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Perto de Salvador, Boipeba é um local paradisíaco para se desligar

ANDREW JACOBS

New York Times Syndicate

29/03/2011 18h22

Com o telefone ao ouvido e uma aparência de irritação, era seguro presumir que Charles Levitan estava afugentando outro hóspede potencial de sua coleção de chalés brancos simples em Boipeba, uma ilha ricamente sem entraves além da costa do Brasil. “Não, nós não temos televisão no quarto”, ele disse. “Não, nós só temos ventiladores.” O sorriso travesso em seu rosto sugeria que o hóspede potencial foi satisfatoriamente dissuadido.

Não é que Levitan goste de perder clientes. Mas nos últimos anos, à medida que esta ilha remota perto de Salvador, a capital do Estado da Bahia, passou a despertar interesse, ele aprendeu que é melhor manter os quartos vazios na Pousada Santa Clara do que ter hóspedes irritadiços se queixando da eletricidade errática de Boipeba, de sua ausência de transporte motorizado ou da vida noturna inexistente.

“Se você não consegue viver o momento, este não é um lugar para você”, ele disse certa manhã, durante minha visita no ano passado, sentado na recepção e parecendo levemente desgastado após suportar um interrogatório sobre o tempo de um médico francês. “Se você precisa saber constantemente a previsão do tempo, então é melhor ir para outro lugar.”

Boipeba pode carecer de glamour, mas compensa com um clima ridiculamente perfeito e o tipo de praias vazias, com sombras de palmeiras, que fazem você se esquecer dos prazeres do ar condicionado. Para aqueles que precisam de um pouco mais de distração, há um raro trecho de Mata Atlântica intocado para ser explorado, hectares de recifes de coral e vilarejos coloniais pitorescos, onde o peixe que você viu durante seu mergulho com snorkel à tarde pode muito bem parar no seu prato no jantar.

Apesar de haver voos regulares de Salvador, cuja mistura intoxicante de culturas africana, europeia e indígena seria motivo suficiente para visitar esta parte do mundo, a maioria dos visitantes ainda chega à moda antiga: uma viagem de balsa, ônibus e lancha de quatro horas. Ao atracar na Velha Boipeba, um vilarejo de ruas de paralelepípedo que é lar de grande parte dos 1.600 moradores da ilha, a maioria dos hóspedes caminha pela praia até uma das três dúzias de pensões, um número que cresce a cada ano. Não é uma aventura para o pessoal de sapatos de salto alto Jimmy Choo.

Estranhamente, muitos daqueles que dependem do turismo se mostram contentes em dissuadir alguns turistas a visitarem Boipeba, um santuário ecologicamente frágil de tatus, tartarugas marinhas e vida marinha abundante, que habita um emaranhado de mangues que dá à ilha sua cor verde.

“Se eu pudesse congelar a ilha como está agora, isso seria perfeito”, disse Miguel Rosas dos Santos, um operador de barco de turismo de 47 anos, que é quase saudoso dos tempos, por volta de 1985, em que Boipeba não tinha correio, telefone ou eletricidade, e nem mesmo acomodações, exceto um punhado de choupanas rústicas. “Todo mundo gosta da entrada de dinheiro, mas turistas demais estragarão o lugar.”

  • Andre Vieira/The New York Times

    Uma lancha leva turistas aos bares de ostras flutuantes em Boipeba, onde com R$ 15 podem comprar uma dúzia recém tirada do mar

Essas ruminações existenciais são comumente ouvidas na Pousada Santa Clara, que é dirigida por Charles Levitan, seu irmão Mark, e o sócio de Charles, Matias Mulet. A pousada deles com rico paisagismo, que consegue ser ao mesmo tempo elegante, intimista e um negócio absurdamente bom, está quase sempre cheia de hóspedes que retornam e velhos amigos que às vezes permanecem hospedados por semanas.

Charles, 55 anos, o mais velho dos irmãos Levitan - há um terceiro que vive em Israel - cuida dos aspectos logísticos e financeiros da Santa Clara. O domínio de Mark é a cozinha, onde ele prepara jantares criativos que fazem grande uso dos produtos da ilha: peixes e frutos do mar, mangas, leite de coco e o fruto vermelho da palmeira dendê. Além de ser o chef do restaurante com telhado de palha da pousada, seus outros talentos se revelam no paisagismo meticulosamente cuidado e nos mosaicos ao estilo Gaudí que enfeitam os caminhos da pousada.

Os dois irmãos descobriram Boipeba em 1999, quando o turismo local ainda era nascente. Mark estava visitando Charles - que na época trabalhava como guia turístico em Salvador - e eles resolveram viajar para Boipeba. Eles chegaram durante uma tempestade no meio da noite, mas não demorou muito para os irmãos ficarem encantados. “Nós pensamos em comprar uma pequena casa na praia e logo estávamos negociando assumir uma pousada horrível, caindo aos pedaços, da qual o antigo proprietário tinha desistido”, disse Charles.

