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Dê licença, Elvis. Conheça a Memphis independente

MELENA RYZIK

New York Times Syndicate *

17/04/2010 08h03

É difícil separar Elvis de Memphis. Seu rosto espia de todos os cantos, das jukeboxes até os balcões das lanchonetes-restaurantes. Mas o Rei não estava presente na Electrocity, a festa semilegal em um depósito que foi realizada recentemente em uma garagem sem aquecimento, no agitado bairro de Midtown da cidade.


Um Mustang enferrujado e duas motos estavam encostados em um canto. Luzes natalinas cruzavam o teto. Um aglomerado de pessoas da cena musical – de tipos contraculturais trazendo seus próprios bambolês até nu-góticos com sua moda edwardiana - dançavam até ficarem suados, mesmo no frio.

  • Lance Murphey/The New York Times

    Muitos dos copos usados nos bares de Memphis vêm de antiquários locais


Com desenhos animados antigos projetados no alto, os três DJ.s que vinham realizando essas festas a cerca de um ano estavam inclinados sobre toca-discos e laptops, tocando remixes de MGMT e Yeah Yeah Yeahs. Havia alguns poucos bastões luminosos e barris de cerveja, que acabaram rapidamente. Mas não se incomode, basta trazer o seu próprio. “Tá muito bom, tá ótimo”, disse um sujeito, enquanto passava sorrindo por entre a multidão.


Esta é a Memphis independente, muito distante do amontoado de turistas da Beale Street e de Graceland, mais em espírito do que em distância física. Midtown, a uma curta distância de carro de um centro famoso por suas casas de blues, jazz e churrasco, é o epicentro dos descolados, uma área diversa que agora é lar de bares elegantes de coquetéis e antigos bares com jukebox. A festa começa tarde, muito tarde, mas permanece amistosa por toda a noite.


“Nós somos a coisa real”, disse Archie Turner, enquanto guardava seu teclado às 4 horas da madrugada no Wild Bill’s, um bar de soul e churrasco que é um dos pontos mais queridos da área. Turner, 64 anos, é enteado do falecido Willie Mitchell, um produtor de discos responsável por álbuns seminais de artistas como Al Green na Hi Records, seu estúdio virando a esquina da mais conhecida Stax. Memphis recompensa o bairrismo e a lealdade – a Hi Records ainda permanece funcionando – mas também há espaço para renovação.


Novos pontos como o Minglewood Hall, um espaço de concerto para 1.500 pessoas, e o Nocturnal, onde a equipe do Electrocity às vezes realiza festas, estão dando a Midtown um novo vigor cultural. Se você não se incomodar em dormir tarde, você pode ter uma ideia disso em um fim de semana. E Memphis é pequena o bastante, e receptiva o bastante, a ponto de você poder conhecer uma pessoa em um bar em uma noite e encontrar a mesma pessoa em uma festa na noite seguinte. Sua hospitalidade é contagiante.


Você pode começar, como eu, com um drinque no Cove, um bar que parece despretensioso visto de fora, mas que serve drinques criativos como o Vampire, uma versão do Bloody Mary, com tequila, suco de tomate, pimenta malagueta, sal e vinagre balsâmico. Ele tem um estilo de Nova Orleans e tema náutico, com um mastro se estendendo sobre o bar, pintura descascando (há muita pintura descascando em Memphis), cabines rasgadas (idem) e murais kitsch de marinheiros. O cardápio inclui ostras e o Cafe du Monde; filmes como “Brazil” são exibidos em vez de esportes.


O Cove fica na margem leste de Midtown, uma área deteriorada onde artistas se enraizaram. Não longe dali fica a Odessa Gallery, que explora artes visuais, música e tecnologia com um lado faça você mesmo. Velhos depósitos foram transformados em estúdios por artistas empreendedores e a Associação Comercial Histórica patrocina um passeio anual pelas galerias. “As comerciais são realmente conservadoras, mas Memphis se destaca por seus muitos espaços alternativos”, disse Dwayne Butcher, um artista que está documentando a comunidade em um blog, artbutcher.blogspot.com, há vários anos.


