um espaço de desenvolvimento de uso misto no cais há muito negligenciado da cidade, que oferecerá escritórios, lojas e apartamentos mobiliados com serviço completo. O Eastern & Oriental Hotel - o grande hotel da era colonial de George Town - está adicionando quartos em uma torre vizinha de 17 andares. As obras foram recentemente concluídas na reforma de quase três quadras de prédios comerciais magníficos do final do século 19, para serem alugados para o comércio, no centro financeiro. E pequenas lojas, restaurantes e cafés - como o Soul Kitchen, um empreendimento descontraído malasiano-alemão com um cardápio de influência italiana, e o pitoresco Amelie Cafe com quatro mesas - estão começando a abrir em velhos imóveis comerciais.

Esses empreendimentos estão se desdobrando dentro do contexto de dois grandes projetos de infraestrutura: uma renovação de 250 milhões de ringgits (aproximadamente US$ 59 milhões) do aeroporto internacional de Penang - cuja primeira fase será concluída no início de 2012 - e a construção de uma segunda ponte para o continente, que deverá ser concluída no final de 2013.

O renascimento da cidade também está recebendo apoio dos governos estadual e nacional. Em 2008, a Think City, uma subsidiária do Khazanah Nasional, uma divisão de investimento do Ministério das Finanças da Malásia, foi criada para desembolsar 20 milhões de ringgits em verbas para conservação, embelezamento, documentação e outros projetos. Entre eles está a recém concluída restauração da Associação Toi Shan de 180 anos, um salão e templo ancestral chinês no bairro de Little India da cidade, e o reparo das rachaduras no domo da Mesquita Kapitan Keling do século 19. A Think City também está trabalhando com o governo estadual no embelezamento de George Town; um projeto-piloto, que está plantando árvores ao longo da movimentada Carnarvon Street, deverá ser concluído até o final de dezembro. “Nossa meta é um rejuvenescimento do centro”, disse Neil Khor, um diretor do programa Think City. “A cidade precisa ganhar vida.”

Até o momento tudo vai bem. George Town está “agitada atualmente”, disse Narelle McMurtrie, proprietária do Kopi Cine, que abriu o Straits Collection, um hotel-butique, em duas fileiras de imóveis comerciais e uma loja de móveis e roupas em outro prédio restaurado. “Mas não são apenas turistas. Eu vejo mais moradores nas ruas. A população de Penang está retomando sua cidade.”

Um sinal desses esforços é que a população local está retornando à área como moradores. Ocean Teh, um natural de Penang que viveu em George Town até os 13 anos, abriu o Sri Malaya, um bistrô que serve uma mistura de culinária ocidental e malasiana, em um imóvel comercial restaurado de George Town; ele mora no andar de cima. “É uma cidade real”, ele disse. “Eu voltei pela cultura.”

Há poucos anos, muitos moradores da ilha considerariam George Town insegura demais para ser visitada à noite, muito menos para morar. Agora a população de Penang supera o número de turistas jantando à noite wonton mee e curry laksa nas bancas ao longo da Chulia Street. Sempre há fila dobrando a esquina no Teksen, apesar do restaurante chinês ter dobrado sua capacidade. E a clientela de jantar no Sri Malaya é predominantemente local.

  • David Hagerman/The New York Times

    Pequenas lojas, restaurantes e cafés, como o Amelie Café (foto) esão começando a aparecer em pequenos estabelecimentos antigos, em George Town


“Houve um salto à frente neste ano”, disse Rebecca Duckett, uma artista malasiana que abriu a 29 The Gallery em Little India. “Os moradores locais estão mais cientes de George Town como um local de interesse.” Ela dá crédito a eventos como o Mercado de Rua de Little Penang, no último domingo do mês, e o George Town Festival anual. O evento, financiado pelo governo, que marca a designação da cidade como Patrimônio da Humanidade, ocorreu no mês de julho de 2010 com uma agenda lotada de casas abertas, exposições de arte, exibições de filmes, e apresentações de teatro, música e dança por artistas locais e internacionais. Os ingressos para todos os eventos se esgotaram.

“É a energia da cidade que permite que todos trabalhem juntos”, disse Joe Sidek, o diretor do festival e um industrial e mecenas local. Há planos para que o festival do ano que vem, assim como o evento chamado Dia de Cidade, sejam realizados em 1º de janeiro, o dia em que a rainha Elizabeth 2ª declarou George Town uma cidade em 1957.

Mas a cena de artes de George Town ainda está atrasada em relação a outros tipos de desenvolvimento –“mais por falta de espaço do que qualquer outra coisa”, segundo Duckett. Mas isso está mudando lentamente. McMurtrie, a proprietária do café, se associou com uma galeria de arte de Kuala Lumpur para trazer as exposições daquela cidade para uma galeria acima de suas lojas, que ela planeja chamar de Studio; a primeira, envolvendo obras de 14 artistas. E um praticante local de teatro, Sek Thim Chee, deverá converter um antigo imóvel comercial em uma pensão e espaço de performance.

Tudo isso explora uma herança multiétnica e multirreligiosa única. O legado das ondas de imigrantes da Europa, do Oriente Médio e de outras partes da Ásia ao longo de várias centenas de anos está bem presente na arquitetura da cidade e no teatro de rua de festivais e celebrações religiosas aparentemente constantes. O chamado do muezin da Mesquita Kapitan Keling é respondido pelos sinos que badalam do outro lado da rua, no Templo de Sri Mahamariamman; o barulho das peças de mah-jongg sai das portas das associações comerciais chinesas, e ainda são praticados pequenos negócios, como funilaria e produção de incenso.

Os organizadores da cidade sabem que esta rica história representa grande parte do apelo de George Town e que é preciso atingir um equilíbrio. “Nós precisamos de atrações turísticas”, reconheceu Ooi Geok Ling, diretora de gestão de turismo para Penang, “mas não queremos perder o que é verdadeiro a respeito de George Town”.

O que isso significa para os turistas é o melhor dos dois mundos: espetos de satay da grelha de um vendedor ambulante seguido por um espresso martini no Kopi Cine; uma visita a butiques após uma visita aos templos e salões de clãs em Little India.

“Ainda há um senso de viagem a respeito de George Town”, disse Steinberg, o hoteleiro. “Está apenas mais confortável do que antes.”