UOL Viagem

14/12/2009 - 21h52

Em Charlevoix, o céu e o mar presenteiam o turista

JIM ATKINSON
New York Times Syndicate
As estradas estreitas e sinuosas de Charlevoix sobem e descem além das majestosas Montanhas Laurentian, de um lado, e do grande e azul Rio Saint Lawrence, do outro. Entre eles, vales exuberantes e arredondados estão repletos de casas coloniais americanas e outras em estilo celeiro, pintadas de azul, cinza e amarelo, com belos ornamentos brancos. Ribeirões descem as montanhas e deságuam nas corredeiras do rio, passando por gargantas e cachoeiras.
  • Christinne Muschi for The New York Times

    Barco aproveita as águas do rio Malbaie no Parc National des Haute-Gorges-de-la-Rivière-Malbaie, em Charlevoix


Passeando ali com minha esposa, Ann, há poucos meses, eu senti uma sensação estranha de déjà vu, inexplicável até que percebi que estava me recordando de como eu imaginava o céu na minha infância.

Isso pode não estar totalmente errado, já que Charlevoix, uma região a cerca de 145 quilômetros de Québec, onde o Saint Lawrence começa a se alargar até se transformar no Golfo de Saint Lawrence, foi criada, literalmente, por um acidente celestial. Há cerca de 350 milhões de anos, um enorme meteorito colidiu com esta parte do que atualmente é o leste do Canadá, criando cerca de 5.950 quilômetros quadrados de vales, colinas e margens de rios nos quais os 40 mil habitantes de Charlevoix atualmente vivem.

A cratera, preenchida e drenada por várias geleiras ao longo dos séculos, também desenvolveu o que os moradores locais chamam de solo amarelo, que é especialmente bom para a agricultura; daí a considerável reputação de Charlevoix como produtora de hortifrutis de qualidade, pães e cerveja, carne de vitela, foie gras e queijo.

As oportunidades de agro e ecoturismo de Charlevoix lembram as da região de Point Reyes, ao norte de San Francisco. E seus encantos, como os de Point Reyes, são apreciados há muito tempo.

Mas como é difícil o acesso a Charlevoix, assim como a circulação pela região, ela ainda permanece sem entraves e sem atropelos. Os visitantes que voam para Montréal, por exemplo, precisam dirigir 400 quilômetros até o coração de Charlevoix, mas assim que se chega lá, todos os destinos parecem ficar entre 30 e 50 quilômetros de distância por estradas sinuosas de duas faixas que parecem constantemente congestionadas de maquinário agrícola.

Já no século 18, nobres escoceses passavam férias na região, que foi batizada em homenagem ao padre François Xavier Charlevoix, um explorador jesuíta que foi primeiro historiador do Canadá Francês. No início do século 20, uma de suas principais cidades, La Malbaie, tinha se tornado um segredo de férias bem-guardado da classe alta americana, incluindo o futuro presidente, William Howard Taft, que certa vez comentou que respirar o ar de Charlevoix era como "beber champanhe sem a ressaca".

A região continuou sendo um playground dos ricos até 1988, quando a Unesco a declarou reserva protegida de biosfera e os ecoturistas começaram a aparecer.
  • Christinne Muschi for The New York Times

    Paisagem de Les Éboulements, na região de Charlevoix


Ainda assim, os números do turismo continuam modestos -600 mil a 700 mil visitantes por ano, se você não contar os cerca de um milhão que visitam o Fairmont Le Manoir Richelieu em La Malbaie por um dia. O Richelieu, uma fortaleza medieval que conta com mais de 400 quartos de luxo, um spa imenso e três restaurantes, é o hotel mais proeminente da região, apesar dos hotéis-butique e pensões refletirem melhor o ambiente bucólico e relaxado de Charlevoix.

Nós ficamos no La Pinsonnière, um hotel com ar de albergue de luxo com 18 quartos às margens do Saint Lawrence, a cerca de dez minutos do centro de La Malbaie, em uma área chamada Cap-à-l'Aigle. Ele conta com um dos melhores restaurantes da região e provou ser uma base valorosa.

Nosso passeio de ecoturismo teve início em um parque nacional, o Haute-Gorges-de-la-Rivière-Malbaie (Altas Gargantas do Rio Malbaie), a cerca de uma hora de carro de La Malbaie. a famosa trilha de caminhada do parque de 362 quilômetros quadrados, chamada Acrópole, não estava aberta por causa das chuvas, então percorremos três mais curtas.

Haute-Gorges se apresentou como um local resplandecente e imaculado, com o Rio Malbaie - cristalino como a água do Colorado - serpenteando pelas gargantas profundas e verdes e vales com florestas densas, tudo sob a música dos ventos e pássaros. Do cume a 244 metros de uma íngreme margem de rio, nós tivemos uma vista como a de um helicóptero do reluzente Malbaie e do simpático quartel-general do serviço de guarda florestal, ao estilo nórdico.

Outra trilha nos levou por subidas e descidas em meio à densa floresta até um pequeno lago, que parecia uma pedra de ágata verde militar aninhada em um veludo verde escuro. Cervos, renas e castores observavam cautelosamente por entre as folhagens e, ocasionalmente, um olhar para o céu rendia o vislumbre de uma águia dourada voando no alto.

Desejando ver outro dos animais mais proeminentes da região, nós partimos de Haute-Gorges e voltamos para La Malbaie, de onde dirigimos outra hora e meia na direção norte, ao longo do Saint Lawrence, até Baie-Ste.-Catherine. De lá, percorremos dez minutos de balsa pelo Rio Saguenay em sua confluência com o Saint Lawrence até a minúscula vila de Tadoussac, onde embarcamos em um bote inflável Zodiac da empresa de turismo Croisières AML. Ele nos conduziu pelo Saint Lawrence, onde sete espécies de baleia sondam regularmente as profundezas alimentadas pela água salgada do incomumente profundo Canal Laurentian (180 a 360 metros de profundidade), que vem do golfo até o rio.