As artes visuais têm seu lugar em Memphis – Butcher disse que a cena “sempre esteve à margem” – mas a música está sempre presente. Quase todo bar apresenta uma banda uma noite ou duas por semana. E sempre que há algum show badalado no Young Avenue Deli ou no Hi-Tone Cafe, dois clubes âncoras da cena independente em Midtown, parece até que todo mundo comparece.


“Eu vi a cena musical local na verdade crescer nos últimos três anos”, disse Dan Garber, um músico que trabalha no Hi-Tone. “Nós costumávamos ter apenas duas, três bandas por semana. Agora nós temos algo toda noite”, de atrações independentes em turnê, como Yeasayer, até death metal e Billy Bob Thornton.


Com sua mesa de bilhar, restaurante e cerveja artesanal, o Young Avenue Deli tem apelo de massa; ele pode ficar cheio de torcedores de futebol cantando e ainda assim contar com uma banda de bluegrass no palco. O Hi-Tone conta com uma pequena galeria, mas é dedicado principalmente à música.


“Nós estamos realmente empolgados, porque não conhecemos todos vocês”, disse um membro de uma banda jovem de rock cristão para a plateia na noite em que eu estava lá. Posteriormente, outro me deu seu CD, grátis.

  • Lance Murphey/The New York Times

    O Cove, em Memphis, é um bar com tema náutico, com um mastro se estendendo sobre o bar, pintura descascando, cabines rasgadas e murais kitsch de marinheiros


Os músicos locais são apoiados não apenas por dezenas de lojas de guitarras e outros instrumentos, mas também por uma instituição que está desaparecendo em outros lugares: a loja de discos. Manusear as prateleiras de compactos na Shangri-La ou Goner Records equivale a sentir o peso do Sul, o que significa história da música americana, gospel, blues e soul. Se você quiser mergulhar mais fundo, ou descobrir as mais novas bandas locais, os atendentes das lojas – mais amistosos do que jamais imaginou Nick Nornby – ficam contentes em ajudar. Aonde eles vão para se divertirem?


“No Buccaneer Bar”, disse Sam Burnett, um funcionário da Goner, que ganhou atenção nacional como o selo do falecido roqueiro independente Jay Reatard. “Eles não têm programação. Você chega lá, diz que quer tocar e então você toca.”


No extremo oposto do espectro está o novo bar e restaurante Mollie Fontaine, em uma casa vitoriana de dois andares, com candelabros, sofás baixos e fotos fashion enormes decorando as paredes. Uma cantora de jazz se apresenta nos fins de semana, não vestida de modo formal, mas com uma voz mais agradável do que de rádio de fim de noite, e os clientes regulares se sentam ao redor de seu piano, fazendo pedidos.


É uma alternativa cosmopolita à Beale Street, o trecho lendário no centro de Memphis, lotado de clubes de blues e rhythm and blues. Por mais que os moradores locais o desdenhem como armadilhas para turistas –“Se você quiser ouvir um punhado de músicos ruins cantando ‘Mustang Sally’, é para onde você deve ir”, disse Gerber, da Hi-Tone – ela é lar de alguns poucos lugares bacanas.


O Hollywood Disco, antes conhecido como Raiford’s, é um. Um clube after-hours a poucas quadras da Beale Street, ele é mobiliado com sofás de couro e, por motivos melhor observados do que discutidos, cadeiras de escritório com rodinhas. O teto é baixo, as paredes são cobertas com contornos de mãos dos clientes, feitos com pincel atômico – “As garotas adoram”, disse Anthony Bologna, o gerente assistente – e a pista de dança é iluminada. O DJ. toca Lady Gaga e Michael Jackson, o bar serve cervejas de 1.200 ml e há uma limusine gratuita que pega você e leva a qualquer lugar na cidade.


“Nós somos da velha guarda”, disse Bologna. “Nós ficamos abertos até as 4h mesmo quando não há movimento.”


Perto dali fica outro ponto de fim de noite, o Ernestine & Hazel's. Antes um empório, por décadas ele funcionou como um bordel no segundo andar; as proprietárias que dão nome ao estabelecimento foram as primeiras primas cujos maridos tinham laços estreitos com os donos da Stax e com a polícia local, segundo a lenda. Transformado em um estabelecimento legítimo nos anos 90, após a morte das primas, ele não mudou muito. No andar de baixo fica um bar que serve apenas cerveja, uma jukebox e uma cozinha que serve Soul Burgers medíocres. A mesa de bilhar exibia um aviso que quase dava de ombros: “Não funciona”.


