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Os turistas retornam a uma antiga encruzilhada em Aleppo, na Síria

LIONEL BEEHNER

New York Times Syndicate

10/04/2010 07h10

Aos gritos de “yalla-yalla” – vamos vamos (andando)! – o condutor do burro puxando uma carroça cheia de pistache abriu caminho entre as multidões de compradores no souk (mercado) medieval de Aleppo. Era o meio do Ramadã, poucas horas antes do iftar, a refeição noturna em que os muçulmanos quebram seu jejum diário, e as fileiras de barracas que serpenteavam pelo mercado estavam repletas de mulheres usando véus pretos e homens usando keffiyeh cheirando sabonetes de óleo de oliva artesanais e comprando temperos.

  • Bryan Denton/The New York Times

    À medida que as tensões entre Damasco e Washington diminuem, uma nova onda de turistas está redescobrindo Aleppo. Na foto, turistas descem os degraus da fortaleza do século 13

Mas havia outro tipo de compradores bloqueando o trajeto do burro: turistas ocidentais.

 

Não que Aleppo seja desconhecida dos forasteiros – T.E. Lawrence, Agatha Christie e Charles Lindbergh fizeram desta cidade no norte da Síria um destino frequente a certa altura.

 

Mas, à medida que as tensões entre Damasco e Washington diminuem, uma nova onda de turistas está redescobrindo este antigo centro de comércio, ávida em tirar proveito de seus preços baixos, culinária condimentada e mercado labiríntico.

 

Em setembro, o turismo na Síria cresceu em mais de um terço em comparação ao mesmo mês do ano anterior, e o recente abrandamento das restrições de visto com a Turquia fez com que Aleppo fosse invadida por comerciantes e turistas do outro lado da fronteira.

 

“Toda a infraestrutura de turismo está melhorando dramaticamente”, disse Joshua Landis, um professor americano e especialista em Oriente Médio que tem um blog popular chamado Syria Comment (joshualandis.com/blog). “A série de novos hotéis-butique e restaurantes mostrou o potencial de faturamento da Cidade Velha de Aleppo. Mas o interessante é ir agora, antes da chegada das massas.”

 

O que torna Aleppo única é sua mistura de influências otomanas, armênias, judaicas e francesas, devido ao seu posicionamento histórico na encruzilhada dos impérios. Mesquitas com domos verdes intensos ficam ao lado de catedrais armênias, igrejas maronitas e até mesmo uma sinagoga. Sua localização em planícies arredondadas pontilhadas por bosques de oliveiras e ruínas de cidades mortas traz à mente uma cena saída de “As Mil e Uma Noites”.

 

Aleppo pode também se gabar em ter o souk mais impressionante do mundo árabe, uma ampla rede de corredores barulhentos e barracas apertadas onde, nos últimos sete séculos, todo tipo de tempero, doce, sabão, seda, fruta seca, tapete, metal, joia e narguilé imaginável foi vendido. Se você já se perguntou qual é a aparência e cheiro de um pedaço de carne de camelo, basta passar pelo setor dos açougueiros. E diferente dos mercados de Istambul ou do Cairo, o de Aleppo funciona como um mercado de verdade, não uma armadilha para turistas.

 

O souk é a própria cidade. Velhos teares transformam fios em tecidos altamente coloridos, papagaios gritam em gaiolas e fotos deificantes dos presidentes Bashar (atual) e Hefez (o ex) al Assad estão por toda parte. Uma série de cheiros – o perfume doce do fumo, o cheiro como de louro do sabão de óleo de oliva – segue os visitantes. Sim, a repetição constante de “Bem-vindo!” e “De onde você é?” cansa rapidamente, mas alguns poucos comerciantes ao menos acrescentam um toque de humor. “Muito caro. Qualidade muito ruim”, um me disse piscando.

  • Bryan Denton/The New York Times

    Mesquita Umayyad é um exemplo clássico da arquitetura islâmica em Aleppo

A melhor hora para visitar a Cidade Velha de Aleppo pode ser ao amanhecer, quando as bancas estão fechadas e suas portas de madeira ornamentadas com entalhes se tornam visíveis. A esta hora, as ruas de pedras arredondadas da cidade ficam silenciosas, exceto pela música pop árabe tocada em uma barbearia próxima, e os padrões florais das sacadas fechadas podem ser apreciados.

 

Após a visita obrigatória à Grande Mesquita, espie dentro de qualquer um dos arcos de pedra preto e brancos para conferir os pátios dos khans (pousadas) de Aleppo, cheios de jasmins e árvores cítricas. Ou suba a ponte de pedra até a cidadela, uma fortaleza imponente no alto da colina, concluída no século 13. Enterrados em suas ruínas estão um palácio, uma hammam (casa de banho), um templo, uma masmorra e duas mesquitas. Mas o melhor motivo para a visita é a vista da silhueta de Aleppo pontilhada de minaretes.

 

Depois, os homens podem seguir para o restaurado Hammam el Nahasin para um banho de vapor ou uma massagem relaxante. Ou para beber algo, vá até a barraca de sucos na praça Bab al Faraj.

