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Biblioteca é inaugurada no Aeroporto Internacional de Schiphol, na Holanda

Visitantes de uma biblioteca no Aeroporto de Schiphol, perto de Amsterdã - Amsterdam Airport Schiphol/Reprodução
Visitantes de uma biblioteca no Aeroporto de Schiphol, perto de Amsterdã Imagem: Amsterdam Airport Schiphol/Reprodução

NICOLA CLARK, em Schiphol

New York Times Syndicate

25/09/2010 06h00

Peter Rasenberg não conseguia se lembrar de quando foi a última vez que tinha lido um livro por prazer. Logo, foi com certa estupefação que o professor escolar canadense se viu em uma enorme poltrona, absorto em uma coleção de contos retirados da estante da biblioteca que ele encontrou aqui, inserida entre as butiques situadas entre o controle de passaporte e o portão de check-in para seu voo para Montreal.

  

“Eu normalmente não escolheria algo assim”, ele disse, acariciando uma fina antologia de ficção holandesa do século 20 intitulada “In Praise of Navigation”. Mas Rasenberg, 51 anos, cujos pais holandeses emigraram para Ontário após a Segunda Guerra Mundial, disse que o livro estimulou o interesse por suas raízes. Em rota após uma visita de duas semanas à Tanzânia, Rasenberg disse que nunca visitou a Holanda. Sua escala de quatro horas no Aeroporto de Schiphol, perto de Amsterdã, era, por ora, o mais próximo que tinha chegado.

 

A descoberta casual por Rasenberg da nova Biblioteca do Aeroporto de Schiphol é precisamente a experiência que Dick van Tol, o coordenador do projeto, disse que espera engendrar. Aberta com pouca fanfarra há poucos meses, a biblioteca – a primeira em um grande aeroporto internacional – conta com 1.200 livros em mais de duas dúzias de línguas, todos de autores holandeses ou sobre assuntos relacionados à história e cultura do país.

  

“Há 18 milhões de passageiros por ano que fazem escala apenas em Schiphol”, aproximadamente 40% do tráfego total, disse Van Tol, que trabalha para a ProBiblio, uma agência sem fins lucrativos que apoia as bibliotecas públicas holandesas. A parada deles, ele disse, costuma demorar em média entre cinco e sete horas. “A maioria dessas pessoas não deixa o aeroporto, de forma que não veem nada da Holanda.”

 

As primeiras discussões a respeito da criação da biblioteca começaram em 2006, nos escritórios da ProBiblio, que por acaso ficam à sombra do quinto aeroporto mais movimentado da Europa. “Nós podemos ver os aviões decolando e pousando”, disse Van Tol. A agência apresentou sua proposta um ano depois ao conselho diretor de Schiphol e eles começaram a trabalhar juntos no projeto em 2008, com um orçamento inicial de 250 mil euros.

  

Entre os terminais E e F e ao lado da filial no aeroporto do Rijksmuseum de Amsterdã, a coleção visa ser lida no local e deixada nas estantes para que outros as pesquisem. A biblioteca planeja oferecer livros eletrônicos e música de artistas e compositores holandeses que possam ser baixadas, gratuitamente, para um notebook ou celular. A biblioteca também está equipada com nove iPads da Apple carregados de conteúdo multimídia, incluindo fotos e vídeos, igualmente dedicados ao tema da cultura holandesa. Um livro digital de visitantes convida estes a deixarem seus comentários ou mensagens para outros companheiros de viagem.

  

“Alguém viu Caroline, nossa querida amiga?” escreveu Stone Svensson em 16 de agosto. “Ela perdeu nosso voo saído da Dinamarca. Por favor, alguém a avise que esperamos vê-la em Quito.”

  

Certa tarde o corredor estava repleto de passageiros, que estavam correndo para chegar aos seus portões ou deslizando impassivelmente na esteira móvel. A biblioteca estava serenamente quieta. Vários passageiros estavam dormindo nas poltronas estofadas, dando ao espaço sem paredes o ar de uma biblioteca de faculdade na semana dos exames finais. Outra usava a mesa de leitura para digitar em seu notebook.

  • Amsterdam Schiphol Airport/Reprodução

    A biblioteca no Aeroporto de Schirpol tem 1.200 livros em mais de duas dezenas de línguas

 

Van Tol parecia incomodado por muitas pessoas não estarem lendo: “Talvez devêssemos considerar móveis menos confortáveis”. Os iPads da biblioteca também estavam temporariamente inoperantes: um adolescente de passagem os desabilitou enquanto tentava hackear uma conexão gratuita de Internet – um serviço que a biblioteca não fornece.

  

Ele deu de ombros e disse que esses probleminhas eram inevitáveis em uma biblioteca que não conta com funcionários permanentes e cujo único esforço para desencorajar o roubo era um adesivo na capa de cada livro, o identificando como parte da coleção da Biblioteca do Aeroporto.

  

“Confiança é a base para este projeto”, ele disse. “Nós estamos dispostos a correr o risco de vandalismo ou de que alguns livros desapareçam. Mas achamos que ter segurança é muito mais caro.” Desde a abertura em meados de julho, ele disse, apenas uma dúzia de livros desapareceu. Muitos outros desapareceram temporariamente, reaparecendo quando os viajantes passavam pelo aeroporto em suas viagens de volta.

  

Além de promover a cultura holandesa, Van Tol disse que o projeto no aeroporto faz parte de um esforço mais amplo para atrair leitores de volta às bibliotecas, que têm enfrentado uma queda na frequência em muitas partes do mundo nos últimos anos. Na Holanda, por exemplo, a circulação nas bibliotecas caiu 28%, para cerca de 113 milhões de volumes em 2008, em comparação a 158 milhões em 1999. O número de usuários registrados caiu quase 10%, de 4,3 milhões para 3,9 milhões, no mesmo período.

  

“As bibliotecas atualmente estão sendo pressionadas a pensar fora do habitual” para recolocar seus livros diante dos leitores, disse Van Tol. “É preciso ser ousado e correr riscos.”

  

Walt Larsen, um executivo de publicidade americano a caminho de casa em Minneapolis, após um safári na África do Sul, reconheceu que as visitas à sua biblioteca local de sua cidade não faziam mais parte de sua rotina. “Eu frequentava bem mais as bibliotecas no passado, porque precisava realizar muita pesquisa”, disse Larsen, 52 anos. “Mas agora a Internet substituiu grande parte disso.”

  

A ProBiblio experimentou com sucesso outros projetos inovadores de biblioteca, com metas semelhantes de expandir o número de leitores. Desde 2005, ela abriu várias “bibliotecas de praia” em balneários por toda a Holanda, Bélgica e Dinamarca. As bibliotecas funcionam cerca de seis semanas a cada verão e apresentam uma circulação coletiva de cerca de 15 mil, com um número de usuários registrados de aproximadamente 25 mil.

  

Roberta Stevens, presidente da Associação das Bibliotecas Americanas, em Chicago, elogiou a iniciativa holandesa e disse espera que algum dia a ideia seja reproduzida nos Estados Unidos e em outros lugares.

  

“Nós não podemos estagnar no passado”, disse Stevens. “Nós temos que refletir as mudanças que vemos em nossas sociedades, e está claro que estamos nos tornando mais e mais transientes.”

  

Tradução: George El Khouri Andolfato