Mas as pessoas que conhecem sobem para o andar de cima, passam por um corredor escuro, onde são recebidas por uma placa pintada com spray que diz: “Nada de Fumar Droga, Nada de Xingar, Nada de Fiado”. O segundo andar é um aglomerado de pequenos quartos com sofás surrados. É melhor ignorá-los também, apesar de ser fácil imaginar que fantasmas podem habitar ali. O que você vai procurar, o que eu descobri, é uma pequena placa, pintada à mão, que diz apenas “Nate’s”, com uma flecha apontando para onde ir.


É uma minúscula sala de canto, com as janelas cobertas com plástico e mais tinta descascando. Pode ser o lugar mais quente de Memphis, mas não por causa dos aquecedores. Atrás do desajeitado bar em forma de L se encontra Nathaniel Moore, 66 anos, usando um chapéu com pena, um colete e camisa de manga longa. Ele está em Memphis desde 1947 e é um barman de fim de semana aqui desde que se tornou legal, apesar dele não ter problema em conversar sobre quando não era.


“Este era o local aonde vir nos anos 70 e 80”, disse Moore, enquanto servia doses de uísque da reserva que mantém sob o bar. “Você conseguia aqui o que quisesse.”


E ainda pode. Esta é a Memphis antiga: pessoas de todas as idades e raças sentadas ao redor do bar, contando piadas e conversando, inevitavelmente, sobre direitos civis, amor e história até tarde da noite. Está claro por que ele não tem planos de se aposentar.


A Memphis independente tem seus próprios ícones, como Shirley Williams, que serve drinques no bar Lamplighter há quase 40 anos. O Lamp, como os moradores locais o chamam, é outro bar de Midtown. Aberto desde 1932, ele é o bar mais antigo da cidade que nunca deixou de funcionar e recentemente ganhou uma certa fama grungy, como cenário de videoclipes para artistas como Cat Power.


Miss Shirley, como ela é conhecida, enfrenta problemas de saúde e não aparece muito recentemente. Para levantar dinheiro para o tratamento médico dela, os moradores de Midtown criaram um alfinete de lapela de caridade, disponível por US$ 1 na Goner e outras lojas. “Pelo amor de Shirley”, ele diz, acima de um desenho de uma mulher grisalha sorridente, de bochechas rosadas, uma referência improvável além de Elvis.

 

Como chegar lá


A Delta e a Continental oferecem voos sem escala de Nova York para Memphis. Alugar um carro é necessário para circular.

 


Aonde ir


Electrocity, twitter.com/electro--city.


Wild Bill’s, 1580 Vollintine Avenue; (901) 726-5473; myspace.com/wildbills.


Lamplighter Lounge, 1702 Madison Avenue; (901) 726-1101.


Minglewood Hall, 1555 Madison Avenue; (901) 312-6058; minglewoodhall.com.


Nocturnal, 1588 Madison Avenue; (901) 726-1548; myspace.com/nocturnalmemphis.


The Cove, 2559 Broad Avenue; (901) 730-0719; thecovememphis.com.


Odessa Gallery, 2613 Broad Avenue; odessatheblog.wordpress.com.


Young Avenue Deli, 2119 Young Avenue; (901) 278-0034; youngavenuedeli.com.


Hi-Tone Cafe, 1913 Poplar Avenue; (901) 278-8663; hitonememphis.com.


Shangri-La Records, 1916 Madison Avenue; (901) 274-1916; shangri.com.


Goner Records, 2152 Young Avenue; (901) 722-0095; goner-records.com.


Mollie Fontaine, 679 Adams Avenue; (901) 524-1886; molliefontainelounge.com.


Hollywood Disco, 115 Vance Avenue; (901) 528-9313; hollywooddisco.com.


Ernestine & Hazel's, 531 South Main Street; (901) 523-9754; earnestineandhazels.com.


* Texto publicado originalmente em janeiro de 2010