Apesar de ser meados de julho, as temperaturas estavam abaixo dos 10ºC e uma chuva forte logo surgiu, que, juntamente com o mar agitado, acrescentou uma autenticidade digna de Dramamine à aventura. Nós vestíamos pesadas capas de chuva vermelhas e galochas fornecidas pela empresa.

Nosso capitão, que quase falava só francês, prometeu "muitas baleias" e não estava exagerando. Perto de um farol laranja e branco quase abandonado, o Zodiac foi repentinamente cercado por baleias minke e fin -algumas, como estimou nosso capitão, com seis metros de comprimento- e populosos haréns de leões-marinhos brincando nas águas de aparência hostil.

Esta foi a melhor experiência de avistar baleias que já tive, melhor do que na Baixa Califórnia e no Alasca. Os Zodiacs se aproximam tanto das baleias que nossas palavras eram abafadas pelos jatos d'água dos espiráculos das baleias e o spray fazia cócegas em nossos rostos.

Nós vimos dezenas de baleias - apesar de uma viagem paralela a um fjord visitado frequentemente por baleias-brancas não ter resultado em nenhuma aparição do animal - de forma que o cruzeiro por águas profundas e cinzentas, cercadas por penhascos dentados cobertos de líquen verde, definitivamente valeu o esforço.

No dia seguinte, nós voltamos a subir o rio para perambular pelos vales pastorais e campinas da área rural de Charlevoix, para provar o foie gras, salmão defumado e queijos azuis o suficiente para fazer alguém recuar. Há mais de 20 produtores ao longo da chamada Trilha do Sabor e nós decidimos visitar três.

O primeiro, uma loja modesta chamada Fromagerie St.-Fidèle, em La Malbaie, era altamente recomendada e seus queijos não decepcionaram. Parecia haver sempre na fila uma dúzia de clientes. Eu fiquei particularmente arrebatado pelo queijo Cheddar básico do St.-Fidèle.

Na segunda parada, La Ferme Basque de Charlevoix, na minúscula cidade de St.-Urbain, nós provamos um rico e salgado foie gras de pato com a orientação de uma entusiástica hostess de dez anos, a filha de uma amiga dos proprietários, que se chamava Izar. O foie gras e os vários patês são feitos de acordo com a técnica e tradição basca. Aquele foi o melhor fígado de pato que já comi - tão saboroso que, fugindo ao meu hábito, comprei um pote.

Para propiciar uma mudança ao paladar, nós fomos cerca de 30 quilômetros ao sul até Baie-St.-Paul para visitar a Chocolaterie Cynthia, onde, por trás de uma fachada modesta, nós tivemos a oportunidade de tentar resistir ao chocolate quente, mirtilo fresco e chocolate em várias combinações, além do sorvete caseiro banhado em chocolate 75% puro.

Nós não tivemos sucesso, tanto que mal tínhamos espaço para o jantar com três pratos no La Pinsonnière. Mas, me disseram, não se pode visitar Charlevoix sem provar de seu cardápio.

Fiel à sua reputação, uma salada de aspargo e queijo pecorino temperada com vinagrete caseiro era delicada na porção, mas imponente no paladar, com o sabor salgado e picante calibrado com precisão. Uma pequena porção de cordeiro, composta de um medalhão, costeleta e músculo, era rica e perfeitamente cortada, sobre uma cama de batata amassada e uma pitada de alho.

Mais tarde naquela noite, nós dirigimos ao longo das margens do Saint Lawrence, permitindo que a brisa fresca e aquele ar de champanhe nos banhassem. A lua lutava para se mostrar em meio à neblina.

Então, este céu em particular estava à altura daquele que imaginei? Será necessária pelo menos mais uma visita para me certificar.
  • Christinne Muschi for The New York Times

    O Fairmont La Manoir Richelieu conta com 405 quartos, múltiplos restaurantes, um spa, cassino e belas vistas do Saint Lawrence


Rota do rio
A área de Charlevoix fica a cerca de 360 quilômetros de carro na direção nordeste de Montréal.

Onde ficar
O Fairmont La Manoir Richelieu (181, rue Richelieu, La Malbaie; 866-540-4464; www.fairmont.com/richelieu) conta com 405 quartos, múltiplos restaurantes, um spa, cassino e belas vistas do Saint Lawrence. No outono, quartos duplos custam a partir de 189 dólares canadenses, cerca de US$ 172, com o dólar americano cotado a 1,10 dólar canadense.

La Pinsonnière (124, rue St.-Raphaël, La Malbaie; 800-387-4431; www.lapinsonniere.com) é um hotel butique com 18 quartos com vista para o Saint Lawrence. Quartos duplos a partir de 295 dólares canadenses na baixa temporada.

Onde comer
Para uma refeição tour-de-force, o salão de jantar do La Pinsonnière é imbatível. Você não sairá sem pagar menos de 250 dólares canadenses para duas pessoas, mas a cozinha francesa vale cada centavo.

Pratos tipo bistrô, mais leves e mais baratos, podem ser encontrados no Café Chez-Nous (1075, rue Richelieu, La Malbaie; 418-665-3080; www.cafecheznous.com), como sopas, saladas, omeletes e espetos de carne de cordeiro. Dois podem comer por 30 dólares canadenses e um jantar com três pratos custa a partir de 17,95 dólares.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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