 

A praça é mais notada por sua torre do relógio e pelo Sheraton Hotel sem nenhum charme no meio dela. Em uma caricatura de planejamento urbano ao estilo soviético dos anos 70, grandes trechos da Cidade Velha foram demolidos para abrir espaço para avenidas mais largas, boas para carros. Em meados dos anos 80, o governo sírio mudou de curso e convidou a agência de ajuda alemã GTZ para recuperar seus prédios históricos.

 

O centro da cidade está dividido em três partes principais: a Cidade Nova, a Cidade Velha e Al Jdeida, o velho bairro cristão. A menos impressionante é a Cidade Nova, cujos prédios de apartamentos modernistas sujos de barro, com antenas parabólicas enferrujadas no alto, lembram os de qualquer cidade árabe insípida (apesar de contar com algumas das melhores comidas de rua de Aleppo).

 

Os guias apontam o Baron Hotel, erguido em 1911, como o local onde beber na Cidade Nova. Apesar dos móveis mofados e tapeçarias desbotadas de seu bar e lobby do Velho Mundo valerem a pena ser conhecidos, e o recepcionista mal humorado parecer tão gasto quanto o papel de parede, o hotel perdeu muito de seu encanto. Ele também fica repleto de turistas europeus ruidosos.

 

Para um público mais local, vá ao Al Aziziah, um bairro da Cidade Nova repleto de bares e cafés lotados. Em uma noite de quinta-feira no verão passado, um público bem vestido, a maioria estudantes, fumava narguilé com aroma de maçã, com seus olhos grudados nas novelas sírias que passavam nas telas grandes.

 

Ou vá para a Saahat al Hatab, a praça principal de Al Jdeida e talvez o local mais agradável da cidade. Crianças jogam bola pela praça enquanto velhos de bigode jogam gamão até tarde da noite. Alguns dos melhores restaurantes de Aleppo ficam localizados em pátios ao longo das ruas sinuosas deste bairro.

 

A cozinha de Aleppo reflete a diversidade da história da cidade. Não é incomum pedir meia dúzia de pratos com muitas influências culinárias em uma refeição, que pode incluir mezze, ou aperitivos, de patês com nozes e pimentas, e pratos principais de sujuk (linguiça picante) e quibe de cordeiro.

  • Bryan Denton/The New York Times

    O souk é a própria cidade. Uma série de cheiros - o perfume doce do fumo, o cheiro como de louro do sabão de óleo de oliva - segue os visitantes

E uma nova onda de restaurantes está ocupando as coberturas e pátios por toda a cidade, enquanto as casas dos mercadores da era otomana estão sendo convertidas em hotéis-butique elegantes.

 

“Antes, havia um hotel dirigido pelo governo na praça, e só”, disse Thomas Pritzkat, diretor do Projeto de Desenvolvimento Urbano de Aleppo. “Agora as pessoas estão comprando casas velhas e as transformando em hotéis e restaurantes.”

 

Para um saboroso tabule com salsa em uma cobertura com tema oriental, experimente o restaurante Al Hareer. Outro ponto conhecido de Aleppo é a Sissi House, que pode parecer um pouco abafada, com cardápios apenas em francês e sem preços listados, mas cujos kebabs de cordeiro em molho de cereja valem a pena a visita.

 

“Aleppo possui uma mistura rica de culturas”, disse Karam Artin, 20 anos, um estudante de design de interiores que estava cantando em um bar de karaokê recém inaugurado, enfeitado com veludo vermelho. “Daqui poucos anos esta cidade estará fervilhando de turistas e, quem sabe, ainda mais visitantes americanos.”

 

Para chegar lá

 

Aleppo fica a cerca de cinco horas de carro ao norte de Damasco, com ônibus diário e serviço de trem entre as cidades.

 

Onde ficar

 

Evite os hotéis na Cidade Nova e siga para Al Jdeida, com sua coleção de hotéis-butique construídos nos velhos bairros dos mercadores. Um bom valor pode ser encontrado no Jdayde Hotel (Alhatab Square; 963-21-212-1197; jdaydehotel.com), bem na praça, que abriu em 2007. Seu restaurante de cobertura, aberto apenas no verão, oferece vistas da cidadela. Quartos duplos a partir de aproximadamente US$ 111.

 

Virando a esquina fica o Dar Zamaria Martini (junto à Alhatab Square; 963-21-363-6100; darzamaria.com), que incorpora várias casas, pátios e suítes com temas orientais. Quartos duplos a partir de US$ 140.

 

Onde comer

 

Vá ao Al Hareer (junto à Alhatab Square), um restaurante de cobertura que serve sujuk por 175 libras sírias (cerca de US$ 4, com o dólar cotado a 44 libras) e tabule (140 libras).



Para um bom quibe com suco de romã, seguidos por um karaokê no lounge, experimente o Zmorod (Raheb Bouhaira Street; 963-21-211-5777; zmorod.com), um novo restaurante situado em uma casa do século 19.

 

Para o melhor prato da cidade, prove o kebab de cordeiro ao molho de cereja (375 libras sírias) na Sissi House (Sharia as-Sissi; 963-21-212-4362; sissihouse.com).

 

O que fazer

 

Abdou Aleido, um professor de inglês local, oferece excelentes passeios de cinco horas pela Cidade Velha de Aleppo (1.500 libras sírias para duas pessoas; 963-98-817-4256).

 

Tradução: George El Khouri Andolfato

* Publicado originalmente em janeiro de 2010