Eles abriram no inverno de 2001 com seis quartos, apesar de que, sem telefone, os hóspedes só podiam chegar e torcer pelo melhor.

Na década que se seguiu a ilha passou a contar com serviço regular de barcos e telefones, e Santa Clara ganhou cinco quartos adicionais; mais recentemente, os irmãos instalaram a contragosto Internet sem fio, principalmente para se livrarem do incômodo dos hóspedes implorando para checar o e-mail no computador da recepção.

Grande parte das acomodações da ilha está disposta ao longo da praia, onde as balsas aportam, ou no alto do morro na Velha Boipeba, onde as pousadas se misturam entre as casas dos moradores locais. Espalhadas por toda a ilha, com 11 quilômetros em seu ponto mais largo, se encontram várias outras pensões onde as praias ficam maravilhosamente vazias, mas a meros 20 minutos de caminhada da Velha Boipeba.

Apesar das pousadas variarem em tamanho e qualidade, não existem - ao menos ainda não - grande hotéis e resorts. Os passeios de pesca, mergulho e de barco são operações familiares que podem ser arranjadas pelo dono da pousada.

Nos últimos anos, a ilha passou por uma transformação modesta. Agora há quase duas dúzias de restaurantes e o grande número de turistas durante os feriados brasileiros podem dar à Velha Boipeba um ar de cabaré. Apesar de turistas americanos serem relativamente raros, a ilha foi descoberta pelos europeus - italianos, alemães e franceses - e alguns poucos deles permaneceram para abrir pousadas.

  • Andre Vieira/The New York Times

    Pousada Santa Clara, em Boipeba, tem estrangeiros como donos. Com rico paisagismo, a pousada consegue ser ao mesmo tempo elegante e intimista

Talvez a mudança mais significativa tenha acontecido há cinco anos, quando Boipeba começou a receber voos de Salvador, apesar do passeio em um monomotor de 30 anos e oito lugares não ser para os medrosos.

Em 2007, a Petrobras, a gigante de energia brasileira, começou a explorar gás natural além da costa, algo que não é visível das praias de Boipeba, mas mesmo assim causou grande alarme entre os ambientalistas. Isso também teve um impacto inesperado entre os moradores locais, inspirando um novo apreço pelo frágil habitat da ilha (como parte do acordo, a Petrobras construiu um centro ambiental modesto e fornece ajuda financeira aos pescadores locais, cuja pesca às vezes é reduzida devido à morte de peixes, que alguns atribuem à prospecção).

Mesmo que a chegada de TV por satélite e de Internet de alta velocidade faça com que os adolescentes locais passem mais tempo dentro de casa do que fora, os ritmos da vida cotidiana, ao menos para os visitantes, permaneçam inalterados. Os 19 quilômetros de praias vazias e imaculadas permanecem, bem, vazios e imaculados, e as trilhas que passam pela floresta tropical podem ser percorridas sem que alguém cruze com outra pessoa.

Os mais ambiciosos podem cavalgar ou mergulhar com snorkel nos recifes. Minha preferência foi tomar o que chamo de expresso hedonista, uma lancha que salta dos bares de ostras flutuantes - onde R$ 15 compram uma dúzia recém tirada do mar - até um trecho de areia, visível apenas na maré baixa, onde dois amigos empreendedores chamados Washington e Jefferson servem caipifrutas de maracujá.

“Às vezes eu penso em partir daqui, mas então tenho um dia como este e o pensamento desaparece da minha mente”, disse Matias, 47 anos, enquanto o barco percorria a costa, passando por uma igreja azul pastel do século 17 e o verde interminável dos mangues costeiros.

De vez em quando Charles e Mark também pensam em partir. Administrar uma pousada pode ser cansativo e há limitações sociais na vida da ilha. Mas uma consideração maior é que impacto o desenvolvimento terá sobre sua amada Boipeba. Todos os três dizem não conseguir imaginar permanecer caso o local se transforme no Morro de São Paulo, o balneário na ilha vizinha que já foi tão idílico e intocado quanto Boipeba, mas agora está lotado de turistas bronzeados. “Eu espero que não aconteça, mas não posso falar nada, já que cheguei aqui e abri um negócio”, disse Mark.

Mesmo com as leis ambientais oferecendo alguma proteção para Boipeba, não é difícil imaginar esse destino. Alguns moradores locais temem que isso possa vir a acontecer caso a ilha de 1.700 acres, no mercado como “resort ecológico” potencial, seja vendida para empreendedores imobiliários.

“Eu não calço sapatos há quase 30 anos e até mesmo junho em Nova York agora é frio para mim”, disse Charles, brincando apenas em parte. “Mas ainda não estou pronto para jogar a toalha.”