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Refúgios de mafiosos viram atração na Sicília

JOSHUA HAMMER

New York Times Syndicate

01/11/2010 15h00

Poderia ter sido o refúgio rural de um magnata de fundos hedge ou de um príncipe italiano: uma casa de campo de luxo de dois andares em estuque bege e pedra, empoleirada em isolamento em um ponto elevado, com vista para o Vale do Jato, no norte da Sicília. As portas da frente dão para uma sala de jantar reformada, com pé direito alto, pisos de lajotas de terracota e uma fileira de arcos em pedra que sugere um anfiteatro romano. Luminárias de bronze, cerâmicas e outras curiosidades antigas estavam penduradas nas paredes. Uma luz suave era filtrada pelas janelas.

 

Estava chegando a hora do almoço e, na cozinha espaçosa, três chefs preparavam a sobremesa: doces em miniatura feitos com mel e castanhas cultivadas em pomares próximos. Uma escada estreita gira para o andar de cima, até os três quartos rústicos da casa, com dez camas, cada uma delas dando para prados verdes pálidos inclinados para o alto, em direção a montanhas de granito de encostas peladas.

  • Chris Warde-Jones/The New York Times

    Placa de pedra na Portella della Ginestra, local onde um líder da Mafia foi massacrado

Na realidade, esta casa de fazenda do século 17 já pertenceu a Bernardo Brusca, um capo de uma das famílias criminosas mais brutais da Sicília. Um membro da Cupola, a comissão de Palermo que dirigia as operações e acertava as disputas dentro da Cosa Nostra, Brusca pode muito bem ter usado o local como uma base a partir da qual planejava assassinatos e outros crimes. O filho de Brusca, Giovanni, atualmente com 51 anos, detonou a bomba que matou o procurador italiano Giovanni Falcone, em 1992; no ano seguinte, ele sequestrou o filho de 11 anos de um informante da Máfia, o manteve refém por 26 meses e então o estrangulou, dissolvendo seu corpo em um barril de ácido.

 

O Brusca mais jovem posteriormente forneceu provas ao Estado e entrou para um programa de proteção a testemunhas. Bernardo, um membro da velha guarda da Máfia que fez o juramento de omertà, o pacto de silêncio do crime organizado, foi capturado nos anos 80, condenado a múltiplas penas de prisão perpétua por uma série de assassinatos e morreu sob custódia do governo em 2004.

Agindo de acordo com uma lei aprovada em 1996, o governo italiano tomou suas propriedades e entregou a casa de campo para um consórcio de municípios da região. A Cooperativa Placido Rizzotto, cujo nome é uma homenagem a um líder sindical que foi morto pela máfia em 1948, recebeu a casa há seis anos. A cooperativa atualmente dirige a propriedade como uma pensão e transformou os campos abandonados e cheios de mato de Brusca em uma comuna de agricultura orgânica.

“Todos os municípios da área fizeram parte da longa e violenta história mafiosa, que queriam deixar para trás”, disse Emiliano Rocchi, o chef principal, que trabalha lá desde que a pousada foi inaugurada em 2004. “Transformar essas propriedades da Máfia em projetos com benefícios sociais é uma forma de fazer isso.”

A casa Brusca, conhecida como Agriturismo Portella della Ginestra, foi a primeira propriedade da Máfia na Sicília a ser transformada em pensão e pode ter iniciado uma tendência. O Libera Terra Mediterraneo, um grupo de cooperativas fundado há uma década por um padre italiano, abriu recentemente uma segunda pousada - que já foi de propriedade do chefão dos chefões da Sicília, Salvatore Riina - do outro lado do Vale do Jato e anunciou planos para mais. Essas antigas casas da Máfia oferecem aos hóspedes a oportunidade de apreciarem as mais belas paisagens da ilha - e, talvez, sentir um frisson de horror e emoção ao pernoitarem em lugares cheios de fantasmas do passado criminoso da Sicília.

  • Chris Warde-Jones/The New York Times

    Convidados almoçam na sala de jantar da fazenda Agriturismo Portella della Ginestra, na Sicília

Na Portella della Ginestra, onde os mafiosos supostamente já se reuniram certa vez, os turistas jantam pratos requintados, como a pasta alla Norma, feita com molho de tomates frescos, berinjela, manjericão, queijo pecorino e abobrinha em uma massa de cerveja. O vinho, da marca Centopassi, é feito a partir de uvas cultivadas em vinhedos locais, que já foram todos de propriedade da Máfia. Os campos antes cobertos de ervas daninhas foram replantados com grão-de-bico, tomate, trigo e outras culturas, e são atravessados por trilhas para caminhadas e cavalgadas.

Além da terra de Brusca, uma estrutura imponente - montada sobre uma ponte de cavaletes e conhecida como Strada della Liberazione, ou Estrada da Libertação - corta uma área através de uma passagem na montanha e divide a paisagem ondulante. Construída há uma geração para ligar o vale com Palermo, a estrada enfrentou uma feroz resistência da família Brusca e de outros mafiosos, que a viam como uma ameaça ao seu domínio de uma região então isolada. “O governo levou anos para construir o último quilômetro”, disse Rocchi. “Ele teve que enviar o Exército para garantir a segurança.”

