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Pedalando quatro dias pela região da Provença, na França

LUCIANA PINSKY

Colaboração para o UOL

03/11/2010 18h40

Ainda atordoada com voo, trem, táxi, fuso horário, eu sabia que precisaria dormir bem, pois no dia seguinte começaria a minha viagem de bicicleta pela Provença, no sul da França. A locomoção propriamente dita começou no dia anterior, quando parti de São Paulo rumo a Paris. Depois de mais duas horas de espera no aeroporto Charles de Gaulle, voei para Marselha. De lá, trem para Orange, a pequena cidade de onde começaria. Seriam quatro dias pedalando cerca de 250 km, passando por cidades como Arles, Avignon, Saint Rémy, Tarascon e algumas outras surpresas.

  • Luciana Pinsky/UOL

    Orange é uma cidade de múltiplas cores que abriga um teatro romano muito bem conservado

Mas por que, afinal, viajar de bicicleta? Uma amiga duvidava que pedalar cerca de 60 quilômetros por dia poderia ser divertido. “Ao contrário”, ela disse, “em vez de aproveitar você vai é ficar cansada e não conseguirá ver as belezas das cidades. Além do mais, férias são para relaxar e não fazer esforço”.

Quem já pedalou na França – e em muitos outros países europeus – sabe que cicloviagens não soam nada exóticas por lá. Eles encaram a bicicleta como um meio de transporte como outro qualquer. E, melhor: respeitam o ciclista. Lá não me sentia uma formiguinha tentando sobreviver – como muitas vezes acontece por estas bandas – mas um colega de estrada. E com algumas consideráveis vantagens: pedalar permite conhecer cada detalhe do terreno. Parar. Ouvir. Fazer o seu ritmo conforme a viagem prossegue. Tomar decisões repentinas. Mudar de ideia. Garanto que isso cansa bem menos do que avião, trem, fila, guichê, congestionamento... Certamente os inúmeros ciclistas das mais diversas idades e nacionalidades que encontrei no caminho também discordam da minha amiga.

1º dia – Orange – Chateauneuf-du-Pape – Avignon (60 km)
A região da Provença em que viajei é bem plana. No primeiro dia saí de Orange cerca das 9 da manhã e rapidamente cheguei a Chateauneuf-du-Pape, uma região vinícola muito conhecida no país. Mas às 10 horas é muito cedo para iniciar degustação e fui adiante em meio dos vinhedos. O céu azul, o terreno plano e a saudades de pedalar me fizeram acelerar. Cheguei a Avignon – destino final do dia – antes das 15h. Faminta e sedenta, parei em um restaurante e comi o prato do dia com gosto. O calor ainda era extremo quando cheguei ao meu hotel. Bicicleta guardada, banho tomado, hora de conhecer a cidade.

Murada, a cidade é um convite para caminhada. Entre suas atrações, optei por me deter no patrimônio mundial Le palais des papes (O palácio dos papas), apresentado como o maior palácio gótico do mundo. Construído no século 14, abrigou nove diferentes papas. Além do edifício impressionante, com direito a claustro, quartos, capela, a visita vale pelos afrescos e pela vista da cidade.

E depois, o tão esperado jantar. Entrada, prato principal e sobremesa. Tudo isso em cerca de 1h30. Sem pressa, com cuidado especial na apresentação e um sabor delicado, mas ao mesmo tempo marcante. Todas as noites eu comia impressionantemente bem. E voltava para o hotel pronta para dormir e acordar cedo, pois no dia seguinte teria mais.

Um esclarecimento: o roteiro que fiz pode ser percorrido de forma independente. Leva-se a bicicleta, alforjes, procura-se um mapa detalhado, reservam-se os hotéis, etc. Optei por comprar um pacote autoguiado. Ou seja, uma empresa forneceu a bicicleta e me passou o roteiro detalhado. Os hotéis, o transporte da bagagem de uma cidade para outra e café da manhã e jantares estavam incluídos no preço. Há roteiros nesse mesmo esquema por toda a Europa oferecidos por várias empresas.

  • Luciana Pinsky/UOL

    Le palais des papes é um dos dez monumentos mais visitados da França

2º dia – Avignon – Saint Remy – Baux de Provence – Arles (64 km)
O segundo dia foi o único em que tive de encarar uma subida de verdade. E foi o mais bonito. De Avignon parti para Saint Remy. A cidade é uma belezinha e passei uma boa meia hora caminhando por suas ruazinhas. Em seguida, fiz meu lanche com baguete, queijo e nectarina. Em seguida, tinha duas opções: caminho mais plano e outro com uma boa subida, que me conduziria à pequena (e imperdível) Baux de Provence. Subamos, pois. Não me arrependi. Certamente foi o dia mais rico de pedal. Além da bela – e não tão inclemente – subida, o que me esperava lá em cima era surpreendente. Ainda antes da entrada da cidade há a uma espécie de caverna artificial conhecida como Cathedral d´images. Lá dentro, no escuro, é projetada a obra de Picasso em paredes inteiras acompanhada de uma trilha sonora composta especialmente para o espetáculo. Ainda maravilhada com Picasso, subo – sim ainda restava subida – até a cidadezinha construída ao redor do castelo.

Visita e vista completadas, é hora de começar a descer. Destino final: Arles, uma das cidades mais procuradas pelos turistas na região. E não é de hoje: celtas, gregos, romanos, cristãos... todos estiveram por lá. E alguns dos “indícios” viraram patrimônio da humanidade, como o teatro e o anfiteatro romanos e a catedral e o claustro de Saint-Trophime. Mas além desses pontos, vale caminhar pelos becos, descobrir as janelas, as placas, as casas de pedras. Afinal, quem vai atrás de grandes monumentos, por vezes perde a cor própria da cidade. E por falar em cores, Arles também é conhecida por ter abrigado o pintor Vincent Van Gogh entre 1888 e 1889. Algumas das suas obras mais conhecidas foram pintadas na cidade. Mas foi lá também que ele cortou a própria orelha.

3º dia – Região de Camargo – (65 km)
No dia seguinte, o percurso seria circular: eu iria conhecer a região de Camargo e voltaria para Arles. Como sempre saí cedo e rodei no plano, no plano, no plano até... que em menos de duas horas já tinha chegado ao ponto do retorno. Ainda rodei um pouco em uma estradinha de terra – pouco recomendada ao meu pneu fino e liso – e voltei. As atrações do dia eram algumas cores interessantes e o mar.

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    Pedalar com pneu fino em trilha de pedra é como andar de salto alto em Paraty


Mas voltei cedo e pude passear por Arles com calma. É quase assustador pensar que há quase 2000 anos até 20 mil pessoas se acotovelavam para assistir a gladiadores se matando no imponente anfiteatro. Bem mais alentador é pensar que ainda antes disso os habitantes assistiam a espetáculos teatrais.

4º dia – Arles – Tarascon (64 km)
O quarto e último dia de pedal foi o que mais tive problemas com as indicações do roteiro. Pedalar, ler o itinerário, olhar o velocímetro e continuar pedalando exige boa dose de concentração, por vezes perdida ao observar a paisagem ou simplesmente pensar na vida, confesso. E lá estava eu em uma estrada de terra com pedras. Acostumada a andar em trilhas com bicicletas próprias para isso, eu tinha medo que o pneu fininho não fosse aguentar o tranco. Ele aguentou bem mais do que estava previsto.

Confundi uma indicação, entrei errado à esquerda e rodei em uma trilha cada vez mais fechada e repleta de pedras. Quando percebi que realmente não poderia ser lá, voltei. Parei para comer uma fruta e pensar nas alternativas. Foi quando um casal que seguia o mesmo roteiro que eu chegou. “É só seguir direto”, me garantiu. Eu o segui até a próxima cidade, Bellegarde, e de lá pedalei – decidida a não me perder mais - até Tarascon, meu último pouso na Provença. Ainda cheguei cedo para passear na vizinha Beaucaire, importante centro comercial no século 18.

Tarascon abriga o imponente Castelo do rei René, que já foi símbolo do poder da cidade. Hoje ela tenta mostrar-se mais ao turismo e tem investido em tornar suas ruas e fachadas mais charmosas, investindo em restaurações. De fato, uma caminhada no centro revela um ambiente tão acolhedor como tantos outros pelo caminho. Uma deliciosa forma de terminar os 250 quilômetros que rodei em quatro dias pela Provença.

 

COMO CHEGAR LÁ

Viajei pela Eurobike (www.eurobike.at), empresa austríaca que oferece diversos roteiros pela Europa e pelo mundo. Representante no Brasil: Steffen.Ohnemueller@gmx.net / (11) 5092-6312

Há diversas opções de empresas que oferecem roteiros autoguiados na Europa, França e, especificamente, Provença. Alguns exemplos:

Rando Vélo (Biking France)
www.randovelo.fr/randovelo

France à vélo
www.franceavelo.com

Randonnée Tours
www.randonneetours.com

Discover France
www.discoverfrance.com/index.html