Subindo a estrada da antiga casa de Brusca, passando por sua antiga cavalariça (agora administrada pela cooperativa), fica a passagem na montanha em Portella della Ginestra, cenário de um dos crimes mais sangrentos da Sicília: em 1º de maio de 1947, uma gangue liderada por Salvatore Giuliano, um bandido e separatista siciliano a serviço ocasional da Máfia, matou a tiros 11 camponeses e feriu 33 que realizavam um protesto a favor da reforma agrária (o diretor Michael Cimino recriou a cena em sua adaptação cinematográfica de 1987 de “O Siciliano”, de Mario Puzo).

A curiosa aldeia de Piana degli Albanesi, a cinco minutos de carro da pousada, foi colonizada por refugiados albaneses cinco séculos atrás e vale a pena ser visitada à tarde. Lar de uma comunidade de quatro mil de seus descendentes, que mantiveram sua cultura e língua, ela é uma cidade renascentista perfeitamente preservada, com ruas de pedras serpenteando por encostas íngremes, várias igrejas bonitas e vistas deslumbrantes do Vale do Jato abaixo.

Do outro lado do vale fica a cidade montanhosa de Corleone, que deu seu nome à família criminosa do romance épico de Mario Puzo, “O Poderoso Chefão”. Corleone também foi território de Riina, apelidado de Totò e também conhecido como “A Besta”, ou “il Corto”, por sua baixa estatura. Por décadas ele foi o chefe fugitivo dos chefes da Máfia siciliana. Um assassino diminuto que deu pessoalmente as ordens para os assassinatos de magistrados, polícias e dezenas de mafiosos rivais, Riina foi capturado perto de sua casa de campo em Palermo, em maio de 1993, após 23 anos foragido. Ele agora está em confinamento solitário em uma prisão de segurança máxima nos arredores de Milão. Riina tinha uma propriedade rústica própria a aproximadamente oito quilômetros de Corleone; sua casa foi entregue à prefeitura de Corleone, reformada com recursos da União Europeia e aberta em abril deste ano como a segunda pousada do grupo Libera Terra.

Cercada por mais de 40 hectares de terras agrícolas e pastos, a propriedade, Agriturismo Terre Di Corleone, fica em uma descida íngreme de cascalho, fora da vista da estrada principal. A casa de pedra bonita, empoleirada em uma elevação sobre um bosque de cactos e prados pedregosos, foi transformada em um salão de jantar que ainda não tinha sido aberto quando visitei em março, com lugar para 70 pessoas e que serviria pratos com ingredientes orgânicos produzidos quase que exclusivamente nas terras da Libera Terra. Um caminho acima do restaurante leva aos antigos estábulos de Riina, agora o hotel: cinco quartos confortáveis com 16 camas, com vista para uma varanda coberta de bambu e o Vale do Jato além.

  • Chris Warde-Jones/The New York Times

    Portella della Ginestra, a primeira propriedade da Máfia na Sicília a ser transformada em pensão, é uma fazenda confiscada do século 17

O isolamento da propriedade ofereceria a Riina um ambiente perfeito para se esconder das autoridades e planejar seu reinado de terror, mas se foi realmente usado pelo capo nunca foi confirmado. “Nós sabemos que Riina era o dono do lugar, a partir dos registros de propriedade no município de Corleone, e que sua família cultivava os campos aqui”, disse Francesco Galante, do Libera Terra, “mas não temos provas de que Riina já esteve aqui pessoalmente”.

Mas não há dúvida de que Riina e seus colegas chefes da Máfia mantinham controle quase total sobre a região, e que as pensões e projetos semelhantes estão ajudando a quebrar esse domínio.

“As pessoas das cidades vizinhas agora podem escolher onde trabalhar”, disse Galante. “Elas não mais dependem de favores das empresas da Máfia ou de empresários ligados à Máfia. Elas sentem a diferença.”

É uma diferença que os visitantes também sentirão, ao beberem bom vinho em um esplendor rústico e contemplarem a perversidade dos homens que já dominaram este canto da Itália.

 

Se você for

Na Agriturismo Portella della Ginestra, perto de Piana degli Albanesi, na Sicília, 39-328-2134-597 ou 39-091-8574-810, a diária de um quarto simples custa 45 euros (cerca de US$ 54, com o euro cotado a US$ 1,20) e inclui um café da manhã composto de torradas, croissants, frutas e café. Jantar para dois, de 30 a 40 euros.

Na Agriturismo Terre di Corleone, fora de Corleone, 39-339-5247-626, quartos custam a partir de 40 euros, com um café da manhã leve.

Outra fazenda-pousada no Vale do Jato que pode valer a pena uma parada -embora não seja parte do programa de propriedades confiscadas da Máfia - é a Agriturismo Sant’Agata, na estrada entre Piana degli Albanesi e Corleone; 39-338-459 - 8654; agriturismosantagata.pa.it. Ela possui 24 camas, uma piscina e um restaurante que serve comida local. Quartos por 60 euros por pessoa para quartos duplos, 75 euros para quartos simples, com café da manhã e jantar.

Fizemos uma boa refeição no hotel e restaurante Leon D’Oro, em Corleone; Contrada Punzonotto; 39-091-846-4287. Na Agriturismo Argomesi di Giorgio Riolo, 39-091-856-1008, uma pousada de campo fora de Piana degli Albanesi, um bom jantar para dois saiu por 30 euros.

 

Tradução: George El Khouri Andolfato